O entrevistado mostra-se claramente
revoltado — em vez de ficar esperançoso, como cidadão —com o recente melhora de
imagem do Judiciário após o julgamento do Mensalão que, por sinal. não acabou
porque algumas leis e normas procedimentais só atrapalham a missão dos juízes.
Estes são obrigados à trabalhar com regras processuais bem deficitárias na
previsão de como serão utilizadas. E como a melhor avaliação popular da Justiça
decorre da atuação enérgica do Min. Joaquim Barbosa, a contundência do
entrevistado direciona-se também contra a própria pessoa do referido Ministro,
augurando uma queda no prestígio tanto do magistrado quanto do Poder Judiciário,
globalmente considerado. Esquecido de que quando o Judiciário é respeitado, a
mera reputação de firmeza — mesmo não tão firme quanto seria aconselhável —,
desestimula condutas ilegais em toda a sociedade. Quanto mais for ele
“avacalhado” pela mídia — ainda mais por pessoas cultas, como é o caso do
sociólogo —, maior o estímulo ao desrespeito à lei.
Se o entrevistado tivesse se dado
ao trabalho de investigar as verdadeiras causas da morosidade do Judiciário, sem
se basear apenas nos efeitos, bem evidentes, não teria escrito afirmações tão
lesivas e “redondas” como “...o Poder Judiciário é tão corrupto quanto os
outros dois poderes”. Provavelmente, o adjetivo relaciona-se com a violação do
teto do funcionalismo, mas como a entrevista menciona outras falhas, examinarei
também outras aspectos. Não discuto, aqui, se os outros dois Poderes são ou não
corruptos, apenas esclareço algumas coisas sobre os bastidores de um Poder do
qual que fui integrante por alguns anos, quando o Judiciário era muito mais
respeitado e isso era bom para a sociedade.
É possível que o jornal tenha
convocado o entrevistado porque o corajoso periódico está ressentido — nesse ponto com razão — com a invulgar demora no
julgamento, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de um caso em que o
jornal figura como réu porque publicou reportagens criticando um filho do atual
presidente do Senado, na investigação da Polícia Federal chamada “Operação Boi
Barrica”, depois denominada “Operação Faktor”.
Como a explicação detalhada desse
caso exigiria vários parágrafos, prejudicando, pela extensão, o objetivo
principal deste artigo, cabe ponderar que se a demora excessiva daquela decisão
decorre, eventualmente, apenas da vontade do Relator do recurso — e não de outros
problemas processuais, não mencionados na imprensa — o caso corre em segredo de
justiça — conviria ao Relator proferir logo sua decisão, evitando a sempre fácil
desconfiança popular de que se trata da demora proposital de um magistrado que
se sentiu magoado por um jornal que o criticou. Risco que não pode se permitir
qualquer juiz. Quando, todos sabem, um Relator, qualquer Relator, sentindo-se ofendido,
considera-se emocionalmente impedido de proferir um voto sereno, a solução jurídica
é dar-se por suspeito, e o processo passa às mãos de outro julgador. Não se trata de fuga do dever, mas de zelo
para que justiça seja a mais límpida possível.
A solução jurídica, nesse processo
de Brasília, não parece ser de dificuldade insuperável, mormente para um
magistrado e jurista de reconhecida competência. A propósito — e a explicação
que se segue é dirigida apenas aos leigos que estejam eventualmente lendo este
texto —, na justiça não existe, por definição legal implícita, caso de “dificuldade
insuperável”, por mais insuperável que realmente seja o dilema no plano físico,
moral ou intelectual. Para todo e qualquer pedido, na justiça, existe um “sim”,
ou um “não”; jamais um “talvez”, como ocorre na Sociologia, na Filosofia, na
Política, na Religião, e em outras áreas em que a própria indefinição pode ser
a saída menos inconveniente.
De qualquer forma, mesmo que, na
pior das hipóteses, houvesse uma falta funcional de qualquer magistrado, retardando,
por mágoa, um caso — e não sei, repito, se a entrevista tem alguma relação com
a demora de julgamento de um caso —, é preciso lembrar que a Justiça Brasileira é composta de mais de 14.000
magistrados, o que torna ridícula a acusação generalizante do sociólogo
entrevistado de que “o Judiciário é tão “corrupto”, quanto os outros dois
poderes”.
Não sei quantos sociólogos,
economistas e juristas existem no País, mas em havendo centenas deles, como há,
certamente existirão entre eles algumas ovelhas negras — ou melhor, cinzas, porque
lidam com material mais fluído — capazes
de redigir teses e pareceres com conclusões direcionadas conforme o interesse
de quem os contratou. Cansei de ler pareceres de grandes juristas, todos eles
honestos, concluindo de formas opostas porque a verdade às vezes é esquiva e
varia com o tempo e as circunstâncias.
No que se refere à desonestidade profissional, quanto maior o número de
profissionais, em todas as profissões, maior a probabilidade do aparecimento de
pessoas desonestas, ou na maneira de raciocinar ou em termos financeiros. Mas
uma coisa é certa: a vasta maioria dos magistrados brasileiros deseja livrar-se,
urgentemente, dos maus colegas — principalmente os desonestos propriamente
ditos, vendedores de decisões que certamente não passarão de 0,5% do total
de profissionais — porque basta a existência de um juiz “mau caráter”
para que surjam generalizações, nem um pouco preocupadas com a verdade. Esta
nunca é “geral” quando envolve a reputação de indivíduos, seja qual for sua
profissão.
O referido sociólogo, entre outras
coisas, referiu-se, com razão, à ineficiência da justiça no item da morosidade.
Mas a culpa, no caso, é dez vezes mais da legislação processual do que dos
magistrados.
Por que os processos “não
terminam”? Porque para qualquer despacho, ou sentença, ou acórdão de tribunal,
existe, prevista na legislação processual, uma possibilidade de recurso. Ou sem
custo, ou com custo irrisório, se comparado com as vantagens auferidas pela
parte que sabe não ter razão e assim mesmo recorre. Recorre porque é vantajoso
recorrer, pois tempo é dinheiro, em sentido bem real. É melhor jogar uma dívida
para um futuro distante e incerto, do que pagá-la agora, quando os juros da
demora são ínfimos. O credor pode até findar os seus dias antes que finde o
processo. E os herdeiros do credor talvez nem mais se interessem pelo atormentador
“abacaxi judicial que contribuiu para matar nosso pai”, inclusive,
possivelmente, por estarem cansados de gastar “com um caso que nunca termina!”.
Se um juiz, ou tribunal, tentando
coibir o abuso, aplica ao litigante protelador a pena de “litigante de má-fé”
essa sanção — geralmente ridícula, de 1% do valor da causa — isso é recebido
com íntima alegria pelo protelador porque transforma-se em pretexto para novos
recursos, desta vez pretendendo revogar a injusta “mácula”.
Mesmo que o tribunal, ao julgar um
recurso, perceba que o recorrente até que foi ilegalmente beneficiado pela
decisão, ele, tribunal, não pode aumentar a pena — se no crime —, ou a
indenização — se na área cível —, porque nossa legislação não admite uma
“reformatio in pejus”, isto é, modificar, para piorar, a situação do recorrente,
a menos que haja também um recurso do credor ou do acusador: que não geralmente
não recorre quando não percebeu nada de errado na decisão. Resumindo: de uma
certa forma, “tudo é lucro”, recorrendo, com ou sem razão. Se não ganha o que pleiteia,
ganha indiretamente pelo adiamento de uma indenização ou prisão. No crime pode
ganhar tudo, porque pode ocorrer a prescrição.
Já escrevi isso mil vezes, em
muitos artigos, mas é preciso repetir mil e uma, tentando conscientizar as
pessoas certas, tarefa sempre difícil quando, paradoxalmente, o assunto é
sério.
Expressando-me de modo abrangente,
o mal maior da justiça brasileira reside na falta de dispositivos legais que
coíbam realmente o abuso na utilização dos recursos. Estes foram concebidos
como forma de correção de erros e injustiças. Não como forma habitual de lucrar,
jogando para um longínquo futuro um julgamento temido pela parte que sabe não
ter razão.
Penso que, doravante, na tramitação
de toda lei de caráter apenas processual, seria recomendável o Legislativo
ouvir — sem ser obrigado a acatar — a opinião da magistratura, expressa por uma
entidade de sua confiança. Na situação atual o juiz é a abelha sem ferrão,
obrigada a fornecer o mel das sentenças justas mas sem o ferrão que afastaria a
interferência de outros insetos com secretas intenções. Aliás, algumas leis materiais,
bem intencionadas, em qualquer assunto, são propostas, mas na tramitação,
sofrem mutações que desfiguram o objetivo inicial. Um item “esperto”, cruzado, principalmente
se mencionado não pela matéria, mas por uma letra ou dígito, pode passar
desapercebido no momento da promulgação da lei. Isso ocorrendo, o juiz terá que,
depois —, julgando um caso complicado relacionado com essa lei —, fazer uma
difícil ginástica na fundamentação de sua decisão, para evitar o triunfo da
esperteza. E nem sempre o contorcionismo judicial bem intencionado dá
resultado, porque “lei é lei!”, grita o beneficiado pela distorção legislativa.
Se alguém foi preso, mesmo com bons
fundamentos, ele pode apresentar “n” recursos de habeas corpus, tentando vencer pelo cansaço. O mesmo ocorre com os
mandados de segurança. Felizmente, ainda existe, entre os advogados, um bom
percentual que se sente incomodado com o uso desvirtuado dos recursos cíveis. Isso
porque os recursos de má-fé ocupam espaço na lista de casos aguardando
julgamento. Não há duas “filas de espera”, uma para os recursos protelatórios e
outra para os recursos visando a reparação de um erro. Judicial.
Quando, porém, alguém propõe que
essa imensa falha geral seja corrigida com, por exemplo, no cível, a obrigação
de o devedor depositar o dinheiro fixado na sentença, ou acórdão — para só
então poder recorrer —, a classe dos advogados, ou parte dela, pressiona o
Congresso para que isso não se transforme em lei. Não que o advogado seja mau
ou impatriota. Ele age assim em benefício de seus clientes, que deles exigem o
máximo de demora ou, do contrário, procuram outro advogado. E o advogado,
precisando viver e sustentar sua família, não pode se dar ao luxo de ficar
rejeitando clientes, agindo como um esfarrapado profeta pregando no deserto.
Essa facilidade para recorrer sem
risco — ignorando o conselho de Voltaire de que “a vantagem deve ser igual ao
perigo”— explica porque está “encalhado” na Justiça Federal, um crédito fiscal
total superior a um trilhão de reais, segundo informação do honrado jurista e
ex-Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em artigo do Estadão, de
02-01-2012, pág. B2 do caderno de Economia. Como o Governo tributa em excesso e
o contribuinte pode recorrer de tudo —, como quiser, sem grandes custos —, o
resultado é o “entupimento” da Justiça Federal, com enorme demora para os
processos chegarem ao fim. E com outra má-consequência, tremendamente injusta para
quem não tem nada a ver com abusos alheios: o imenso atraso no pagamento dos
precatórios, por falta de verba. Verba que está “encalhada”, como disse, nas
cobranças do Fisco, em milhares de processos.
Tente, porém, o sociólogo
entrevistado — que deve ter bons relacionamentos —, corrigir esse estado de
coisas. Lutará contra uma parede. A culpa, portanto, da vergonhosa demora da
Justiça está numa legislação viciada que até parece sincronizada para proteger
grandes devedores e abonados criminosos do colarinho branco.
Nos EUA, mero exemplo de firmeza
imitável, condenado um devedor, na Justiça Federal, a pagar quantia em dinheiro,
na primeira instância, ele só poderá apelar da decisão depositando em juízo a
quantia total da condenação — que não poderá ser levantada pelo credor antes de
terminado o processo —, o que diminui imensamente a quantidade das apelações.
Essa a explicação da morosidade, no cível, do Brasil. É uma falha do sistema,
não das pessoas. Se eu fosse um grande empresário, sentindo-me algo “saqueado”
pela tributação, ou em dificuldade financeira, provavelmente faria o mesmo.
Preferiria mais isso do que minha falência.
Na área penal, a grande e justa
crítica à Justiça está também na vasta facilidade de se recorrer de tudo, sem
qualquer prejuízo caso não obtenha sucesso. Como, segundo a Constituição, e a
lógica, enquanto houver possibilidade de algum recurso — sempre praticamente os
há —, a condenação “não transita em julgado”, essa condição — muito invocada
por banqueiros processados criminalmente — estimula o réu a retardar ao máximo
o término de seu processo, sempre invocando o princípio da “presunção de
inocência”, mesmo tendo sido condenado duas ou três vezes em instâncias
anteriores. Uma ou duas condenações anteriores, no mesmo caso, já bastariam
para afastar a inocência presumida, mas não é isso que ocorre, conforme uma
jurisprudência que se tornou pacífica porque veio de cima.
Como somente pessoas abonadas podem
se dar ao luxo de contratar hábeis e caros advogados para trabalhar junto às
instâncias superiores, isso explica porque o “rico” processado raramente vai
para a cadeia. A solução para o problema seria a lei estabelecer que,
confirmada, na apelação, a culpa do réu, este seria recolhido à prisão, embora
especial — sem o assédio perigoso da ressentida massa carcerária — aguardando o
trânsito final da decisão. Lembre-se que, mesmo na atual legislação, quando o
réu está preso, esperando julgamento, seu caso tem preferência, isto é, será
julgado mais depressa. Assim, poderia se livrar mais depressa da suspeita de
haver cometido um crime. Só que essa pressa de ser julgado é raríssima.
Quanto aos benefícios financeiros aos juízes,
mencionados na entrevista, realmente há algumas coisas dificilmente
explicáveis, no que se refere ao “teto salarial”. Auxílio-refeição e
auxílio-residência, por exemplo, é algo que realmente impressiona mal, como se
os magistrados não tivessem recurso nem para comer nem onde dormir.
No entanto, há um lado demagógico
no referido “teto”, que ignora o pesado desconto, na “boca do caixa”, de
38,5% do holerite dos magistrados, sendo
27,5% do I. Renda e 11% da contribuição previdenciária. Desconto também
excessivo para o resto da população trabalhadora.
Frise-se, porém, que, teoricamente,
diminuta parcela dos juízes estaria credenciada para recebe o valor do teto,
pago apenas aos 11 Ministros do STF. Todos os magistrados do Brasil, cerca de
14 milhões, receberiam, claro, valor inferior ao “teto”, obedecendo a
hierarquia remuneratória. Os planos de saúde, as prestações para compra da casa
própria e as mensalidades para pagamento de escolas ou Faculdades particulares
também consomem boa parte do ganho do juiz que não vem de família rica.
Penso que o teto salarial é
demagogicamente baixo, nos três Poderes, considerando os descontos. Isso estimula
pressões dos juízes para a busca de compensações remuneratórias que, concedidas
pelos tribunais, geram revolta popular porque, seja qual for a explicação
legal, o “teto foi ultrapassado!”. Cresce, então, uma cultura de revolta e
desprezo permanente contra os juízes em geral, o que pode resultar em algo bem
mais atordoante que as manifestações de rua em junho de 2013. Como os salários
da área privada são realmente muito baixos —
tenho absoluta certeza de que o ilustre sociólogo, referido no início
deste artigo, merecia ganhar muito mais — seria o caso da legislação federal reexaminar
esse “assunto enlameante”, o teto salarial.
No mês de maio último passei 15
dias visitando a Rússia e países bálticos. No grupo de turista havia um senhor,
muito educado, lido em história e formado em Direito. Fiquei sabendo que era
oficial de justiça em um estado do Nordeste. Observando seu ótimo nível
cultural perguntei-lhe se nunca pensara em se tornar juiz, mediante concurso.
Ele me respondeu: — “Para que? Só para
ganhar um pouco mais? A responsabilidade do juiz é muito grande. Como oficial
de justiça eu passo, claro, por algumas tensões no cumprimento de alguns
mandados — tirar o filho da posse de uma mãe, por exemplo — mas não sou
obrigado a levar processos para minha casa, como ocorre com o juiz. Não, não
vale a pena trocar de profissão, apenas pensando na pequena diferença de ganho
mensal”.
Não perguntei a ele, para não ser
indiscreto, quanto ele ganhava por mês mas impressionei-me com o “só para ganhar
um pouco mais?”. Não sei se a informação procede, mas um advogado paulista me
disse que nas grandes cidades do sul e do sudeste alguns oficiais de justiça
que trabalham na áreao cível chegam a ganhar mais que os juízes. Isso, porque
os advogados, com pressa de certas citações ou intimações, oferecem uma
gratificação para que tais ou quais mandados, que lhes interessam, sejam cumpridos
com urgência. Esses agrados, quando existem, estão livres de tributação.
O teto salarial tem, repito, o seu
lado demagógico. Descontados, como disse, os 38,5 % — mesmo dos já aposentados
—, mais as mensalidades dos planos de saúde, bem elevados em pessoas idosas,
sobra um quantia mensal muito inferior ao ganho mensal médio, concreto, dos
sócios de um bom escritório de advocacia. É de se presumir que quem se tornou
ministro do mais alto tribunal do país deve ter uma competência jurídica igual
ou superior à capacidade técnica média dos integrantes dos grandes escritórios.
Certamente, um grande advogado não se contentará com um ganho mensal, médio, de
cerca de treze ou quatorze mil reais, feitas todas as deduções e despesas
inevitáveis. Achará, com razão, que deve ganhar pelo menos o dobro disso.
O medíocre ganho real, efetivo, dos
magistrados — considerando os descontos e despesas inevitáveis, já mencionadas,
sem considerar os imprevistos — possivelmente estimulou alguns tribunais a
criar compensações discutíveis, que até desconheço em detalhes porque estou
aposentado há muitos anos. Mas férias e licenças-prêmio (um benefício legal
concedido a todo funcionário público, criado por lei datada de 1955, concedendo três meses de descanso a cada
cinco anos de trabalho), quando não gozadas, podem ser convertidas em dinheiro.
Quando tais “indenizações”,
plenamente legais, são pagas de uma só vez, é natural que a população — que sofre
com sua própria má remuneração —, sinta uma espécie de “susto’ cívico de indignação.
A solução, porém, para esses dois casos de indenização, férias e licença-prêmio,
seria a legislação revogar a existência das conversões em dinheiro quando não
gozadas. Ou revogar a própria existência da licença-prêmio. Duvido, porém, que
isso ocorra porque, tratando-se de um benefício geral, concedido a todos os
funcionários públicos, o prejuízo eleitoral seria imenso.
Como o Judiciário mostra-se lento —
pelas razões acima explicadas, e “o rico não vai para a cadeia”, boa parte da
população gostaria de ver os juízes vivendo mais pobremente. Se, porém, os
jurisdicionados veem seus magistrados mal vestidos, dirigindo calhambeques,
morando em casas de má conservação, comendo em restaurantes por quilo barato,
pedindo empréstimos em bancos, esse conjunto meio “decadente” faz com que a
população encare a magistratura como uma profissão em declínio. Algo que já vem
ocorrendo e aumentará, se não houver modificação na tributação fiscal ou se não
for elevado o teto salarial.
A raiva, bem justificada da população
— pelo que ela constata, sem examinar a origem do problema — contra a longa
demora dos processos e a quase impunidade dos criminosos abonados — falhas que,
como disse, decorrem de uma legislação defeituosa — acabou se direcionando contra o ganho dos magistrados.
Uma coisa, porém, é certa: se nossa justiça, corrigidas as falhas da legislação
processual, se tornasse bem mais rápida e eficaz, a população, sentindo-se mais
protegida, não se importaria caso o juiz ganhasse o dobro ou o triplo do que
ela ganha hoje. Diriam: — Eles merecem! Fazem um bom trabalho!”
Como a justiça é vítima da
má-legislação, portanto lerda e não realista, se um instituto fizesse uma
pesquisa de opinião pública — antes do surgimento de Joaquim Barbosa no cenário
do Mensalão —, perguntando ao país quanto deveriam ganhar os juízes, a opinião
majoritária diria, impregnada de rancor: — “Quanto? Nada além de dois ou três
salários-mínimos! Se tanto!”
O “teto salarial’ foi concebido
também como uma desculpa de governadores e prefeitos para não pagar salários
justos de funcionários altamente qualificados. Com essa finalidade, o “chefe” político
recebe um salário artificialmente baixo, pelo menos nominalmente. Se um,
técnico altamente qualificado, pede um aumento que o remunere pelo que realmente
vale, o prefeito ou governador responde: — “Como?! Você quer ganhar mais do que
eu?” No entanto, tanto o prefeito quanto o governador mantem um padrão de vida
muito superior ao seu minguado e artificial salário nominal, e poucos políticos
saem pobres quando deixam o poder.
Quando Celso Pitta era prefeito da
capital de S. Paulo — não votei nele —, fiquei impressionado, lendo no jornal
como era baixo seu salário bruto, cerca de seis mil reais. Como ele tinha filho
e filha estudando em Faculdades particulares, certamente seu salário de
prefeito não daria conta das suas despesas de classe média. Resultado: um
empresário rico se prontificou a ajudá-lo mensalmente, o que propiciou críticas
da imprensa. E o Pitta acabou envolvido com frangos, ou coisa parecida. A
demagogia e o faz-de-contas estimulam desmoralizações futuras.
O artigo de jornal que provocou
este artigo critica o Min. Joaquim Barbosa por haver recebido umas verbas
atrasadas que vêm sendo pagas a todos os juízes do Brasil — aqueles que estão
em atividade. Há muita gente, principalmente relacionada com o Mensalão,
querendo “fritar’ o referido magistrado, por sua severidade, fala dura e ausência
de “savoir faire”, ou “jogo-de-cintura”.
Alguns magistrados queixam-se de sua franqueza excessiva, inclusive com outros
magistrados, provocando um evidente isolamento,, embora isso agrade nosso povo,
cansado de um excesso daquilo que rotula como “salamaleques”.
Agora, se J. Barbosa passasse a recusar
ou devolver alguns acréscimos nos seus holerites — acréscimos legais, ou
regimentais, não inventados por ele — porque excederiam o teto salarial —, seu
isolamento com relação a seus colegas de Tribunal, e de toda magistratura,
seria ainda maior. Ele estaria, indiretamente — e “por demagogia”, diriam —,
acusando todos os magistrados do país de se serem gananciosos ou desonestos. E
um presidente do STF não pode ficar totalmente isolado da magistratura
nacional.
A solução para o desmoralizador
problema do teto salarial está, ou em o Governo Federal diminuir drasticamente o
imposto de renda das pessoas físicas, ou elevar o teto salarial do
funcionalismo, levando em conta a realidade do país e o status social que a
população espera encontrar em seus magistrados. Ou, melhor ainda, e digo
francamente: abolir a figura do “teto salarial”, passando a controlar os ganhos
e seus eventuais excessos de forma tópica, conforme a relevância do serviço
prestado. Lembre-se que o Executivo tem a “chave do cofre”, o poder de negar ou
conceder aumentos salariais dos funcionários. E a mídia tem como acompanhar o
que acontece nessa área. O teto salarial mostra um certo vezo de país
socialista, como acontecia na União Soviética. Não sei se os países mais
avançados têm um teto salarial explícito.
Presumo que na Rússia ninguém podia
ganhar mais do que Stálin, mas todos sabem que o temido ditador não precisava
de dinheiro algum porque era um homem de hábitos muito simples, recluso —
certamente seria assassinado se saísse sozinho em um passeio pelas ruas —,
podia tudo, e só sairia morto do Kremlin, como realmente ocorreu. Assim, para
que dinheiro? Mas os altos membros do Partido tinham cartões especiais de
racionamento.
Se, mera hipótese, o Brasil
quisesse contratar, como funcionários públicos da União, os melhores físicos do
planeta, para um grande salto na conquista espacial, ou nuclear — para fins
pacíficos —, oferecendo o atual “teto salarial” do STF, com um resíduo
“gastável” de cerca de treze ou quatorze mil reais, dificilmente seu convite
seria aceito pelas maiores cabeças dessas áreas. Um novo Einstein— sem seu
temperamento de sábio desinteressado em
dinheiro —, não aceitaria ser “funcionário” brasileiro recebendo essa
“merreca”, ganhando menos que um dentista de razoável competência.
O ilustre sociólogo que afirma, de
uma forma generalizante, que os três Poderes da República são corruptos,
deveria se lembrar — como sociólogo —, que a Imprensa é considerada o Quarto
Poder. De certo modo o mais poderoso, embora informalmente, porque “faz a
cabeça” dos cidadãos, molda opiniões, mais do que o governo, sempre um “chato
que só inventa burocracias, proibições e arranca dinheiro do povo”.
Outra vantagem da imprensa, em
comparação com os Três Poderes, é que ela não é policiada pela imprensa. Consequentemente
não é policiada por ninguém, mesmo porque é temida. Ela investiga tudo, a
fundo, menos a imprensa. Há um evidente respeito mútuo, ou companheirismo, ou
honrada cumplicidade, entre os jornais, nenhum deles bisbilhotando a vida do outro,
mesmo quando rivais na disputa do público. Esse mútuo e inviolado respeito, no
que se refere, principalmente, a obrigações tributárias, só pode ser explicado ou
pela invulgar pureza interna de todos os jornais brasileiros ou por um “acordo
de cavalheiros”, coisa bem normal em todas as atividades.
Todavia, como o ceticismo é uma
doença contagiante e malévola das mentes modernas, não seria despropositado se
os grandes jornais brasileiros solicitassem, formalmente, à Polícia Federal —
com acompanhamento do Ministério Público —, uma devassa minuciosa na própria
contabilidade, remessas de dinheiro para o exterior, etc., com isso comprovando
que se ela tudo vigia e critica é porque ela própria é impecável no manejo de
seu honrado lucro, que não deve ser pequeno. Mesmo sem solicitação externa — e
justamente por isso —, suas críticas teriam, depois de constatada a limpidez
contábil, peso dobrado. Dos “quatro” Poderes seria o único, comprovado, que
obedece religiosamente o que está nas leis tributárias e outros regramentos.
Finda a “devassa”, por ela mesma requerida, obteria um certificado que poderia,
traduzido em várias línguas, ser enviado às principais nações do planeta, onde seus
jornais nem sempre agem conforme o figurino, como se descobriu com as empresas
do australiano Rupert Murdoch.
O ilustre sociólogo entrevistado, que
estimulou, inconscientemente, o presente “desabafo” obviamente é um homem
altamente inteligente, inclusive porque formado em Física, uma ciência exata e
inacessível aos falsamente inteligentes. Talvez, lendo o que está acima, melhor
informado, veja as coisas de um modo mais completo. Falhas há, na magistratura,
todos sabem, mas generalizar suas críticas, no nível em que o fez, implica em
injustiça com milhares de bons juízes que fazem o que podem com a legislação
processual de segunda mão, com a qual hoje têm que trabalhar.
Mesmo o melhor cirurgião do mundo,
se tivesse que operar seus pacientes utilizando serrote de madeira, marreta
(como anestesia), alicate, martelo, faca de cozinha e furador de gelo, seus
pacientes — ou melhor os parentes dos pacientes, porque estes estariam mortos
ou agonizando — mostrar-se-ia furioso com os decepcionantes resultados de seus
esforços.
É o que ocorre, analogamente, com a
vasta maioria da magistratura brasileira.
Quanto à sugestão acima, de o
jornal pedir, formalmente, uma devassa na própria contabilidade, e métodos de
trabalhar, trata-se mais de uma brincadeira, mesmo porque isso nunca
aconteceria. Mas que é uma enorme vantagem não ser investigado pela impressa, isto
é. Sem alusão a revista com esse nome.
Sou assinante e leitor assíduo do Estadão,
impresso, e também da edição on-line da Folha de S. Paulo, para evitar um
excesso de papel na minha casa. Não pretendo desestimular nenhum jornal na sua
função — a principal —, de vigiar os poderes públicos e as más práticas em qualquer
setor privado. O que seria do Brasil sem a vigilância dos jornais? Geralmente a
polícia só investiga os “malfeitos” depois que um “foca” de jornal sentiu algum
cheiro suspeito.
A questão da quebra do teto
salarial se insere no quadro geral muito bem resumido pelo Min. Joaquim
Barbosa, ao dizer que muita coisa, no Brasil, funciona na base do “faz de
conta”. Sua atuação tem melhorado bastante a imagem da Justiça Brasileira. Se a
implicância jornalística contra os magistrados continuar, logo, logo o nível
intelectual dos jovens que procuram ingressar na magistratura sofrerá um grande
declínio porque os bacharéis mais talentosos procurarão empregos menos
difamados pelos jornais.
É um pouco lenda a ideia de que
todo juiz busca a carreira porque sua meta sempre foi a de ser apenas juiz. A
boa remuneração, a estabilidade e a boa imagem influem na escolha e selecionam
os mais capacitados na área jurídica.
Trinta por cento dos magistrados
“está’ juiz porque formou-se em Direito, precisava um ganha-pão honesto, bem
remunerado e não lhe agradava a perspectiva de, como advogado, correr atrás de
uma clientela que, por vezes, lhe pede coisas moralmente incômodas. Tanto assim
que é comum o jovem advogado prestar concursos tanto para a Promotoria quanto
para a Magistratura e para a profissão de Advogado do Estado. Mesmo a “vocação
para advogado” também não é uni-direcionada, o que se constata no quinto
constitucional dos tribunais, compostos de advogados e promotores que se saem
muito bem, esquecidos da “vocação” anterior.
Sei que serei atacado pelo que escrevi,
mas, como dizia o “sábio” Vicente Mateus, “quem entra na chuva é pra se
queimar”. Sinto um cheiro de churrasco,
mas deve vir da casa vizinha.
(31-07-2013)
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