sexta-feira, 4 de abril de 2014

É CEDO DEMAIS PARA SE OUVIR NESTOR CERVERÓ EM CPI...

                 ... a menos que ele, impreterivelmente, seja ouvido novamente, próximo do final na CPI, depois de bem conhecidos os detalhes do contrato de compra de metade da refinaria de Pasadena. “Metade” que depois se tornou “inteira” por força de uma redação contrária aos interesses da Petrobrás, obrigada a comprar a outra metade, sofrendo grande prejuízo. Teria sido um “escorregão distraído” do responsável brasileiro na redação conjunta, com o vendedor, do contrato? Ingenuidade? Dolo? Culpa? Ou tudo não passou de mero azar em um ramo, o petrolífero, sujeito a oscilações imprevisíveis?
O perigo da pretensão de se ouvir duas vezes está na incerteza: nada impede que Cerveró se recuse a um segundo depoimento, na mesma CPI, no seu encerramento, alegando que foi orientado por seu advogado a permanecer em silêncio. Não poderá ser preso por tal recusa.
Por que é prematuro ouvir Cerveró agora, em CPI, quando estamos, todos nós, pouco esclarecidos dos detalhes essenciais? É prematuro porque seus interrogadores pouco sabem das minúcias do negócio — o formato na redação das cláusulas — principalmente no que se refere às vantagens e desvantagens da compra da refinaria.
Quando, em qualquer interrogatório, em assunto complexo, o “suspeito” conhece o assunto muito mais que seus interrogadores, estes levam um verdadeiro “baile” na “sabatina”. Esta toma o rumo ditado pelo investigado. Os perguntadores acabam em dúvida, confundidos, e o “suspeito” sai com aura de inocente, mesmo que, eventualmente, seja culpado de um ilícito bem planejado.
Não sei se o ex-diretor da área internacional da Petrobrás fez, ou não, algo deliberadamente errado. Aparentemente fez, pelo enorme prejuízo causado, mas “interrogá-lo”, em nível de CPI, agora, só terá proveito como teatro político. Que se espere, pelo menos vinte ou trinta dias, até que as cláusulas mais essenciais do negócio sejam bem conhecidas e analisadas, o que ainda não ocorreu. Sabe-se apenas que foram incluídas no contrato, duas cláusulas perigosas. Se necessário, que as cláusulas fatídicas sejam analisadas com ajuda de técnicos isentos do setor petrolífero e advogados, também confiáveis, com experiência em negócios de envergadura semelhante.
O jornal “Folha de S. Paulo” de hoje (3-4-14, pág. A5, Poder), reproduzindo as explicações do advogado de Cerveró, diz que “os conselheiros da estatal, incluindo a presidente Dilma, receberam com 15 dias de antecedência o contrato da compra da refinaria de Pasadena” e que “Os conselheiros tiveram tempo hábil para examinar o contrato. Se não o fizeram, foram no mínimo levianos ou praticaram gestão temerária”. Finalmente, acrescentou o ilustre criminalista, segundo o jornal: “Cerveró não vai aceitar ser bode expiatório. Não há nada de errado com o negócio”.
Cabe agora a pergunta — decisiva — do povo brasileiro: é de se presumir que os conselheiros, mesmo tendo, eventualmente, recebido, com alguma antecedência, o contrato de 3.000 páginas — segundo as palavras do atual Governador da Bahia, Jacques Vagner (Estadão de 22-3-14, pág. A4) — teriam eles, conselheiros, lido tudo, minuciosamente?

Nas circunstâncias, principalmente considerando o número anormal de páginas e a confiança do Conselho — justificável — de que Cerveró, pelo seu passado, só poderia zelar, “sem dúvida”, pelos interesses da Petrobrás, é bem provável que o Conselho, ou pelo menos sua maioria, não conhecesse a redação das cláusulas que se mostraram tão lesivas. Tudo sugere um abuso de confiança.
A esse detalhe — a “lista telefônica” contratual — acrescente-se o fato de as cláusulas “Put Option e “Marlim” não constarem do “resumo técnico” mencionado pela Presidente Dilma. Ela, também, não iria, cheia de afazeres, levar o “contrato-tijolo” para casa para ler as 3.000 páginas. Ponha-se o leitor na pele de um presidente da república, com todos os minutos ocupados.
Chama a atenção — negativamente para Cerveró —, o detalhe da mídia dizer que o “resumo” tinha duas páginas e meia. Já na palavra do advogado de Cerveró o resumo encolheu: continha apenas uma página e meia e, por isso, por falta de espaço, as cláusulas lesivas não foram incluídas no breve relato. Interessa, agora, ao “suspeito”, reduzir o número de páginas do resumo, para justificar a não menção das cláusulas danosas. Mas a opinião pública poderá pensar: “Se o resumo ocupava tão pouco papel, página e meia, sobraria espaço bastante para incluir as cláusulas lesivas em discussão”.
Continuando o tema do adiamento, deixo claro que não pretendo, ao sugeri-lo, nem prejudicar nem ajudar o referido ex-diretor da área internacional da Petrobrás, de cuja existência só vim a saber nos últimos dias. Estou apenas interessado — como o resto da população brasileira —, em conhecer a verdade dos fatos em um negócio complexo e lesivo. E toda verdade valiosa, tal como o petróleo, só vem à superfície com auxílio de bons perfuradores. Não basta apenas a força bruta dos gritos ou esgares de desprezo.
Uma das vantagens colaterais do exercício da magistratura, no cível ou no crime, está no aprendizado de um pouco de psicologia prática para se extrair a verdade que se esconde.
Quando exercia a jurisdição, na primeira instância, na área cível, tinha por hábito “converter o julgamento em diligência”, antes de proferir a sentença, para ouvir de novo —, ou pela primeira vez —, as partes ou alguma testemunha. Principalmente as partes, autor ou réu. Fazia isso quando estava em dúvida, por ser a prova vaga ou contraditória. É desagradável decidir em dúvida.
Por que fazia isso com alguma frequência? Porque uma coisa é o juiz colher o depoimento pessoal das partes quando o juiz quase nada sabe dos fatos. Outra, quando o juiz, ao ouvir o depoimento, já conhece minuciosamente o processo.  No quase “turbilhão” diário dos processos forenses, uma audiência atrás da outra, não há tempo nem condições para fazer perguntas inteligentes, próprias de conhecedor do litígio, tentando extrair a verdade “na fonte”, A tendência mais comum do depoente culpado — que não quer sofrer no bolso a obrigação de pagar um prejuízo —, é mentir, o que é normal, tanto nos processos quanto nos demais conflitos da vida.
Em processos oriundos de colisão de veículos, por exemplo, no depoimento pessoal — geralmente um só, no início da instrução probatória —, a parte que está errada logo percebe, que o juiz “está por fora...”. Aí o interrogado tira proveito da “ignorância” ou “credulidade” do juiz, inventando explicações, tentando pelo menos criar uma situação de dúvida, sempre favorável ao réu.
Quando, aguardando a sentença, o demandante — que sabe não ter razão — é surpreendido com uma intimação judicial para, de novo, ser interrogado pelo juiz, essa notícia o abala. A menos que seja um velho frequentador do fórum, ou calejado estelionatário, situação pouco comum nas demandas cíveis.  Ele, intimado, se pergunta: — “O que será que o juiz vai me perguntar? Será que ele já deduziu que sou o culpado, como realmente sou?”
No dia da audiência, não auxiliado por seu advogado, que, embora presente, não pode interferir nas perguntas nem nas respostas, ele nota que as indagações do magistrado não são nem um pouco inocente. — “O desgraçado está por dentro! Estou perdido...”. E aí, também algo envergonhado pela presença do advogado da parte contrária, que conhece os fatos, ele tenta “dourar a pílula”, concedendo, mudando aqui e ali o depoimento anterior. Confessa que corria “apenas um pouco mais depressa, mas não demais”, quando antes afirmara que não corria, absolutamente, e por aí vai.
Já nos processos criminais, se o réu é um calejado estelionatário, isso não acontece. Ele fala pelos cotovelos, foge do assunto a todo momento e tenta até o fim confundir o juiz. Mas, assim mesmo, se o juiz conhece bem a prova, sempre é possível extrair — ou melhor, “arrancar”, qual um dente cariado, alguma verdade.
Fiz a digressão acima tentando convencer o leitor — e talvez os parlamentares da possível CPI —, de que interrogar, na CPI, o ex-diretor Cerveró, sem terem tido tempo suficiente para lerem cuidadosamente as cláusulas mais importantes da compra da refinaria Pasadena, será perda de tempo. Cerveró “dominará o espetáculo”, seja ele culpado ou inocente.
Espera-se que o fator “perfeito conhecimento prévio dos detalhes”, por parte dos membros da CPI não seja ignorado. E, de preferência, que os questionadores tenham a seu lado técnicos — advogados, ou economistas, ou funcionários da Petrobrás — altamente qualificados, para equilibrar o nível de conhecimentos de quem pergunta e de quem responde.
Se Cerveró sair inocentado, isso será gratificante. Para ele mesmo, para a Petrobrás e para todos nós. Mas para que haja essa satisfação geral, tranquila e autêntica, é preciso que seu “interrogatório” seja encarado como sério, competente e convincente, não um mero show de demagogia e interesse eleitoral.

(03-04-2014)

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