É uma triste e paradoxal realidade:
quanto mais abrangente, urgente e internacional for um problema, ou dilema,
maior a cegueira política — termo mais gentil que burrice —, ou fraqueza moral
dos que opinam ou decidem a respeito.
Deveria ser o contrário, porque os
problemas mais graves e complexos exigiriam soluções de altíssimo nível, só
esperável de pessoas de invulgar inteligência e bom senso. Homens e mulheres capazes
de enxergar claro em situações nebulosas, distinguindo fatos de “versões de
fatos”. Da mesma maneira que um médico, jurista, ou outro especialista
competente, apos ouvir a explicação esparramada do cliente, afasta pencas de
minúcias inúteis e “pesca” somente o que é essencial. A quantidade só influi na
qualidade quando se trata de estatística. Assim mesmo conforme a qualidade da
estatística. Quem a faz, seu “direcionamento”, a honestidade dos coletores de
dados, etc.
Pensando melhor — escrever força-nos
a raciocinar... — a mencionada “cegueira política” em problemas internacionais
é, quase sempre, muito menos intelectual, que moral. Experientes chefes de
governo e seus altos representantes bem que percebem, no fundo de suas doloridas
almas — doloridas de tanto serem retorcidas —, onde está a verdade e onde está
a mentira; ou a meia-verdade, que é também meio-mentira.
O difícil é agir, ou mesmo falar em
consonância com a verdade, essa coisa ingrata, chã, triste, que quase nunca
traz vantagem ao seu emissor e já levou alguns ao patíbulo. A rotina, na
história da humanidade, tem sido a seguinte : primeiro enforcam o “maluco inconveniente”.
Anos depois, arrependidos, entregam-no, petrificado, aos pombos para neles
estimularem o movimento de seus desrespeitosos intestinos.
A ditadura do “politicamente correto”,
o medo da imprensa e da volubilidade dos eleitores obriga os eleitos a fingir
que estão sinceramente convictos de que os fatos estão conforme proclamam —
eles mesmos ou seus gurus —, embora ainda tenham sérias dúvidas. Ou, mais
ainda, sabem perfeitamente que a realidade é bem diversa: — “Se eu disser o que
penso, estou “frito!”. Não tenho a mínima ambição de ser um Sócrates n.2. Preciso
pensar no meu cargo, nos meus aliados, na minha carreira, na minha família, na
minha conta bancária”. E para obter alguns votos (vencidos) no tribunal da
própria consciência, tranquilizam-se de um modo bem prático: — “Se os fatos
comprovarem, depois, que eu estava errado, paciência... Sou humano e errar é
humano, pois não? Direi que agi por patriotismo, pensando somente no bem geral.
E quem poderá provar o contrário?”
Não sei se George W. Bush pensava
literalmente assim, mas ele mesmo sabe. Pelo menos na questão das armas de
destruição em massa, quando da invasão do Iraque. Tais armas, constatou-se, não
existiam. Depuseram e enforcaram um presidente (mesmo sendo ditador, era um
presidente) de um país que não estava atacando os EUA. Invadiram-no; destruíram
a economia de uma nação; mataram milhares (inclusive soldados americanos e
europeus ); incentivaram involuntariamente o terrorismo; gastaram, inutilmente,
trilhões de dólares e tudo ficou por isso mesmo.
Mas nem tanto, porque os EUA hoje já
não são os mesmos, não têm mais a força nem o prestígio de vinte anos atrás. É,
provavelmente, o começo de uma decadência. Contra meu desejo, faço questão de frisar,
porque os Estados Unidos, mesmo com seus defeitos — também existentes em todos
os países — muito contribuíram para o progresso do planeta no que se refere à
capacidade de organização, praticidade, inovação tecnológica e interesse na
difusão de direitos humanos.
Quando seus líderes abusam do poder,
essa é uma velha e persistente doença do bicho homem, seja qual for sua raça. E
raça nenhuma está livre do impulso genético, animal, de ser “superior”. Impulso
que pessoas boas e sensatas procuram conter, por considerações éticas ou
misericórdia. Mas políticos astutos, sentindo o potencial dessa força
instintiva, tiram dela o máximo proveito dando a ela o nome sonoro de
“patriotismo”, ou “nacionalismo”. Ninguém pode negar que Hitler foi um grande
patriota. Mesmo sendo austríaco, amava a Alemanha a tal ponto que queria
dominar a boa parte da Europa e Ásia para fornecer à “raça ariana” um enorme
“espaço vital” que duraria pelo menos mil anos. Mas vamos parar por aqui,
porque o assunto é bem explosivo quando se trata de formação de países dando
prioridade à origem racial de seus habitantes.
Estamos, neste exato momento, talvez a
poucas horas, ou dias, de um novo conflito — agora com a Síria — que poderá se
transformar em um novo “Iraque”, porque as guerras “sabe-se como começam, mas
não como terminam”, uma platitude que, mesmo sendo tal, precisa sempre ser
lembrada. A tragédia das populações afetadas não se limita aos dias de combate
mas ao que ocorre antes deles — com o êxodo desordenado de milhões — e, principalmente, depois, instalado um caos
que pode perdurar por muitos anos. O Iraque foi invadido em 2003 e dez anos
depois ainda lá explodem carros, prédios, bicicletas, jumentos com dinamite, e
suicidas fanatizados por um ideal de vingança que consideram justa e do agrado
de seu Deus.
Qual o fundamento para se bombardear
a Síria? As fotos de crianças e adultos mortos, ou espumando pela boca? O fato
de Bashar Assad ser um ditador que teima em não largar o poder? Qual o jogo de interesses
subjacentes à utilização dos gases venenosos?
Que houve o envenenamento de crianças
e adultos, com uso de gases tóxicos, nos subúrbios de Damasco, não há dúvida e
o próprio governo sírio reconhece. A questão é saber quem é o responsável pelas
cenas de horror, principalmente quando mostram crianças mortas.
Simplesmente não acredito que esse massacre,
com produtos químicos, tenha ocorrido por ordem pessoal de Bashar Assad. E não
acredito porque seria estupidez anormal, considerando que Assad não faria isso
justamente quando inspetores da ONU estão no seu país, em campo, para
investigar esses fatos. Além disso — conforme mencionado pelo próprio Assad,
quando entrevistado recentemente —, tais inspetores informaram que, visitando
hospitais e locais onde doentes estavam sendo tratados, havia também, entre os
feridos, soldados sírios, defensores do regime. Assad não assumiria o risco de
envenenar seus próprios soldados. Uma coisa é ser ditador — mesmo “eleito” em
plebiscito, sem concorrentes — e outra ser excepcionalmente estúpido para
envenenar seus adeptos, em área tão próximas dos de edifícios do governo e
justamente, como disse, quando presentes, na cidade, inspetores procurando
provas.
Como é fraca a credibilidade de que
Assad iria permitir tanta tolice, seus inimigos aventaram uma explicação mais
fácil de engolir: os ataques teriam sido iniciativa do irmão mais novo de
Bashar, Maher al-Assad, comandante da 4ª. Divisão Blindada, indivíduo de “pavio
curto”, bem conhecido por sua agressividade. Assim, a versão de culpa do regime
pareceria mais convincente porque, de qualquer forma, incriminaria o presidente
Assad. Ele seria culpado, pelo menos, pela omissão, por não conter o irmão meio
louco. Difícil, no entanto, acreditar que esse irmão fosse tão irresponsável a
ponto de fazer asneiras nas barbas dos inspetores.
John Kerry, o atual secretário de
estado americano, tem sido infeliz toda vez que abre a boca. Recentemente, no
Brasil, perguntado sobre a espionagem eletrônica das comunicações brasileiras,
até mesmo da presidente da república, admitiu que a espionagem existiu e
continuaria existindo, “para o bem do Brasil”. A presidente poderia ter
retrucado da seguinte forma: — “Ótimo! Isto significa que poderemos também, com
base na reciprocidade, espionar as comunicações eletrônicas e telefônicas
americanas. Mas faremos isso para o bem de vocês”.
Kerry frequentemente afirma que o
governo americano já tem provas seguras da utilização de armas químicas pelo
governo sírio. Se dispõe dessas “evidências”, por que não as mostra à ONU, que
mantem-se cética? Não basta ele — interessado em atacar a Síria — descrever,
com floreios de oratória sentimental, a agonia e morte de criancinhas. Quer
mostrar-se “durão” mas obviamente despreza a inteligência de quem o ouve. Não
foi à-toa que perdeu a eleição presidencial.
“Navegando” na internet em língua
inglesa — nem tudo aparece, no Brasil, em português —, em busca de mais
informes, descobri, acidentalmente, alguns sites bastante informativos sobre o
que ocorre na Síria, no momento. Se o leitor quiser ouvir também “o outro lado”
da esquiva verdade — pouco mostrado pelos principais jornais brasileiros —,
acesse www.mintpressnews.com,
www.infowars.com e www.nomorefakenews.com
,que apresentam fortes argumentos de que a Arábia Saudita, através de um
determinado cidadão saudita — não anotei o nome — seria a responsável pela
remessa e armazenamento de gases tóxicos para os rebeldes sírios espalharem nos
arredores de Damasco como se isso fosse obra de Bashar Assad.
Não tenho qualquer admiração por
Assad mas ele é um homem de inteligência no mínimo mediana. Estou medicina,
inicialmente no seu país e terminava seus estudos na Inglaterra quando seu
irmão mais velho faleceu em um acidente automobilístico. Bashar Assad pretendia
ser apenas um oftalmologista. Com a morte desse irmão, que sucederia o pai —
Hafez al-Assad, antigo ditador —, substituiu o falecido irmão nos planos do progenitor
para continuar a “dinastia”, conforme a “tradição” dos ditadores e mesmo dos
políticos democratas do Ocidente. Um sobrenome importante, um Kennedy, ou Bush,
ou Neves — sempre é procurado por chefes de partidos em busca de votos. Bashar
tornou-se presidente através de um estranho plebiscito, sem concorrentes (sic),
mas, de qualquer forma, era um presidente que, antes de 2011, sentindo-se
apoiado pela população, até pretendia disputar as eleições presidenciais de
2014. Mostrava-se moderno, ocidentalizado, sem fanatismo e, pelo que sei, era
bem quisto talvez pela maioria da população.
Sendo ele, pelo menos juridicamente, o
chefe de estado e de governo de um país importante no Oriente Médio, talvez
convencido de que era um presidente com razoável apoio da população, não viu
porque abdicar do cargo, “na marra”, só porque era filho de um ditador e a
oposição queria seu lugar, aproveitando os ventos democráticos que assopravam
na região e pediam a queda dos ditadores. Queda que certamente, ao ver dele, Bashar,
não transformou o Oriente Médio em um modelo de democracia. Esta, enfiada
“goela abaixo” pelos EUA no Iraque e no Afeganistão só piorou a situação das
populações locais que vivem hoje muito pior que no tempo de Saddan Hussein. No
Egito, a anarquia tornou-se total, e na Tunísia e na Líbia a situação não oferece
boas perspectivas.
É de se presumir que Bashar Assad interprete
o desejo de sua expulsão do poder não como elevado anseio de democratas puros, idealista.
Deve considerar a oposição — composta de contraditórios interesses, inclusive
com membros da Al-Qaeda — apenas como
ambição de grupos que lutam, interna e externamente, pelo poder. Luta válida,
em tese, considerando que a “dinastia” Assad está no poder a mais de quarenta
anos. O pai de Assad governou a Síria durante 30 anos. No entanto, o caminho
democrático para desalojar Assad seria através de eleições, de convencimento do
eleitorado. Não pela força das armas, obtidas de países inimigos da Síria.
Se o Ocidente pretendia tirar Assad
do poder, para o bem da população síria — e não para satisfazer os interesses
do Ocidente e de Israel —, deveria, antes de apoiar os rebeldes com armas,
fazer uma sondagem honesta e informal das preferências da população síria. Se
constatasse que a população, em sua indiscutível maioria, preferia o “status
quo”, com Assad, não deveria interferir, fornecendo armas aos rebeldes. Esse
tem sido o método normal, tradicional para a mudança de governos. Os povos têm
o direito de, eles mesmos, manter ou mudar os regimes. A Arábia Saudita, por
exemplo, não é uma democracia. É uma monarquia em que o rei não é mera figura
decorativa, mas, no entanto, seus cidadãos não demonstram o desejo que mudar o
regime. Por que o Ocidente deveria estimular a mudança do regime saudista, contra
o desejo de sua população?
Quanto aos inimigos externos, Assad
está em conflito surdo e impotente com Israel. Isso porque Israel é
militarmente dez vezes mais poderoso que a Síria. Já duas vezes a bombardeou e apoderou-se
de território sírio, as Colinas de Golã. Iniciado o movimento para sua
deposição, Assad presume que é Israel que, nos bastidores, “comanda o
espetáculo” de sua derrubada, sem assumir o ônus político dessa manobra. Como
Assad é forte aliado do Irã — que apoia o Hezbollah, no Líbano — presume que
sua queda, sob o pretexto de “luta pela democracia”, significa, para Israel,
“comer o Irã pelas beiradas”, tornando o país persa cada vez mais isolado e
fraco. Presume que, totalmente enfraquecida a Síria na futura luta do poder — entre
os diversos grupos que se digladiarão após sua queda —, será a vez de Israel destruir
o Irã, tornando Israel o único país em situação estável no Oriente Médio. Um
país com total superioridade bélica, inclusive nuclear, cada vez sentindo-se
mais fortalecido com a evidente timidez de Barack Obama, sempre incapaz de
dizer um “não!” a Netanyahu, mesmo quando esse ignora abertamente as
recomendações de Washington quase implorando para que não amplie os
assentamentos de colônias na Cisjordânia e Jerusalém.
Obama — homem honesto, inteligente, bom
chefe de família e intelectual respeitável, de passado limpo, age,
absurdamente, no que se refere ao Oriente Médio, como se fosse um político “com
telhado de vidro”, chantageado, temeroso de atuar conforme suas íntimas
convicções. Não acredito — e muita gente deve sentir o mesmo —, que ele mesmo
acredite nas frases que profere pedindo apoio do Congresso para um ataque
contra a Síria. Para supostamente “convencer” o público americano — no fundo
não quer —, diz que pretende atacar a Síria porque “há uma ameaça iminente à
segurança do povo americano”(risos), como se os EUA estivesse sob a mira da
fraca e longínqua Síria. Ameaça haverá, isso sim, se os EUA cederem a pressão
externa, bombardeando a Síria, com isso despertando nos sírios mais aguerridos
um profundo desejo de vingança que pode se materializar em terrorismo químico
espalhado gases venenosos nos inúmeros metrôs americanos.
Obama diz, ainda, inocentemente, que
não pretende derrubar Assad, “mudar o regime”. Quer apenas fazer uns “bombardeiozinhos”
tópicos, evitando vítimas civis, nos locais que armazenam material químico.
Mas, segundo a imprensa, são cerca de 50 os pontos visados, sendo impossível
evitar a morte de civis. E os insurgentes, cada vez mais armados pela Arábia
Saudita, por americanos e outros, disseram aos repórteres, que estão
desapontados com a hesitação americana porque já estão de prontidão para ocupar
as mencionadas instalações que armazenam gases, logo após os bombardeios.
Ocorrendo tais ataques, com foguetes disparados a milhares de quilômetros de
distância — haja pontaria! —, em navios ou porta-aviões, não será estranhável
se alguns rancorosos sírios se sintam moralmente autorizados a envenenar ou colocar
bombas em 50 metrôs nos Estados Unidos
“apenas como tópicas retribuições, mas sem pretender tirar Obama do poder”.
Repetindo, não há dúvida que gases
tóxicos foram espalhados nos arredores de Damasco pouco antes da chegada dos
inspetores da ONU, mas a autoria desses crimes ainda é uma incógnita, mas com
forte probabilidade de que não foi Bashar Assad quem fez isso. Alguns
inspetores, trabalhando nas ruas, já disseram aos repórteres — o leitor pode
reler tudo o que já foi publicado na imprensa, para se certificar — que foram
instruídos apenas — apenas! — para verificar a presença, ou não, do gás, não
quanto a quem fez isso. É um outro indício de que está sendo forjada uma
investigação orientada para concluir, de antemão, que Assad precisa ser deposto
o quanto antes.
Alguém já disse que nunca se mente
tanto quanto nas guerras e após as pescarias. O caso da Síria é exemplar. O
governo de Israel — não me refiro ao seu povo, sempre um tanto vítima da
propaganda de seus governantes, como ocorre em todos os países — tem o máximo
interesse em levar a anarquia a um país, Síria, que tem se mostrado hostil a
sua intenção de permanecer como o país mais forte do Oriente Médio. A Síria
apoia os palestinos, o que desagrada Israel. Este sente-se incapaz de conviver
com palestinos e nem mesmo os quer como vizinhos. Por isso nunca aceitará,
voluntariamente, a criação de um Estado Palestino. “Um de nós dois deve sair da
Palestina!”, é seu sentimento mais profundo. E é fácil adivinhar quem ficará
como dono único.
Mencionei a Palestina, no problema
sírio, porque no fundo de todas as desavenças entre árabes e judeus está a
questão palestina. Enquanto as Nações Unidas não tiverem a coragem de dar o
“grande passo” jurídico, evolutivo, resolvendo, ela mesmo — sem esperar um
acordo entre as partes que nunca virá —, a divisão equânime do espaço palestino,
com fronteiras definidas pela ONU, ou
algo mais radical, o Oriente Médio não encontrará a paz. E até agora não ouvi
nem li qualquer opinião de Obama sobre a única solução viável e inteligente
para uma ferida moral que alimenta todas as demais feridas.
Obama, um homem inteligente e
preparado, seria a pessoa mais adequado para sugerir esse grande avanço no Direito Internacional.
Ele está deixando passar uma grande oportunidade, certamente por timidez,
esquecido na força de seu grande país. Seu insensato desejo de iniciar uma
guerra inútil, não combina com sua natureza. As pessoas devem usar seus
talentos naturais, nas soluções dos problemas, não adotar decisões sugeridas
por pessoas movidas por ambições pessoais.
Talvez agora seja tarde para reconhecer
o que há de verdade e mentira na intenção de derrubar Assad. Após tanta
desgraça, mortandade e êxodo, mesmo que os sírios estivessem, antes,
razoavelmente felizes sob a presidência de Assad, preferirão agora sua saída,
se isso trouxer a paz. Só que, derrubado Assad, o caos será ampliado na luta
entre as facções da coligação. O lobby da indústria armamentista americana tudo
fará para “esquentar os ânimos”, e os negócios.
O fato da Síria não ser uma
democracia, insisto, não autoriza sua invasão. Israel gaba-se de ser a única
democracia, no Oriente Médio. Ele é, de fato uma democracia, mas “seletiva”,
porque os árabes, mesmo dentro de Israel, não gozam das mesmas vantagens dos
judeus. E os palestinos, expulsos pelo governo israelense, são considerados
cidadãos de terceira classe.
A democracia interna israelense
explica-se pelo fato do povo judeu ter zelado pelas suas tradições culturais e
religiosas, mesmo na diáspora. Quando foram para a Palestina, formavam uma
mesma comunidade de língua, religião, filosofia e cultura. E a diáspora, o
contato com outros povos, o instruiu bastante, abriu seus horizontes. Isso
facilitou a criação de um estado democrático, pelo menos para os judeus de
sangue e de religião.
Por que as treze colônias americanas
conseguiram se unir para formas os Estados Unidos da América do Norte? Porque
essas treze colônias eram, todas elas cristãs, sem grandes problemas de língua
e sentiam anseio de uma liberdade que não desfrutavam nos países de origem de
seus habitantes. Havia uma certa homogeneidade entre essas colônias.
Se, porém, essas treze colônias
tivessem habitantes bem diferenciados a União Americana não teria se formado.
Se uma colônia fosse composta de xiitas; outra de sunitas; outra de católicos;
outra de protestantes; outra de judeus; outra de alauítas; outra de budista;
outra de xintoístas; outra de ateus intolerantes; outra só de alemães; outra só
de espanhóis; outra só de franceses, etc., acredite, leitor, não teríamos
conhecido a poderosa nação americana. Teríamos hoje um cacho de pequenos países
sempre em guerra ou mutuamente desconfiados. E foi isso que aconteceu no
Oriente Médio, o que explica a grande dificuldade de se instalar ali
democracias com formato ocidental.
Não esquecer que o Ocidente sempre
dividiu, à vontade, as populações locais, alterando as fronteiras consoante as
sucessivas partilhas da África e do Oriente Médio após a vitória ou derrota das
grandes potências nas guerras mundiais.
A solução para o problema da Síria
estaria, primeiro, em saber a verdade de quem utilizou os gases tóxicos, que
podem ter sido levados para os arredores de Damasco até mesmo por um cidadão
saudita. Em seguida a ONU tem que proibir todos os combates. Um cessar fogo
total, proibindo, a ferro e fogo — à Stálin —, qualquer disparo, seja de que
lado for. Terceiro, tentar apurar — entre os sírios unicamente, mesmo exilados
—, quem eles preferem que seja o governante máximo do país.
Simples? Não. Mas o oposto, isto é,
bombardear o país será ampliar o conflito a todo o Oriente Médio, ou até mesmo
incentivar o terrorismo em solo americano. E deixar como está — “eles que se
entendam” — será prolongar ainda mais o combate sangrento.
Que o mundo aprenda, vendo o que
ocorre na Síria, que já passou da hora do planeta dispor de um mecanismo
jurídico preventivo que possa abortar, mal se inicie, conflitos semelhantes.
Para isso é preciso que os estados abdiquem de uma fração da própria soberania.
Se Obama quiser se lembrado, no futuro, com admiração por ter feito algo
inédito, precisa pensar a respeito.
(04-09-2013)
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