terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Obama é estadista. Imprescindível apoiá-lo. Bancos, etc

A diferença entre um “mero” presidente da república e um estadista é que o primeiro só se preocupa com as pesquisas de opinião pública e como se manter no poder; ele mesmo — se assim permitir a legislação — ou pessoa de sua simpatia. O que, por vezes, significa que continuará, após a eleição, como “meio-presidente”, ou outra fração qualquer de governante, conforme o grau de dependência psicológica da pessoa por ele indicada. Já o estadista, em plena acepção da palavra, relativiza a reação do seu eleitorado porque sabe que a população, no geral, é imediatista — por vezes algo imatura — , só pensa na própria sorte, não reunindo condições, nem tempo, para fazer uma análise mais precisa dos problemas de seu País. Não esquecer que os “peritos” também escorregam, porque baseiam suas previsões no comportamento humano, este saco de venetas, venenos, vaidades, simpatias, antipatias e mutáveis cálculos de interesse pessoal.

Deixo explícito, sem ironias, que o parágrafo acima não tem qualquer relação com a situação político-eleitoral do Brasil de hoje. Pensei, porém, involuntariamente, na situação da Argentina, em que determinado presidente, não podendo se reeleger, por impedimento constitucional, foi, de certa forma, “reeleito”, via esposa. Os jornais portenhos, quando se referem à decisões polêmicas escrevem, abertamente, sem intenção de alfinetar, que tal ou qual decisão presidencial foi “dos Kirchners”, em vez da presidente titular do cargo. Como se houvesse, de plantão, dois presidentes. Por sinal, acho espantoso que não exista — desconheço —, nem mesmo em países do Primeiro Mundo, uma proibição legal de candidatura da esposa do presidente quando este não pode, ele mesmo, ser candidato. Não será essa omissão uma prova de ingenuidade político-eleitoral?

Voltando a Barack Obama, sua queda de popularidade baseia-se, principalmente, em dois pontos: o nível de desemprego não baixou ao “normal”, aquele anterior à crise, e cada vez aumenta mais, no seu país, a dúvida cruel: será que vale a pena — considerando os altos custos econômicos e políticos — permanecer no Afeganistão? Quantos bilhões de dólares e quantas centenas de cadáveres de soldados americanos serão necessários para reduzir (ligeiramente) o atraso cultural — para os padrões ocidentais — de uma população alimentada, desde o berço, no “leite” de normas morais e religiosas terrivelmente rígidas, opostas à cultura ocidental? Será factível, sem pagar um preço astronômico, “transportar” , “no muque”, para o século XXI, um povo que ainda vive na Idade Média? Esse “cursinho” de atualização cultural não seria menos caro, menos sangrento, se fosse ministrado apenas com internet, ajuda financeira, propaganda não hostil, bolsas de estudo a jovens afegãos, etc. — em vez de com “professores” fardados metralhando e bombardeando, seus “alunos”, muitos deles sem querer, civis inocentes mas que estavam próximos aos alvos atacados por aviões tripulados e não-tripulados?

O muçulmano médio, assistindo filmes americanos, e também europeus, cai de costas, chocado e enojado, ao ver, de repente, cenas de sexo noventa por cento explícito, com variantes bucais — mas não verbais —, sugeridas claramente nas imagens e expressamente mencionados nas falas e legendas. Cenas “cruas”, sem aviso prévio, impossibilitando a evacuação rápida da sala muçulmana onde estão senhoras e crianças. Esse deturpado modelo de “civilização cristã” — que só envergonha os verdadeiros cristão e até mesmo os agnósticos de maior compostura —, certamente não contribui para aumentar o respeito pelos “invasores” que estão no país sem serem convidados. Como Bin Ladden nem mais está no Afeganistão, muitos americanos se perguntam: “por que, afinal, nossos jovens soldados estão morrendo por lá?” E quando digo “lá”, incluo parte do Paquistão, progressivamente envolvido no conflito.

Além do desapontamento, prematuro e injusto, dos seus eleitores — empregos não são criados por decreto —, Obama está sendo atacado agora com maior vigor pelos republicanos, excitados com a queda de sua popularidade. Sentem, no ar, o cheiro de sangue do cordeiro escuro. Nessa rejeição há alguma dose, dificilmente mensurável — e confessável — de preconceito racial, um componente instintivo difícil de ser plenamente erradicado, porque é algo relacionado com a herança genética de todos nós (isso será tema para outro artigo).

Livro recentíssimo, lançado nos EUA, cujo título não guardei, coleciona manifestações indiscretas de políticos quando falavam à vontade, pensando que ninguém estava gravando a conversa. Nesses diálogos, tentam convencer colegas de partidos. Em um deles, o ex-presidente Bill Clinton — um político de boa índole, simpático, mas sempre um político — pressiona seus colegas democratas a apoiarem Hillary Clinton, em vez de Obama, na disputa para a indicação presidencial pelo partido. Segundo o livro, Clinton teria, a certo momento, dito mais ou menos o seguinte: “...vamos lá, colegas, esse cidadão (Obama) é aquele cara que nos servia cafezinho...” Não sei se havia nisso algum implícito preconceito racista, ou apenas social, ou uma mistura das duas coisas, mas uma coisa é certa: a raça de Obama terá um peso qualquer na aceleração artificial, orientada, do nível de sua rejeição. Muita gente torce contra ele, embora se trate de um homem — quase diria “um rapaz”, pela sua aparência — que tem tudo para honrar um país que teve a sorte de “gerar” gente como Thomas Jefferson, seus colegas redatores da Constituição Americana, Abraham Lincoln, Franklin D. Roosevelt e o próprio Obama.

Até agora, pelo menos, Obama tem se revelado um estadista capaz de propor ao mundo um modelo moral e intelectual de como deve pensar o estadista do futuro. Este não pode limitar-se a pensar apenas em beneficiar o próprio país. É como um pastor que cuida do próprio rebanho mas dá uma espiada de vigilância e colaboração, não cobiçosa, no rebanho alheio, evitando, ao máximo, prejudicá-lo. Este é o impulso de Barack Obama. Não exagero. Ele pode errar, momentaneamente, mas seu erro é bem intencionado, fruto de madura responsabilidade e previsão, limpo dos subterfúgios rasteiros, usuais, de todo presidente só preocupado com seus eleitores. Presidentes da velha guarda acham-se no direito de mentir deslavadamente, se isso beneficiar o próprio país. Chamam isso de patriotismo. Dormem com a consciência em paz.

Instituições financeiras exercerão forte influência para ver diminuído o prestígio do presidente americano. Este pretende, com a insistência necessária, disciplinar a atuação dos bancos — consequentemente de seus CEOs —, impedindo que se repita a imensa crise, iniciada em 2008, que só não derrubou totalmente a economia mundial porque o governo americano injetou trilhões de dólares no socorro de bancos e grandes corporações. Tais banqueiros — há gente de todo tipo, em todas as áreas — estão querendo voltar ao delicioso lucro irresponsável, embolsando enormes bônus, “facilitando” empréstimos e outras operações mas deixando para o governo cobrir os prejuízos, se e quando a bomba estourar. Algo bem provável, eles sabem disso, mas não ligam porque dificilmente terão de devolver os “prêmios” auto concedidos.

Um ditado, hoje em moda, e muito sábio, diz que “Se você deve um milhão ao banco, você foi ‘fisgado’ por ele; se você deve um bilhão, você é que ‘fisgou’ o banco”. Este não vai atormentá-lo com cobranças. Vai tratá-lo com o máximo carinho, porque, do contrário, você pode dizer que não paga, levando o banco à falência (no Brasil, liquidação). E o ditado deve ser ampliado, como já foi: se um banco for leviano, concedendo empréstimos dificilmente reembolsáveis, o governo, pensando nos correntistas, vê-se obrigado a socorrê-lo. Não vai deixar desamparados milhões de depositantes. Bancos irresponsáveis, suficientemente grandes, “fisgam” os governos. Daí a expressão de que “os bancos não podem crescer a tal ponto que se tornem “inquebráveis”.

Obama está agora mexendo em um vespeiro financeiro que talvez ponha em perigo o próprio cargo. Quer separar duas atividades bancárias: a de guardar o rico dinheirinho do correntista — com pequena remuneração —, da atividade de investimentos envolvendo riscos. O leitor já deve ter recebido telefonemas de gerentes de banco sugerindo que tais e quais depósitos devam se aplicados em nesses ou naqueles fundos e variantes de aplicação, com nomenclatura que muda de banco para banco. São tantos os fundos e outras siglas que o cliente fica confuso, não sendo um especialista na área, como geralmente não é. Acaba aceitando a sugestão do gerente que, mesmo sendo um funcionário honesto não é um Nobel de Economia. E por que o gerente faz tais oferecimentos? Porque é exigência de seus superiores imediatos que, por sua vez, seguem orientação de umas poucas cabeças que estão no topo da organização e talvez estejam interessadas nos tais bônus.

A conclusão disso tudo é que tais conselhos dados aos correntistas acabam facilitando a prática de atividades bancárias que podem resultar em perigo de quebradeira generalizada, seguida de pesados socorros do governo, isto é, do contribuinte em geral. É salutar, à primeira vista, que os correntistas sejam advertidos de que se quiserem grandes lucros — com grandes riscos, não existe “almoço grátis” — que procurem os bancos de investimentos. Se perderem bastante dinheiro, o governo não se sentirá moralmente obrigado a intervir, pois não é sua obrigação moral salvar cassinos e seus apostadores. Em suma, bancos de depósitos merecem amparo. Bancos de investimento, não. E os bancos de depósito, a rigor — não sei como está a regulamentação nos EUA — não poderiam aplicar recursos existentes nos bancos de depósito porque, na hipótese de grandes perdas dos bancos de investimento, o dinheiro dos depositantes seriam tragados da mesma forma. Certamente estou dizendo o óbvio, mas digo assim mesmo porque o óbvio, nas altas finanças, tem algo de fugidio e misterioso.

O governo Obama criou uma comissão para tratar de reformas do setor financeiro. Trata-se da Comissão Angelides, assim chamada porque tem como presidente o democrata Phil Angelides, um economista de boa reputação, moral e técnica, que foi “tesoureiro” do Estado da Califórnia. O vice-presidente é um republicano e a comissão, de dez membros, tem representante de ambos os partidos. Espera-se que funcione, apesar de ser uma comissão. É pena que o resultado só será apresentado em dezembro de 2010. Até lá muita coisa vai rolar. Só espero que Obama ainda esteja vivo, e no cargo, e também tenha dado uma boa guinada na técnica de combater o terrorismo.

Não há espaço, aqui, para falar sobre o terrorismo internacional. Basta afirmar, sem medo de errar, que ele está sendo combatido de forma errada, superficial. Não é que os EUA e a União Européia não devam se defender contra tentativas esporádicas de ataques. Estes são sintomas, conseqüência, a febre decorrente de uma infecção. É preciso examinar o foco, a motivação profunda do terrorismo. O erro é imaginar que matando os terroristas o problema estará solucionado. Outros os substituirão, talvez com maior ressentimento.

Logo, logo, Obama perceberá, espero, que não é prático escanear todas as pessoas que se dirijam, por avião, aos EUA. Nem obrigar todos os aeroportos do planeta a examinar as idéias políticas, a aparência (árabe) e as partes íntimas de todos aqueles que se dirigem àquele país por via aérea. É burocracia demais, parcialmente inútil e que só isolará a poderosa nação americana. Quantos aviões aterrissam, por ano, nos EUA, vindos do Exterior? Milhões ou bilhões? Conjeturo se por trás dessas medias não há algum interesse econômico das empresas especializadas em segurança. É preciso, por sua vez, que as empresas de transporte aéreo reajam, também façam lobby vigoroso para cessar uma política errada, ingênua, que vai acabar arruinando seu negócio. A continuar essa tola política contra o terrorismo, Osama Bin Laden sorrirá, satisfeito, pensando: “Como é fácil forçar o inimigo a se auto-travar...”

(25-01-2010)

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