quarta-feira, 17 de março de 2010

A salvação está no átomo

Vou mais além: tanto para fins pacíficos quanto militares. Se a afirmação acima parece quase criminosa, ou frase de efeito, trata-se de mera aparência, como verá o leitor se tiver paciência de ler até o fim e pensar com a própria cabeça. Algo nem sempre fácil: — “O que pensarão de mim, os “bem pensantes”, se eu concordar que mesmo o “repulsivo” perigo nuclear é, em última análise, benéfico, quase indispensável para a humanidade tomar juízo?”

Quando se pensa, hoje, em usina atômica para fins estritamente civis, pacíficos, o receio de sua construção e funcionamento está imensamente reduzido. O medo de acidentes já não paralisa o cidadão comum, como ocorreu quando do vazamento de material radioativo da usina de Chernobyl. E há a dura realidade da escassez de energia limpa. Com o consumo excessivo e inevitável de combustível fóssil — petróleo, gás e carvão — produzindo o efeito estufa — leia-se degelo polar, aumento do nível do mar, instabilidade climática violenta, insalubridade do ar, etc. — a humanidade preocupa-se com o futuro energético, considerando-se as insuficientes alternativas de substituição das velhas fontes de energia que nos aquecem e fazem funcionar as máquinas indispensáveis à indústria, consumo, locomoção e tudo o mais.

A energia eólica e a solar ajudam, mas não resolvem basicamente o problema porque exigem áreas imensas destinadas a captação de suas respectivas forças. O álcool, substituindo a gasolina, também auxilia, mas não é isento de poluição. Além do mais, rouba precioso espaço, no solo, que poderia produzir alimentos. E a humanidade sonha, toda ela, não só em comer mais e melhor como também locomover-se no conforto de um veículo próprio. Com o aumento da “democracia econômica” — já não nos satisfaz a democracia jurídico-formal —, todos os povos, mesmo os hoje mais deficitários, querem gozar do padrão de vida americano. Não desanimarão enquanto não o alcançarem. Imagine-se a China com um bilhão de automóveis emitindo CO2. E o mesmo diga-se da Índia. Mesmo um “intocável” indiano — sua classificação, socialmente aceita, é uma vergonha para a humanidade —, se ainda não calejado, psicologicamente, pelo longo hábito da humilhação, deve acalentar um sonho de igualdade no conforto.

Quanto à energia hidráulica, ela não está disponível a todos os povos. Podem-se represar rios, mas não cria-los à vontade. A própria geografia justifica e recomenda a progressiva nuclearização do Oriente Médio, região pobre em recursos hidráulicos. E quando secarem os poços de petróleo? Árabes e persas vão viver do que, habitando um solo que é mais pedra e areia do que terra arável? Daí, a necessidade de maior tolerância geral quando países da região voltam-se para o desenvolvimento nuclear. Será o única oportunidade de escapar da futura, extrema e inevitável pobreza.

Dá para imaginar a objeção do leitor: — “Mas se o país, conhecedor da manipulação do átomo, passar a produzir também armas nucleares?” A resposta é que não há como evitar essa possibilidade, por sinal já aproveitada, há anos, por Israel que, além de poderosamente armado, convencionalmente, dispõe de ogivas nucleares. Todo mundo sabe e seu governo não nega esse poder, porque isso reforça a segurança do país, intimida os vizinhos árabes, ressentidos com o afluxo em massa de judeus e conseqüente expulsão de palestinos.

O mesmo hipotético leitor insistirá: “Muito bem! Concedamos que Israel possui armas nucleares, mas a proliferação atômica é, por acaso, algo desejável?! Deixando de lado o privilégio israelense, já meio antigo e consolidado — como ocorre com os demais componentes do fechado “clube atômico — conviria, por acaso, que mais e mais países dominassem a técnica de fabricar bombas atômicas? Quanto menos gente conhecer essa perigosíssima arma, melhor! Einstein dizia, sabiamente, que se houver uma Terceira Guerra Mundial, a Quarta será travada com pedras e porretes”. Um chavão que o próprio Einstein, se milagrosamente ressuscitado, reexaminaria, no atual contexto, grande amante da paz que era. Quando ele emitiu a famosa sentença, a situação no Oriente Médio não havia atingido o nível crítico atual. Quem conhece a biografia de Einstein sabe que ele jamais seria um eleitor de Benjamin Netanyahu.

É claro que quanto menos governos conhecerem os perigosos segredos atômicos, menor a probabilidade de uma guerra nuclear. Por outro lado, quanto mais sem peias o uso político do poder nuclear, por parte dos atuais privilegiados, maior sua tentação — às vezes meio inconsciente, enganando-se com o argumento de que apenas se defende — de prepotência contra países mais fracos e de poder nuclear zero. O abuso, vocação universal do bicho homem — animal especialmente perigoso porque inteligente —, sempre gera ressentimento do abusado. Se este não se sente em condições de atacar, frontalmente, o orgulhoso dono da força, ataca-o de forma oblíqua, via terrorismo.

Em suma, paz não teremos com a atual desigualdade. Além do mais, qualquer entendido em física nuclear concorda que, mais cedo ou mais tarde, novos países estarão em condições de fabricar armas nucleares, às claras ou furtivamente. Dominando a elogiável técnica de utilização pacífica do átomo — direito de todos os países — é quase impossível impedir que haja, em um momento qualquer, um redirecionamento desse conhecimento também para fins bélicos. Mesmo que os “atomicamente ignorantes” não disponham do conhecimento nuclear, tais armas poderão ser compradas, por terroristas, no mercado negro oriundo do desmoronamento da União Soviética. Não é impossível que um artefato nuclear seja detonado em uma grande capital do mundo ocidental, se o ódio for suficientemente forte para justificar tanto investimento em tempo e dinheiro, além da auto-destruição do próprio terrorista.

Disse, no início deste ensaio, que mesmo o conhecimento nuclear para fins bélicos é, paradoxalmente, benéfico à humanidade. Ouço a objeção: — “Como é possível dizer isso, contrariando o que afirmam todos os estadistas e o próprio Einstein?”. Digo, porque, primeiro, a humanidade está à beira de uma possível catástrofe, que seria desencadeada com um ataque israelense, ou ocidental, contra as instalações nucleares iranianas, com a desculpa esfarrapada de se tratar de um “ataque preventivo” contra um país capaz de produzir a bomba daqui a alguns anos. Segundo, porque o próprio Einstein, essa jóia moral humana, um judeu, em certo momento, reconheceu que a humanidade precisa ainda ser contida pelo medo.

No livro “Assim falou Einstein”, compilação de Alice Calaprice ( editora Civilização Brasileira, pág. 139), diz o grande gênio matemático — e moral — que: “Uma vez que não vejo a energia atômica como uma grande dádiva em futuro próximo, preciso dizer que no presente ela é uma ameaça. E talvez isso seja um fato positivo. Quem sabe, poderá forçar a raça humana a organizar suas relações internacionais, coisa que ela não fará sem a pressão do medo”.

À época de tais palavras, não havia preocupação com meio ambiente, e outros problemas relacionados, que hoje nos afligem. O que preocupava era a possibilidade de uma guerra nuclear entre EUA e União Soviética. Daí a dúvida do grande sábio quanto à utilidade, para fins pacíficos, da energia atômica. Mas não escapou à sua percepção a indispensabilidade da ferramenta do medo — “fato positivo”, nas palavras dele — para que o planeta ordenasse melhor suas relações internacionais. E este, agora, é o momento oportuno para melhor organizar o mundo, tendo em vista a possibilidade de um ataque contra instalações nucleares do Irã, com inevitável declaração de mais uma guerra, desta vez mais complicada que as duas outras, ainda pendentes, no Iraque e no Afeganistão.

Por onde iniciaríamos a reorganização do mundo, impedindo guerras e os abusos que conduzem às guerras? Pela ampliação da jurisdição e competência do Tribunal Internacional de Justiça, sediado em Haia, Holanda, obrigando todos os países filiados à Organização das Nações Unidas a aceitar as demandas — ou permanecer revel, com todas suas conseqüências — contra eles movidas por estados e mesmo por coletividades reunindo centenas de milhares de pessoas, como é o caso dos palestinos, ainda carentes do status de “Estado”. Não tem o mais remoto cabimento moral, jurídico ou intelectual um país, representado na ONU, se conceder o “luxo soberano” de não aceitar ser demandado na justiça internacional. Se o país sabe estar errado é evidente que não aceitará ser julgado. E com isso se perpetuam situações de injustiça que incentivam o terrorismo. Se revel, ou não revel, terá que cumprir a decisão. Tal e qual acontece com o sistema de justiça interna de todos os países civilizados. A menos que o país se retire da ONU, privado, consequentemente, de se manifestar no grande centro de discussão do planeta.

A propósito, no mesmo livro anteriormente citado, a pág.138, Einstein censura o exagerado, quase doentio conceito de soberania: — “Enquanto as nações exigirem irrestrita soberania, teremos de nos defrontar, sem dúvida, com guerras ainda maiores, que usarão armas maiores e tecnologicamente mais avançadas”. Não chegou a mencionar, claro, o que aconteceria pouco depois, com a invenção e detonação da bomba de hidrogênio, na pequena ilha do Pacífico, Elugelab, em 1º de novembro de 1952. Seu poder explosivo foi de (...)“10 milhões de toneladas de potentes explosivos convencionais. A equivalência da bomba de Hiroshima foi de meras 12.500 toneladas de explosivos.”(P.D.Smith, “Os homens do fim do mundo”, pág.33, Ed. Companhia das Letras). E armas ainda mais potentes estão sendo estudadas, com utilização dos raios laser.

Como se vê, as nações não podem sentir-se à vontade para, baseadas na força, fabricar armas poderosíssimas, enquanto impõem proibições totais a nações mais fracas. Mesmo quando Barack Obama, um homem de valor — e espero que continue assim, resistindo às pressões... — fala em diminuição de estoques nucleares de seu país, não promete mais do que uma limitação delas, jamais sua proibição. Teme a China e esta teme a ainda poderosa e eficiente nação que lidera o mundo ocidental. O planeta caminha impulsionado pelo medo recíproco e competição entre as nações. Para gáudio da indústria armamentista que suga uma riqueza que, usada de outro modo, tornaria coisa ultrapassada a existência de uma única criança subnutrida na face da Terra.

As sugestões acima conduzem a um governo mundial? Quem dera assim fosse. Por sinal, o mesmo Einstein, nunca escondeu sua preferência por um governo mundial. No mesmo livro de seus pensamentos, pág. 148, deixou expresso que “A única salvação para a civilização e a raça humana é a criação de um governo mundial, com a segurança das nações baseada na lei” – New York Times, 15 de setembro de 1945.

Se Israel teme, realmente, a besteira de ser “varrido do mapa”, deveria dar todo apoio à idéia de um governo mundial democrático que, só ele, teria o monopólio do uso da força nas relações internacionais. Tal governo daria total segurança a Israel, Irã e todo o resto. E não me venham com a ignorância de que um governo mundial significa, inevitavelmente, ditadura.

Não basta limitar as armas atômicas. As convencionais também precisariam ser limitadas. Elas também matam, em larga escala, embora com menos brilho, calor e cogumelos. Com uma agravante: são “democráticas”, disponíveis a qualquer governo, por mais louco que seja seu titular.

(15-3-10)

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