quinta-feira, 9 de junho de 2016

A “chicana” ameaça o impeachment de Dilma.

Apesar da “Lei do Impeachment”, de n. 1.079/1950, dizer, no art. 38, que “no processo e julgamento do Presidente da República e dos ministros de Estado, serão subsidiários desta Lei, naquilo em que lhe forem aplicáveis, assim os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, como o Código de Processo Penal” — a redação poderia ser bem melhor... —, o julgamento da presidente corre o risco de ser tornar inútil perda de tempo, caso seja permitido à defesa ouvir 32 ou 40 testemunhas. A intenção de ultrapassar o prazo máximo de duração do impeachment já se patenteou quando a defesa requereu perícia de entidade internacional sobre os pareceres técnicos do Tribunal de Contas da União. Um parecer técnico sobre outro parecer técnico, algo que exigiria meses para um resultado. Talvez a exigir terceira perícia para decidir qual das duas anteriores é a melhor, caso divirjam, como certamente ocorrerá.

Qualquer advogado da área criminal — e mais ainda um ex-Ministro da Justiça, agindo como advogado de defesa — sabe o quanto é fácil “esticar” e tumultuar audiências visando adiar o término da instrução do processo. Para evitar essa demora proposital o CPP concedeu um máximo de 8(oito) testemunhas para a acusação e igual número para a defesa. Essa exigência justifica-se principalmente para os réus, que desejam a prescrição. A acusação normalmente não tem interesse em retardar os julgamentos, mas os prazos são iguais por uma obrigação constitucional de igualdade de tratamento.

No caso de impeachment do Presidente da República, com um prazo rígido, improrrogável, de 180 dias, para seu término — visto que o país não pode ficar paralisado, “no ar”, por longo tempo — essa limitação no número de testemunhas é especialmente importante considerando o forte apego ao poder do governante processado. Se ele não tivesse tal apego, teria renunciado antes. Um presidente fará tudo ao seu alcance para que a duração do processo ultrapasse os seis meses. Assim, o mero senso comum aconselha a existência de um número relativamente pequeno de inquirições, nada impedindo que o acusado colha, por escrito, inúmeros depoimentos, com firma reconhecida, dizendo o que bem entendam em favor do réu, juntando tais depoimentos ao processo.

Ao que deduzo dos debates do impedimento de Dilma no Senado, o Regimento Interno da “Casa” — sempre antipatizei com essa sofisticação verbal — não menciona o número de testemunhas a serem ouvidas no processo de impeachment. Portanto, legalmente, deveriam ser ouvidas no máximo um total de 16 testemunhas. No caso do impeachment em discussão é o suficiente porque o assunto é essencialmente técnico e examinado, com minúcias em laudos periciais e depoimentos de especialistas.

Não se vê qual a utilidade de escutar opiniões de políticos sobre um assunto, extremamente complexo, que geralmente conhecem superficialmente. Só se for para confirmar que ilegalidades contábeis iguais eram práticas comuns em governos anteriores. Como tais políticos não estão sendo objeto de impeachment, não se vê utilidade nessa informação. Se outros governantes utilizaram essa prática, inclusive o ex-presidente Lula, que sejam processados pelas vias comuns, se não prescritos seus crimes.

Grosseiramente comparando, nenhum réu acusado de furto jamais atreveu-se a dizer, em juízo, que não deve ser punido porque sempre houve furtos, em todos os países. Consta que no diário de Charles Darwin, quando estava no Brasil, em 1833, fazendo pesquisas, ele escreveu que "Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados” (www.baraoemfoco.com.br).

Soa como óbvia técnica de retardar o processo do impeachment de Dilma a intenção da defesa de ouvir 32 ou 40 testemunhas porque foram 4 ou 5 os “atos” mencionados na acusação. Seria o mesmo que, em um julgamento pelo tribunal do júri, em que um réu de crime passional desfere vinte facadas na vítima — não se sabendo qual delas foi o golpe (“ato”) decisivo, fatal, que ocasionou a morte. Teria o réu, pergunta-se, o direito de arrolar oito testemunhas para cada facada, pedindo o depoimento de 160 (8x20) testemunhas? Mesmo com dez facadas teria utilidade ouvir 80 testemunhas do réu?

Note-se que a fase probatória do processo penal, em geral, oferece um “prato cheio” para o tumulto e a procrastinação. Toda testemunha pode ser contraditada, com ou sem base. O defensor dirá, por exemplo, que as testemunhas da acusação são suspeitas ou impedidas, por isso ou por aquilo. A discussão sobre a contradita pode estender-se por horas, quando isso convier.  O roteiro do impeachment não fixou o número máximo permitido de perguntas que poderão ser feitas pela parte interessada. No caso, “partes”, no plural, porque os senadores também têm o direito de perguntar, através do juiz presidente. E também não será mal “aparecer’ na mídia, porque o país inteiro estará assistindo o famoso julgamento. Como a acusação tem pressa, ela só fará, provavelmente, as perguntas realmente essenciais. Já com a defesa será diferente. Quanto mais palavras emitidas, maior a demora e o conflito verbal. Se indeferida uma pergunta pelo juiz presidente, pode haver longa discussão sobre a impertinência, ou não, da indagação. E o tempo correndo...

Há, também, o perigo do uso e abuso das acareações. No caso, entre a acusada e testemunhas e também entre testemunhas, se os depoimentos divergirem, como certamente divergirão.

Se o “juiz” que preside a sessão de julgamento decidir que a prova testemunhal é desnecessária — considerando que o assunto das “pedaladas” é essencialmente técnico, contábil —, haverá também protesto da defesa, com alegações de parcialidade dos peritos. E peritos podem ser convocados para “esclarecimentos” que podem ser contestados. Tudo envolto em algum tumulto porque parlamentares, de modo geral, não aceitam facilmente serem controlados pelo presidente da sessão, quando querem falar, seja ou não a vez deles. Alguns não dão a mínima quando advertidos que o tempo deles já acabou. A frase “Senhor presidente, questão de ordem!”, chovendo de todas as direções, possibilita que  parlamentares mais agressivos tranquem e praticamente mudem a pauta dos trabalhos. O presidente da sessão tem que pedir, com muito jeito, quase “por caridade”, que o parlamentar silencie porque não é a vez dele falar.

E quando a testemunha, intimada, não comparece para depor? Caberá adiamento? Condução coercitiva? E se a testemunha não for encontrada ou estiver acamada? E se ela estiver em outro país? É direito da acusada exigir carta rogatória — que demora meses para cumprimento —, insistindo que seu depoimento é imprescindível?

O uso de artifícios nas sessões, visando a demora, pode ser em parte neutralizado quando o parlamentar que preside a audiência é especialmente habilidoso, ou enérgico (para uso raríssimo...). Mas se for enérgico demais o “circo pega fogo”, a locomotiva para de vez. Um presidente de sessão, no impeachmet, precisa ser um misto de São Francisco de Assis, Papa e Barão do Rio Branco. No caso em exame, considerando a importância do julgamento, dificilmente o senador presidente da sessão estará propenso a indeferir seguidamente perguntas inúteis da defesa. Para cada indeferimento caberá uma longa discussão, porque são muitos os senadores-julgadores.  

Se as diretrizes de tramitação e a cordialidade do Min. Ricardo Lewandowski — quando for a vez dele presidir os trabalhos —, resultar em impossibilidade de terminar o processo no prazo de 180 dias — porque perdeu-se tempo com testemunhas dispensáveis — é previsível que a opinião pública — sempre parcial e apaixonada —, o responsabilizará, como “causador da desgraça”  de manter na presidência uma política que se mostrava incompetente na área econômica e conivente com a “a roubalheira” do dinheiro público. Articulistas inconformados, na mídia, lembrarão, previsivelmente — talvez de má-fé —, os fortes entreveros do Min. Ricardo Lewandowski  com o ex-ministro Joaquim Barbosa no “mensalão”, Barbosa sempre atacando o PT e Lewandovski discordando dele, apresentando argumentos jurídicos.

O Sen. Aloysio Nunes Ferreira interpôs, com total razão, recurso ou reclamação contra o direito da defesa de exigir oito testemunhas para cada “fato” dado como violação da lei. Até o presente momento desconheço se já houve, ou não, uma decisão, ou opinião, de S. Exa.

 Essa decisão será importantíssima, decisiva, para o país, porque, mantido o festival de longas e dispensáveis informações verbais é praticamente certo que o julgamento do impeachment não se completará e o prestígio da Justiça brasileira ficará ainda mais abalada, mesmo informada, a população, que a decisão sobre o número de testemunhas foi decisão individual, unilateral, do Presidente do STF.

Resumindo e repetindo, se forem ouvidas dezenas de testemunhas de defesa, é melhor esquecer esse tal de impeachment. Será engolido pelo fator tempo.

 (08-06-2016)

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