terça-feira, 6 de setembro de 2011

“Dízimo” partidário e CPMF com redução do I. Renda

A conexão entre os assuntos acima mencionados não é perceptível de imediato, mas existe. Quanto maior a despesa estatal com a contratação de funcionários, maior o vazio de caixa e a necessidade de aumento de tributos, principalmente para financiar gastos com a saúde pública. Aí encaixa-se o tema CPMF, na sua nova denominação. Considerando, porém, que a nossa carga fiscal já é excessiva — com baixo retorno —, um novo “imposto do cheque” só seria tolerável se complementado com uma simultânea redução do Imposto de Renda da pessoa física cuja alíquota, a meu ver, é desproporcionalmente pesada. No momento, quem ganha, mensalmente, acima de R$3.911,63, paga 27,5% de I., Renda. Se for funcionário público , a esse desconto soma-se 11%, para fins de aposentadoria. 38,5% de tributos diretos, descontados na fonte, não é um percentual justo, principalmente para quem ganha apenas R$3.911,63, ou pouco mais. Daí a compreensível ojeriza a qualquer perspectiva de criação de novo tributo.

Na verdade, a extinta CPMF era boa, mas por motivo diferente daquele oficialmente mencionado ( saúde pública): alcançava pessoas e firmas com bom ganho, teoricamente tributável, mas que, graças a manobras espertas — inclusive contábeis —, escapavam da tributação. O vasto mundo do negócio informal, ou parte formal e parte informal. O governo federal, não conseguindo recolher sua parte da riqueza nacional (finalidade dos tributos), na renda dos mais “espertos”, compensava o “prejuízo” cobrando pesado dos indefesos assalariados porque — bons cidadãos ou rangendo os dentes — eles não têm como sonegar. Com o “imposto do cheque” (e do cartão de crédito) restabelece-se a justiça fiscal. Todos pagam — e assim todos pagam menos. Imaginar que negociantes passarão a carregar imensas somas em malas, sacolas e nos bolsos é desconhecer a ferocidade dos assaltantes.

Vamos agora aos “dízimos” do título.

Não há como negar que autoridades em alta posição, necessitando de assessor, prefiram escolhê-lo livremente, não só por razões de competência como também por confiar nele, seu amigo, parente ou conhecido. Daí a legislação brasileira, e a dos países em geral, permitir que chefes do executivo, ministros de estado, magistrados das instâncias superiores e autoridades assemelhadas escolham, elas mesmas, as pessoas que lhe pareçam adequadas para cumprir e fazer cumprir suas determinações. Nada a censurar no bom uso da livre contratação.

Ocorre que em nosso país não há, pelo que sei, limites legais, quantitativos, para a criação de Ministérios, cargos em comissão ou de confiança, o que permite aquilo que no Brasil passou a se chamar de “inchaço” e “aparelhamento do Estado”. Quais as más consequências dessa ausência de limites na criação de cargos, sem exigência de concurso?

São duas. Uma, financeira: aumento desmesurado de despesas com o funcionalismo, desviando recursos que seriam melhor utilizados na construção de obras públicas e serviços de obrigação estatal. Outra conseqüência é política: facilita a perpetuação, no poder, de determinados políticos. Explico: os funcionários livremente nomeados transformam-se em “financiadores forçados” — via “dízimo” — dos partidos que os beneficiaram com a contratação. Além disso, tais nomeados se transformam em ativos “cabos eleitorais gratuitos”. Forçados e de graça. Isso porque tais funcionários se desdobrarão, antes das eleições, para que seus protetores sejam reeleitos. Se não o forem, poderão perder o emprego, não garantido porque não conquistado através de concurso público.

Realmente, como disse, há muita vantagem, por parte dos partidos, em, abusivamente, criar cargos desnecessários, que serão preenchidos com critério político. Os nomeados, em troca do favor, comprometem-se a contribuir mensalmente com um percentual de seu ganho que varia entre 2% e 20% , destinado à sustentação do partido.

Essa dupla vantagem — na manutenção do partido e na disponibilidade, sem gastos, de funcionários agindo futuramente como cabos eleitorais — explica o grande empenho de partidos de sustentação dos governos em obter cargos e ministérios, criados com imensa desinibição da gastança. Já foi dito que se alguém, em Brasília, entrar em qualquer saguão de edifício e disser em voz alta “Ministro!”, metade dos presentes se volta, pensando estar sendo chamado. Quanto mais ministérios, mais gente, mais “money’ para financiar o partido e, como disse, trabalhar gratuitamente como cabo eleitoral no momento eleitoral.

Um interessado na manutenção do ‘status quo” pode objetar: — “Todo cidadão não tem o direito, democrático, de contribuir financeiramente para o partido político de sua preferência? Tem, em abstrato. Não, porém, no caso concreto. A liberdade é um direito humano em abstrato, o que não impede a existência concreta de cadeias.

A contribuição do “dízimo” não poderia ser imposta, forçada, como é o presumível caso — bem presumível... — de alguém que consegue ser nomeado de favor, com a condição de contribuir com um percentual de seu salário para a manutenção do partido que o favoreceu. O “dízimo” é uma espécie de “taxa de ingresso e manutenção”. Uma variante burocrática da compra e venda, com pagamento futuro: — “Eu te nomeio”, subentende o político, “com a condição de você destinar parte do salário para mim, digo, para nosso partido. Se você não fizer as contribuições, poderá perder o emprego, que é sem garantia”. É claro que o recém-nomeado assumirá tal compromisso, mesmo rosnando, futuramente, contra essa pegajosa obrigação.

Como solucionar esse problema? Somente com uma lei que, primeiro, estabeleça um teto para a criação de cargos com dispensa de concurso público. Segundo, proibindo que servidores, nomeados sem concurso, contribuam para partidos políticos, qualquer partido, sob pena de demissão. Alguém dirá que a lei será contornada, com contribuições feitas de forma escondida. O risco, porém, para o funcionário, de ser descoberto, com isso perdendo o empreso, diminuirá sensivelmente essa forma indireta de “venda de cargos públicos”, em que é comprador o funcionário e vendedor o partido que lhe forneceu o posto. Obviamente, se o funcionário conseguiu o cargo por concurso, aí estará livre para contribuir a favor de qualquer partido porque sua decisão foi presumivelmente espontânea, garantido que está pelo estatuto de funcionário a que está sujeito. Sua vontade é considerada livre.

Voltemos, agora, para a hipótese, provável, de uma nova versão da CPMF. Ela não seria tão odiada se “casada” com a redução simultânea — ou quase... — na alíquota do I. Renda. Obviamente, não cabe aqui qualquer sugestão específica para que as alíquotas, tanto da CPMF quanto do I. Renda, sejam fixadas em “x” ou “y”. Somente o Ministério da Fazenda e economistas de confiança da oposição poderão, após estudos, dizer que, fixado em “z” o percentual da futura CPMF, a alíquota do R. Renda poderá ser reduzida em “x” por cento. O “casamento” das alíquotas será feito de modo tal que aumente a arrecadação — para fins gerais ou somente para a saúde — com a concomitante diminuição do I. Renda.

Li em jornais sérios que com o desaparecimento da CPMF a União deixou de arrecadar 42 bilhões de reais. Imagine-se qual seria a arrecadação se a nova CPMF fosse de 0,5% ou mesmo 1%. O I. Renda poderia, talvez, ser fortemente reduzido.

O “imposto do cheque” (abrangendo o cartão de crédito) tem a grande vantagem de garantir que o dinheiro vá direto ao tesouro nacional. Além disso, é um tributo “virtuoso”, isso é, preserva a virtude dos funcionários em cujas mãos passa a verba antes dela chegar no caixa do governo. É um tributo praticamente indesviável.

Finalmente, um outro assunto, conexo e deixado para o fim desta dissertação porque considerado utópico: seria ideal que, em toda sociedade humana, só existisse um tributo, com razão denominado de “imposto único”. Já imaginou, o leitor, um só tributo que cobrisse todas as despesas governamentais, de união, estados e municípios? Nada de preencher inúmeras guias, atentos aos variados prazos, e outras desgastantes formalidades. Seria um pedaço do céu na terra. Esse nobre e difícil objetivo talvez seja presenciado pelos nossos futuros bisnetos porque a simplificação tem sido a tendência de toda tecnologia.

Como, porém, tão cedo a humanidade — e fiquemos, agora, com o Brasil — não conseguirá o milagre organizacional do “imposto único”, uma variante brasileira da CPMF poderá ser um instrutivo experimento, um ensaio, um “ovo” desse imposto. Mesmo porque nenhum governo federal, em seu juízo perfeito, ousará instituir esse novo imposto geral, único, cancelando abruptamente os tributos já existentes. Seria um passo no escuro e à beira de um abismo. Somente depois de constatada, na prática, o montante da arrecadação da nova CPMF é que, provavelmente, será possível decidir qual o percentual do I. Renda que poderá ser reduzido. A oposição, no entanto, deverá estar atenta para que, na lei que crie a nova CPMF fique expresso que no prazo “x” o Executivo fixará qual o percentual da redução do I. Renda.

Que os argutos tributaristas me perdoem por entrar, sem a menor cerimônia, na complexa seara deles.

(06-9-2011)


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