Dificilmente. Autêntica mosca albina tal afinidade. Converse com qualquer político “bem sucedido” — isto é, eleito — e ele garantirá que “as duas coisas são perfeitamente compatíveis”. Dirá: — “Eu, por exemplo, nunca distorci os fatos!”. Provável mentira escandalosa que só confirmará a quase impossível convivência entre plena verdade e política. Não vote nele na próxima eleição. É um sujeito inconfiável. Caso ele pelo menos diga que mentiu “o mínimo possível e que os fins justificam os meios”, ainda poderá merecer o seu voto. Afinal, é um homem realista e sincero, pelo menos com o interlocutor. Ia dizer “eleitor”, mas troco a palavra. “Eleitor” é termo vago, sem rosto. Daí a tendência de ser desconsiderado depois de ter dado a única coisa que poderia interessar ao eleito: seu voto.
Se, porém, a pergunta for dirigida a um político “mal sucedido”, isto é, reprovado nas urnas, sua opinião será pessimista. Dirá: —“Eu fui vitimado pela minha sinceridade...”. Se tivesse me socorrido das mentiras, como meus adversários, teria vencido a eleição”. Outra inverdade. Ele também torceu a realidade, apenas usou tática menos eficiente para seus fins. Ou não tinha recursos para comprar, digo, convencer o eleitor e ativos cabos eleitorais que querem subir na vida.
O fato, nu e cru, é que — quase como regra absoluta —, a profissão “política” não pode ser exercida, com “sucesso” (leia-se suficientes votos), sem pelo menos um temperozinho de desonestidade mental. Por ação ou omissão. Pela mentira verbalizada ou pelo silêncio. Isso porque todo político disputa o poder: — “Se meu maldito adversário, que se elegeu, faz tantas coisas certas, qual a minha chance neste mundo? Devo, por acaso, bater palmas para quem me marginaliza?! Sem o poder, feneço! Para que servem minhas boas idéias ou intenções, se não as posso por em prática, por não ter sido eleito?”
No máximo, para escrever livros. Talvez nem publicados, a não ser que o bolso amigo, digo, o ombro amigo de um editor console o perdedor com a edição de suas obras recheadas de “argumentos irrespondíveis” comprovando que o vencedor não perde por esperar. — “O triunfo dele, mero golpe de sorte, será devorado por nuvens de gafanhotos esfomeados e pragas bíblicas!”
Penso que assim gemia o coração de centenas de políticos ao tempo em que Franklin Delano Roosevelt governava os EUA. Só a morte poria fim a tal “exibicionismo” de prestígio. E foi o que ocorreu com o grande presidente, falecendo no início de seu quarto mandato.
Passados mais de sessenta anos de presidências medianas, ou ruins — vide George W. Bush — elege-se presidente dos Estados Unidos um homem jovem, com aparência de jogador de basquete que, felizmente para todos nós, cidadãos do mundo — portanto “semi-americanos” — tem buscado inspiração no pensamento de Abraham Lincoln, um gênio político e moral. Há forte analogia mental, moral e temperamental entre ambos mas espera-se que a analogia pare nisso.
Seria uma tragédia, não só americana mas planetária, se Obama fosse assassinado no exercício da presidência. Seria a morte da esperança. A eliminação física, habilmente arquitetada, já deve ter passado por algumas cabeças atormentadas de homens poderosos — políticos ou não —, contrariados com a visão inteligente e pacifista “desse moleque ingênuo” que vê as coisas honestamente, e, pior!, diz o que pensa! — “Isso não se faz! É uma deslealdade com práticas políticas ancestrais!”
Não se discute a inteligência e a oratória de Obama, mas é no seu bom caráter — demonstrado até agora — que reside a esperança de um mundo melhor. A inteligência natural é um dom gratuito da natureza, mas sem um grande caráter para utilizá-la pode se tornar uma desgraça para o “meio ambiente” social. Quem não conhece pessoas não tão brilhantes mas autênticas, bondosas, tenazes, verdadeiras dádivas sociais e que chegam a posições de destaque? Em contraposição, há aqueles “espertos” poços transbordantes de egoísmo que em tudo o que dizem ou calam escondem-se cálculos e más-intenções.
Ninguém põe em dúvida a invulgar inteligência de Albert Einstein. Penso, entretanto, que o grande físico judeu penetrou mais fundo nos mistérios da matéria não apenas em razão de sua inteligência. O caráter e a constância em buscar a verdade tiveram papel decisivo para chegar onde chegou. Ele mesmo, em certa ocasião, explicou, em termos até auto-depreciativos, o seu “segredo”. Ouvindo a queixa da esposa de um físico excepcionalmente brilhante, seu amigo, mas que nunca conseguira apresentar uma descoberta surpreendente — como a Teoria da Relatividade —, Einstein deu sua modesta explicação para seu sucesso estrondoso: — “Existem dois tipos de homens: os “borboletas” e os “toupeiras”. Eu sou do tipo toupeira, que cava, cava e de tanto cavar acaba se deparando com algo que ninguém encontrara antes. Passo anos meditando e corrigindo meu trabalho. Já o seu marido, um homem de inteligência realmente brilhante, é do tipo “borboleta”: leve, lúcido, rápido, conhecedor de mil assuntos. Domina idiomas, discorre com profundidade e elegância sobre qualquer tema mas, justamente porque sua mente está em tantos lugares diferentes, já visitados por muitos, não tem oportunidade de encontrar algo ainda despercebido”.
As palavras, pelo que me lembro, não foram exatamente estas, mas foi esse o sentido. E concluiu, consolando sua interlocutora, dizendo que “o mundo precisa dos dois tipos: o “toupeira” e a “borboleta”. Esta última, acréscimo meu, se encarrega dos vôos, variações e conexões. Nesse voar e pousar entre as flores ocorre a polinização do saber, com um possível incentivo para o surgimento de eventuais “toupeiras”, obcecadas na busca da verdade. A vida, afinal, não pode se restringir a um imenso buraco, cada vez mais profundo. O anseio pela beleza ainda é um serviço útil à humanidade. Grandes músicos e escritores, por exemplo, mesmo com sua superficialidade, são exemplos típicos de borboletas indispensáveis. Os grandes artistas, insisto, com ou sem fama, esta um item cada vez mais manipulável e comercial.
Esclareça-se, desnecessariamente, que Einstein se comparou ao humilde mamífero meio cego e sem orelhas apenas para acentuar o lado “escavador” da sua mente. De meio cego e surdo é que Einstein não tinha nada. Foi, penso eu, o orgulho máximo de sua raça e talvez de toda a raça humana. Por sinal, era um pacifista e insistente adepto de um governo mundial. Se ainda vivo votaria, em Israel, concordando com a criação de um Estado Palestino, homem justo que sempre foi. Isso, também, porque via longe e “fundo”. Sabia que não há paz sem justiça, velha “novidade” que não consegue penetrar no crânio, ou coração, de Netanyahu. Einstein chegou a dizer, referindo-se ao perigo atômico, que não sabia com que armas seria travada a Terceira Guerra Mundial, mas na Quarta os combates aconteceriam com pedaços de pau e pedras. Para satisfação das resistentes baratas que, excitadas e rufando suas asas gritariam, com voz fina: “Chegou a nossa vez de ocupar a Terra!”
Mudando de Einstein para um dos problemas mais sérios dos tempos atuais — o conflito entre Israel e os palestinos, grande nutriente do terrorismo islâmico —, fico imaginando como deve ter sido a conversa, contrafeita e reservada, entre Barack Obama e Benjamin Netanyahu na Casa Branca, no dia 18 de maio de 2009, discutindo os problemas palestino e iraniano. Antes da transmissão do encontro, pela TV, os dois líderes tiveram uma longa conversa reservada. De um lado, Obama, convicto de que os palestinos também têm o direito — já desfrutado por Israel há décadas —, de um Estado nacional, com fronteiras nítidas e sem os obstáculos artificiais hoje existentes entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. De outro lado, “Bibi” Netanyahu, intimamente imbuído da idéia de ser lembrado, futuramente, como o grande consolidador da expansão israelense.
O assunto, no entanto, por exigência da brevidade, terá que ficar para o próximo artigo. A magnífica figura moral e intelectual de Einstein se inseriu no texto, à minha revelia, e, à maneira de um “buraco negro”, de atração irresistível, engoliu meu espaço. Aguardem, caridosos leitores, o próximo artigo.
(27-5-09)
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