sábado, 27 de outubro de 2012

O Min.Joaquim Barbosa está correto no diagnóstico


 O Min. Joaquim Barbosa está correto no diagnóstico

O jornal “Estado de S. Paulo”, de 26-10-12, publicou reportagem dizendo que colegas do Min. Joaquim Barbosa questionam sua atuação no plenário do STF. Apenas quanto a isso — comportamento  no plenário — concordo com a crítica, porque o procedimento tático recomendável, usual nos países cultos em julgamentos coletivos, é cada juiz, na sessão de julgamento, proferir seu voto e ouvir depois, pacientemente, com rosto impassível, o voto dos demais julgadores — mesmo considerando totalmente errado o que ouviu .

Tolera-se, no máximo, para não ferir suscetibilidades, que um magistrado, não “aguentando”, eventualmente, uma opinião que lhe pareça absurda — ou fruto de mero erro material —, alerte os colegas a existência alguma decisão contrária do próprio tribunal; ou lembre, por exemplo, a edição de uma nova lei que tenha substituído aquela em que se apoiou o colega. Seja qual for a opinião divergente, é necessário que a crítica seja a menos pessoal possível, evitando qualquer impressão de que o magistrado que votou o contrário “errou redondamente!”, ou “é incoerente!”.  O crítico, nessa situação, deve deixar subentendido que não “censura” a opinião do colega. Argumentará que “talvez” — palavra que funciona como algodão entre cristais — a Justiça deva valorizar mais tal princípio que outro, ou que, globalmente, a solução “x” será mais benéfica à comunidade, que a solução “y”. O ataque será sempre contra uma tese,  contra um raciocínio, não contra a pessoa que sustenta essa tese.

 Dá um certo trabalho, claro, conciliar sua opinião de julgador com um certo fraseado diplomático que preserve o amor-próprio dos colegas, mas essa cautela funciona como óleo em uma engrenagem.  Um ditado antigo e meio grosseiro diz que não é com vinagre que se atraem moscas. A grosseria está na escolha do inseto. Melhor seria mencionar mel e abelha. E com esta observação, de preservar sempre o amor-próprio dos colegas, não me refiro a elogios extensos e pomposos às qualidades dos demais julgadores, mas a preocupação de criticar apenas uma determinada conclusão. Sem esse cuidado surgem os ressentimentos, que geram perda de tempo, necessidade de “dar o troco” e outros empecilhos de decisões não contaminadas pela emoção, não só naquele dia como também em decisões futuras. Uma jurisprudência menos certa pode ser formalizada como resultado em uma pitada de ressentimento.

Se a crítica equivaler a um “Vossa Excelência está errado!”, não há que se estranhar uma resposta belicosa, natural em todo ser humano, seja ou não juiz. Se, por causa do amor próprio, já é difícil mudar a opinião de alguém — pessoas casadas sabem disso... —, será quase impossível conseguir tal coisa mediante censura, quase uma “repreensão” ou “chamada” na frente dos outros. Notadamente quando milhões de pessoas assistem o julgamento pela televisão. Se, depois de um “pito”, ouvido por milhões de pessoas, um julgador voltar atrás, ele sabe que ficará desmoralizado. E ninguém, com um mínimo de brios, aceitará esse rebaixamento. Mesmo que, eventualmente, no fundo de sua alma, ele venha, a reconhecer que estava errado, o medo da desmoralização — medo perfeitamente humano —, ele não voltará atrás, pelo menos de imediato.

Nesse ponto, a crítica dos colegas do combativo Min. Barbosa, ouvida pelo repórter Felipe Recondo, tem procedência. Enfim, a restrição procede apenas no item “estilo verbal”, que pode ser modificado — paulatinamente, para não parecer falta de personalidade. O Min. Barbosa sabe disso porque é um homem perspicaz, corajoso e de grande cultura. Constatará, na Presidência do STF, que nessa alta função pública, não basta o preparo e a coragem. É necessário incluir o “tempero” da cordialidade, concomitante com a firmeza, como demonstrou o Min. Ayres Britto na sua presidência.  Espero, com quase certeza, que o Min. Joaquim Barbosa terminará sua carreira estimado e respeitado por todos — ou quase todos os seus colegas —, como ocorreu com o Min. Celso de Mello, que sempre policiou suas palavras e parece ter a unanimidade do respeito de seus pares. E também dos “ímpares”, os profissionais do direito de todo o país.

Confesso que foi uma surpresa, para mim, a aprovação unânime —  houve um voto contra, mas certamente dele mesmo — de Joaquim Barbosa para a presidência do STF, não obstante alguns atritos verbais bastante ácidos. Prova de que os ministros sabem distinguir o que é mais, ou menos, importante em um julgador e também, sabiamente, levaram em conta o alto grau de aprovação da população brasileira a uma jurisprudência mais enérgica, liderada pelo referido Ministro. A eleição dele seguiu a tradição, mas esta poderia ter sido quebrada.

Encerrada a restrição acima, o Min. Joaquim Barbosa está com toda a razão na substância, ao dizer que o maior problema da justiça brasileira — a morosidade —, tem sua origem na nossa legislação ineficaz, principalmente a processual. J. Barbosa teria dito, segundo a reportagem, que compete ao Legislativo, não ao Judiciário, solucionar nossa principal falha: a demora no término das demandas, tanto cíveis quanto criminais.

O Min. Barbosa, não deu qualquer “tiro no pé”, como teria dito, em “off”, ao repórter, um dos críticos. Nem seria “autofágica” sua opinião. Mesmo porque Joaquim Barbosa menciona que a culpa nas nossas falhas estaria em outro Poder, não nos juízes, tornando impertinente o prefixo “auto” do termo mencionado. E argumentar , um seu colega, que a justiça americana está errada porque seus presídios estão “cheios de negros e hispânicos” revela uma incompleta compreensão do conhecido liame entre pobreza e criminalidade. Pessoas brancas, ricas ou vivendo bem, não “precisam” praticar assaltos, sequestros, tráfico de drogas e outras violências que assustam a população. Em toda parte isso é esperável. Os presídios estão muito mais cheios de pobres do que de ricos. Negros e hispânicos são mais tentados e talvez “empurrados” para a criminalidade. A justiça americana tem também suas falhas, mas não as ouvidas pelo repórter que transcreve algumas críticas contra o Min. J. Barbosa. E não parece sensato que ministros do STF fiquem criticando colegas usando repórteres, sugerindo um ambiente de fofocas.

Vejamos se Sua Excelência tem razão. Adianto que a tem. Pelo menos em um percentual de, digamos, 97%. Os 3% restantes de falhas podem vir do Judiciário inteiro, composto, no Brasil, por cerca de 15.000 magistrados. Em qualquer agrupamento humano com essa dimensão é praticamente inevitável que haja uma pequena  fração de pessoas ou preguiçosas ou desonestas. Mas se a legislação punitiva for frouxa, essa fração, estimulada pela previsível impunidade, estimulará os desvios funcionais. Quando um talentoso jovem advogado ingressa na magistratura ele não deixa para trás — como fazem, mal comparando, as cobras com sua pele — sua natureza humana, uma mescla de santo e animal. Ele, no íntimo, continuará sendo o que sempre foi, apenas com mais prudência e cálculo. Examinemos, inicialmente, a morosidade na área cível, isto é (para os leigos), na área não penal.

Por que as ações cíveis podem demorar tantos anos para terminar? Porque nossa legislação permite, sem restrições significativas, o uso e abuso dos recursos protelatórios. Quem perde um processo na 1ª. Instância e prefere retardar ao máximo a “desagradável” tarefa de, por exemplo, pagar o que deve, ou devolver um bem que não é seu, pode dizer a seu advogado:  —“Doutor Fulano: não posso, ou não me convém, neste momento, cumprir a sentença, apesar de certa. Por favor, “enrole” essa causa ao máximo. Recorra de tudo: de sentenças, de despachos, de acórdãos, o que puder e permitir a legislação”.

Qualquer advogado que viva da profissão, mesmo sabendo que a sentença está correta, vê-se num dilema: — “Se eu não atender ao pedido de meu cliente vou perdê-lo. Se não apelar, ele se queixará na OAB de que fui omisso. Perderei o cliente e talvez seja réu em ação indenizatória, movida por ele. E se eu disser — dentro do prazo do recurso —, que não vou recorrer porque perderemos novamente, meu cliente procurará outro advogado, que prontamente apresentará um recurso, inventando qualquer coisa de errado na decisão. Serei punido, financeira e profissionalmente, por seguir à risca a lenda, ou fábula, contida na legislação processual.  Esta diz que é dever dos advogados  “expor os fatos em juízo conforme a verdade”, “proceder com lealdade e boa-fé”, “não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento”, e outras “santas, puras” proibições contidas no art. 14 do Código de Processo Civil. Esse não é o panorama da vida real.  Funcionaria, talvez, em um convento, com frades não necessitados de ganhar a vida.

Digamos que o advogado seja um tributarista. Seus clientes, revoltados — com razão — com a carga fiscal excessiva e a legislação tumultuada, o procuram para, ou invalidar o crédito tributário, ou retardar ao máximo a cobrança judicial. Por que os contribuintes fazem isso? Porque são homens de negócio, acostumados a tomar decisões olhando apenas o ângulo custo/benefício. Se o “esticamento” judicial não der cadeia — e não dá, porque os recursos judiciais estão previstos em lei —, por que — ele se pergunta —, pagar já o que pode ser pago daqui a dez anos, tentando, e talvez conseguindo, com engenho e arte, levar o processo até o STF?

Muitos devedores tributários preferem ser cobrados judicialmente porque, deixando de pagar determinados tributos, podem usar o dinheiro melhorando e aumentando seu próprio negócio. Com isso poderão derrotar seus concorrentes — os bobocas certinhos — porque, claro, não desembolsando o dinheiro do imposto, venderão seus produtos por um preço mais barato.  Obviamente, esse “esticamento” judicial, via recursos protelatórios, tem um custo, mas pequeno, compensador: a remuneração do seu advogado, que geralmente não é excessiva, porque se o fosse, o advogado perderia o cliente, e a concorrência profissional é grande. Quanto aos juros da dívida em juízo, eles são várias vezes inferiores aos juros bancários.

Nenhum devedor tributário, em estado de lucidez, vai pedir dinheiro a um banco para pagar impostos atrasados. Vale mais a pena protelar em juízo. Além do mais, para que a pressa? O Fisco, meio desesperado com o emperramento proposital — aos milhares — das cobranças judiciais, acaba criando alguns REFIS , que permitem o pagamento do débito tributário em pequenas gotas mensais. “É melhor pingar do que secar”, pensa o governo. A culpa, nisso tudo, não é do Judiciário. Nenhum juiz, ou tribunal, pode recusar o recebimento de uma apelação, ou outro recurso, sob o fundamento de que é protelatório.  E quando reconhece a protelação, em um acórdão, sabe  o leitor, quando leigo, qual é a multa? É “não excedente de 1% sobre o valor da causa”, geralmente mencionada por baixo na petição inicial (art.18 do CPC). Diz ainda, referido artigo, que a parte prejudicada com o recurso protelatório pode pretender  uma indenização maior mas terá que comprovar os prejuízos que sofreu; algo muito complicado, demorado e sujeito a novos recursos.

Everardo Maciel, um respeitadíssimo conhecedor do nosso sistema tributário, em artigo do “Estadão” de 02-01-12, pág. B-2, disse que, na data do artigo, “os débitos inscritos na Dívida Ativa da União ultrapassam a espantosa soma de R$1 trilhão”. É isso mesmo, um trilhão de reais. Tudo isso porque nossa legislação processual permite — até indiretamente incentiva —, o uso inconsequente dos recursos. Se metade dessa dívida — 500 bilhões de real — fosse paga de imediato, presumo que todos os precatórios do país — federais, estaduais e talvez municipais — estariam pagos. E a população, mal informada, culpa o Judiciário por uma falha que é oriunda da lei, não dos juízes.

 Tentei mudar isso com a redação de um anteprojeto apresentado pelo saudoso Dep. Ricardo Izar — Projeto de lei n. 2.927/97 —, mas alguns deputados, sem personalidade, na CCJ da Câmara, inventaram que a proposta era “inconstitucional”. E o que dizia, essencialmente, minha proposta? Dizia que em todo recurso cível, julgado totalmente improcedente, o recorrente, vencido no recurso, teria que pagar novos honorários ao advogado da parte contrária (nova sucumbência, recursal), a menos  que o órgão julgador do recurso reconhecesse que, naquele caso, o processo merecia mesmo um reexame tendo em vista a complexidade de fato ou de direito. Em suma, se o recorrente “perdesse” o recurso mas estivesse de boa-fé, não teria que pagar novos honorários.  Minha intenção era a de forçar o vencido numa decisão a só recorrer quando sentisse  que sofrera uma injustiça. Afinal, essa é a finalidade essencial de qualquer recurso judicial: corrigir um erro, e não simplesmente lucrar com a demora. E são aos milhares, ou milhões os que se utilizam da justiça apenas para ganhar tempo.

Como este artigo já está muito longo, explico, em breves palavras, o que ocorre de errado na área penal: as fianças são ridículas; a menoridade penal já não está mais de acordo com o grau de discernimento do jovem de hoje; a “presunção de inocência” é mirabolantemente exagerada, no seu sentido prático, eficaz. Um réu condenado, sucessivamente, na primeira instância, no tribunal de apelação e no Superior Tribunal de Justiça não pode ser visto como “presumivelmente” inocente — a presunção é de que é culpado —, podendo, portanto, fugir antes da decisão final  porque não estará preso preventivamente. E mesmo essa decisão final não é tão “final” assim, porque existe, sem limites quantitativos, no Regimento Interno do STF, a possibilidade de “embargos de declaração”.

Houve já um caso em que o referido Tribunal teve que usar uma ilegalidade para terminar um processo. Proferido o acórdão “final”, a parte perdedora — não me lembro se a causa era cível ou penal, mas a crítica vale para ambas as hipóteses — apresentava sucessivos embargos declaratórios. Para cada acórdão, novos embargos. Depois de vários embargos, julgados improcedentes, o Tribunal viu-se forçado a ordenar à sua Secretaria que não mais recebesse tais petições. Não houvesse essa “ética ilegalidade judicial”, quem sabe a decisão do STF nunca transitasse em julgado. Estaria hoje julgando o 200º Embargo Declaratório,  enquanto o perdedor da causa — agora gargalhando  com voz fraca, em razão da idade avançada —, explicaria como é fácil iludir a justiça brasileira.

Alega-se, frequentemente, que o Poder Público, quando réu, recorre de tudo, , agravando o congestionamento da Justiça. Se isso ocorre é porque “dá o troco”, porque seus devedores fazem o mesmo. E basta lembrar a cifra, já mencionada, de mais de um trilhão de reais, cobrados somente na esfera federal.

Encerrando, o Min. Joaquim Barbosa está certíssimo ao diagnosticar que a morosidade da Justiça Brasileira só poderá ser corrigida com uma enérgica reforma legislativa processual. 

(26-10-2012)

 

 

 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Governos. Alzheimer, câncer de mama e próstata


Governos. Alzheimer, câncer de mama e próstata.

Vez por outra informa-nos a mídia, notadamente na internet, que é espantosa  a diferença na incidência do câncer de mama e de próstata entre a população chinesa e a ocidental. Uma das notícias mais recente informava que o câncer de mama, nas mulheres chinesas — não é dispensável mencionar o sexo porque essa forma de câncer também ataca os homens, embora mais raramente — é de 1 caso entre 100.000. No Reino Unido a incidência é de 1 caso  para cada 10 mulheres ali residentes. Repito: entre cada dez inglesas, uma terá câncer de mama.

Seria essa abissal diferença explicada por algum fator genético? Difícil acreditar, sem uma pesquisa severa. Há, porém, boa “pista” fornecida por uma diferença na alimentação. Friso que se trata de mera intuição: chineses adultos não gostam e não consomem leite e seus derivados.

Outra tremenda diferença de incidência de câncer — agora entre os homens chineses e brancos ocidentais — está no câncer de próstata, essa metralhadora biológica que elimina políticos e empresários com inquietante frequência. Trata-se de um tipo de câncer especialmente temido porque quando é detectado, sem exames (desagradáveis) de rotina, geralmente é de difícil cura. Dizem os médicos que com o avanço silencioso do tumor, quando constatada sua existência já ocorreu metástase, geralmente para os ossos, ocasionando dores atrozes e morte. Na China, a incidência dessa moléstia masculina é na diminuta proporção de 1/20.000 casos, enquanto que, na Inglaterra, a incidência é 70 vezes maior.

Cada vez mais os governos se preocupam com a saúde pública. Não só por sensibilidade, solidariedade com o sofrimento de sua população, como também por razões econômicas. As despesas para tratamento de cancerosos são especialmente caras e há limites financeiros para atender a milhares de doentes que buscam, em hospitais públicos, uma problemática cura para males que são verdadeiros pelotões de fuzilamento, sem dia marcado para o disparo fatal. Males que poderiam ser evitados se fosse localizada  a causa de tamanhas diferenças estatísticas.
 
Pergunta-se: caso os números acima mencionados, ou assemelhados, venham de fontes confiáveis, como acredito, não seria necessário ou — pelo menos altamente recomendável  — que os governos ocidentais constituíssem grupos de trabalho, altamente qualificados, para estudar hábitos alimentares com o mesmo zelo estatístico com que descobriram a relação entre o fumo e várias formas de câncer, notadamente do pulmão? Somente a estatística pôde demonstrar que o longo hábito de fumar tinha uma relação direta, de causa e efeito, entre a nicotina e algumas formas de câncer. Casos individuais não são decisivos. Um homem pode fumar por vários anos e morrer aos oitenta anos de doenças não necessariamente relacionadas com o fumo. E um homem que nunca fumou pode, presumo, morrer de câncer do pulmão.

Uma primeira possível “dica” teórica para explicar a causa da pouca incidência, na China, de câncer da mama e da próstata, estaria talvez — como já disse — no hábito chinês de não consumir leite, nem queijos, na idade adulta. Nem os homens nem as mulheres. Há décadas fui informado de que o chinês não tolera queijos.  A notícia me marcou, particularmente, porque sou um quase viciado no consumo de queijos, e quanto mais salgados, melhor. Esse, para mim, estranhável informe acabou se conectando com uma ideia que parecia dizer algo que deve ter algum significado importante: o homem  é o único mamífero que bebe leite depois do desmame. Se o chinês está praticamente livre desses dois tipos de câncer, não estaria aí a explicação para a diferença estatística que tanto o beneficia? E não adianta apenas “desconfiar”, é preciso provar.

Talvez no plano da natureza não haja “previsão biológica” de marmanjos bebendo um líquido que, pela natural das coisas, seria destinado apenas ao consumo de bebês. O leite de vaca seria normalmente consumido apenas pelos bezerros, não houvesse uma distorção criada pelo homem. Se este precisa de cálcio na formação dos ossos, certamente poderia obtê-lo de outras fontes. Leões, elefantes, rinocerontes e hipopótamos, ursos, cães e demais mamíferos me parecem suficientemente calcificados, não obstante tenham ingerido leite materno apenas no início do crescimento.

Quem sabe, se a humanidade deixasse só para as criancinhas e adolescentes o consumo de leite, a população ocidental, tanto masculina quanto feminina, passaria a sofre muito raramente dos dois tipos de câncer acima mencionados.

Alguém dirá que pesquisa estatística pode perfeitamente ser realizada por cientistas particulares, não havendo necessidade do governo se meter nisso. A possível objeção não teria procedência. Primeiro porque se — se! — o leite e seus derivados causam, comprovadamente, uma grande incidência desses dois tipos de câncer, isso ocorre em um prazo muito longo. Algo assim como o dano causado pelo cigarro. Mais de um século foi necessário para se concluir que o fumo é prejudicial. Um cientista, em busca dessa prova de conexão com o leite, precisaria efetuar um gasto pessoal enorme fazendo acompanhamento dos hábitos de consumo, isolando suas “cobaias humanas”: um grupo consumindo leite e seus derivados e outro grupo se abstendo desse alimento, por longo período. Somente um cientista milionário — ave rara... — teria fôlego financeiro para tanto, sem nenhuma recompensa por tanta persistência, a não ser alguns elogios pela descoberta, seja ela qual for.

Grandes laboratórios farmacêuticos teriam interesse nessa pesquisa?  Não. Pelo contrário. A finalidade normal da indústria farmacêutica está em descobrir remédios e vacinas para as doenças. Se, de fato, o leite e seus derivados estimulam, no longo prazo, o surgimento do câncer de mama e próstata — afastando os adultos desse consumo —, a indústria farmacêutica sofreria um enorme prejuízo porque haveria muito poucos doentes para tratar.

Somente o governo, com sua enorme despesa cuidando desse tipo de câncer, teria interesse real em ver comprovado o eventual liame entre leite e as doenças acima mencionadas. Havendo tal liame, claramente comprovado, a população, sabendo de um risco que hoje desconhece, passaria a consumir muito menos leite e seus derivados, com grande prejuízo para a indústria e comércio de laticínios. Para evitar essa gravosa consequência, um governo moralmente idôneo teria que, talvez, subsidiar, por algum tempo, tais indústrias, dando a elas um prazo para se adaptar à novas atividades. Esse gasto governamental com o subsídio seria reposto depois com a substancial redução da despesa com a saúde pública. Isso, sem mencionarmos o lado moralmente elogiável da diminuição do sofrimento dos cidadãos, homens e mulheres.

Um outro item médico que aconselharia uma investigação de iniciativa governamental seria o Mal de Alzheimer. Essa doença assusta mais aqueles que exercem atividade mental e precisam manter lucidez normal, compatível com sua idade. Tais pessoas veem, com horror, a progressiva perda da memória de fatos recentes, seguida de alucinações e finalmente a amnésia total, com perda humilhante de controle das funções corporais.  Muitos prefeririam morrer antes de sentirem a destruição de suas mentes, transformando-se em mortos-vivos, dependente de assistência contínua de familiares ou enfermeiros, com grande ônus financeiro.

Uma possível “pista” — insisto no “possível” — para a prevenção dessa humilhante doença está em uma frase que li em entrevista ou artigo de um médico gerontologista, cujo nome não guardei porque, à época, eu não tinha motivos para guardar.  Dizia esse médico que constatara, entre seus clientes — e o mesmo fora confirmado por seus colegas de especialidade — que o Alzheimer raramente atacava os idosos que sofriam de diabetes e de colesterol alto “mas que se tratavam”. Esta frase, colocada entre aspas, pode talvez propiciar um gigantesco passo inicial para a prevenção dessa doença. Por que?

Porque ela autoriza o seguinte raciocínio dedutivo: o que faz de diferente um diabético, “que se trata”, em comparação com o diabético “que não se trata”? Evita o açúcar e o excesso de carboidratos. E o que faz o cidadão que tem colesterol alto “e que se trata”? Ele restringe fortemente a ingestão de alimentos gordurosos e, geralmente, toma remédio que reduz  o nível de colesterol. Talvez o médico a que me referi utilizasse a sinvastatina — muito receitada pelos médicos, nesses casos. Teria essa substância química, a sinvastatina, algum bom efeito colateral na prevenção do Alzheimer? Ou o mérito da prevenção estaria apenas na diminuição da gordura no sangue, com ou sem ingestão de remédio?

Investigações médicas costumam ser eficientes, mas exigem paciência institucional. Lembro-me de um caso, ocorrido no Norte da África logo após o término da 2ª Guerra Mundial. Não me recordo exatamente em qual país (Marrocos, Algéria?).  O caso foi assim: em um determinado momento, em 1945, surgiu, de repente, nesse país, uma “estranha” doença. O doente se deitava, à noite, bom de saúde e ao acordar, no dia seguinte, não conseguia se levantar da cama. Seus nervos estavam inutilizados.  Chamados os médicos, estes não conseguiam identificar que doença era aquela. Salvo engano, o paciente continuava lúcido, apenas os músculos não obedeciam a seu comando. Dezenas ou centenas de pessoas foram afetadas, uma espécie de praga rápida, e nenhum médico ou cientista conseguia descobrir qual o nome daquela súbita moléstia para um posterior tratamento.

Convocadas as autoridades sanitárias, estas tentaram obter uma pista qualquer que explicasse o que acontecia. Estaria o problema na comida, na bebida, na água potável? A pesquisa demonstrou que os “doentes” eram sempre, sempre, os mais pobres. Inquiridos os doentes e seus familiares, os investigadores descobriram que as famílias de tais pacientes haviam comprado, pouco antes da grande “paralisia”, um tipo de “azeite” bem barato, vendido aos litros, de modo improvisado. Para resumir a charada: esse “azeite” era nada menos que óleo destinado a lubrificar metralhadoras, guardado em tonéis que foram abandonados com o término da guerra. Certamente, quem abandonou esses barris não previu que seriam depois vendidos, por pessoas inescrupulosas, como se fossem azeite para a alimentação. E os consumidores, pelo que sei, não recuperaram mais seus movimentos.

Não sei o que aconteceu depois da descoberta da fraude. A notícia esclarecia que o dano era irreversível porque a substância tóxica aderia aos nervos de forma permanente. Não havia como trocar os nervos dos doentes. Provavelmente, o governo indenizou, de alguma forma, tais doentes, embora a culpa governamental fosse remota, porque não há como impedir que  pessoas desonestas vendam óleo de metralhadora como se fosse um óleo comestível.

As sugestões mencionadas neste artigo talvez impressionem desagradavelmente alguns médicos, considerando que seu autor não estudou medicina.  Mas sem razão, porque, qualquer cidadão tem o direito de opinar e sugerir caminhos a seus legisladores.  A liberdade de pensamento e sua transmissão permitem que as pessoas se informem sobre qualquer assunto. Um grande advogado tributarista brasileiro, discorrendo sobre o complexo problema da Reforma Fiscal no Brasil, disse, certa vez, en passant,  que um dos maiores — se não o mais categorizado — conhecedor da questão tributária era um médico. Estranho, não? Mas nada impossível. Principalmente nos dias de hoje, com o conhecimento, até mesmo acadêmico, disponível gratuitamente, na internet. Médicos opinam — muito bem — sobre a Justiça, e tudo o mais.

Sabe, o leitor, porque externei minhas sugestões de pesquisa? Porque não li — pelo menos em jornais ou na internet —, alguém, médico ou não, propondo o que se lê acima. Espero que minha intuição esteja errada porque, estando certa, eu terei que diminuir, fortemente, meu velho e gordo amigo: o queijo.

(24-10-2012)