domingo, 9 de fevereiro de 2014

Prisões só para “crimes violentos”? Os condenados no mensalão apoiam a ideia.


             Tenho visto, na internet, recentemente, uma perigosa e impressionante novidade na área do Direito Penal: a sugestão de que somente pessoas condenadas pela prática de crimes violentos teriam que cumprir pena de prisão. A ideia, em abstrato, e com muitos reparos, é pensável, mas neste momento há nela algo de traiçoeiro.

Segundo a revolucionária proposta, estelionatários, autores de furtos  e receptações, ladrões do dinheiro público ou particular, caluniadores, difamadores, moedeiros falsos, concorrentes desleais, traficantes de entorpecentes, contrabandistas, adulteradores de alimentos ou remédios, falsificadores de documentos, vendedores de sentenças judiciais, autores de falsas perícias, chantagistas e mais uma lista enorme de criminosos — hoje ameaçados com cadeia —, receberiam apenas punições outras que não o recolhimento a um estabelecimento prisional. Isso porque “a prisão não recupera, só deseduca”. E como a finalidade das penas seria tão somente “recuperar”, a única punição legal para o criminoso “maneiro” seria a multa ou outras obrigações que não afetassem sua liberdade de locomoção.
Ainda que essa ideia tenha, eventualmente, brotado sem que seus autores a tenham — sequer remotamente —, imaginado como manobra esperta para libertar os condenados à prisão na Ação Penal 470 — é evidente que esses condenados — e seus simpatizantes políticos —, viram na ousada invenção a única possibilidade de escapar do desconforto de passar algum tempo no presídio, mesmo em regime semiaberto. O caminho processual alternativo, hoje previsto para enfrentar a coisa julgada — a Revisão Criminal —, seria praticamente inútil para tão radical missão porque implicaria em novo e infindável julgamento do mensalão.
Como sabem todos, mesmo aqueles sem formação jurídica, qualquer lei que passe a considerar crime uma determinada conduta essa lei só vale para o futuro. Não retroage. No entanto, nem todos os cidadãos brasileiros sabem que quando a lei penal beneficia o réu, a lei retroage. É preciso que a população brasileira saiba disso e não seja surpreendida, depois com o cancelamento das condenações. Não só dos réus do “mensalão” como também milhares de réus condenados por dezenas de crimes graves que não foram cometidos com “violência” (tiros, facadas, explosões, pancadas, etc.).
Repetindo: mesmo havendo condenação, com trânsito em julgado, dos réus — todos, não só do mensalão — essa modificação legislativa permitiria, ou melhor, obrigaria a abertura das cadeias, exceto para os autores de crimes violentos. Isto é, fisicamente violentos, embora o desvio de grandes somas seja uma forma indireta de violência, mais lesivas que tiro ou paulada.
Essa ambiciosa inovação legislativa obrigaria o Estado a esvaziar as prisões de estelionatários e ladrões não violentos de dinheiro público ou privado, e toda a fileira de criminosos mencionados no início deste artigo.
Certamente, a nova lei “obrigaria”, teoricamente, todos os réus presos do País a devolver as quantias obtidas por meio criminoso. Mas caso isso não ocorresse nada de sério poderia ser imposto aos condenados. Prender por não devolver? Impossível, porque implicaria em prisão por dívida, abolida há décadas. Qual seria a reação emocional da maioria da população brasileira que imaginou que, finalmente, “até” os políticos e seus associados que agiram mal seriam punidos conforme a legislação vigente?
            Seria extremamente difícil, quase impossível, a tarefa do Ministério Público de recuperar o dinheiro dado como desviado em sentenças transitadas em julgado. Essa “cobrança” individual do prejuízo se transformaria em um segundo “paquidérmico mensalão”, considerando o número de réus e a leitura de milhares de páginas.
            Indivíduos vocacionados para a desonestidade sentir-se-iam estimulados para os “grandes golpes”. Pensariam: — “Vale a pena enriquecer desonestamente no Brasil... Se não der certo, se eu for descoberto — o que raramente acontece —, o que pode me acontecer de pior? Nada mais que a obrigação de devolver o que roubei. Mas se eu disser que gastei tudo com mulheres, jogo, etc. , preso não serei, porque não usei violência física.
            Talvez, na elaboração desse benévola futura lei, os mais “duros” legisladores podem colocar, como punição máxima, em crimes não violentos, a prisão domiciliar. Pena que não assusta ninguém a ponto de fazê-lo desistir de um “grande golpe”.
Um certo número de parlamentares da base do governo verá com simpatia e alvoroço a sugestão legislativa acima resumida. Muitos pensam que houve exagero nas condenações do mensalão porque, segundo o pensamento deles, “sempre existiu, ou deve ter existido, a cooptação de parlamentares, em todos os parlamentos do mundo. É o lado sombrio da democracia, infelizmente, mas mesmo com tais escorregões, a democracia ainda é melhor que qualquer ditadura. O povo brasileiro está feliz, hoje, ganhando mais. Qual o problema? Os fins justificam os meios, e se, por acaso, alguns réus desviaram, para o próprio bolso substanciais fatias do dinheiro desviado, isso faz parte da natureza humana. É desumano punir seres humanos com prisões desumanas”.
Se os parlamentares simpatizantes dos “mensaleiros” quiserem ajudar tais condenados, sem ter que devolver às ruas, juntamente com eles, milhares de criminosos que não usaram violência física — porque seria inconstitucional privilegiar apenas os réus da Ação Penal 470 —, que convençam a Presidente Dilma a conceder aos “mensaleiros”  o benefício da graça, previsto claramente na Constituição. Somente o Presidente da República pode conceder a graça — sempre individual, ao contrário do indulto —, desde que o réu não tenha sido condenado por tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo ou crime considerado formalmente como hediondo. E desviar dinheiro público ainda não é, no Brasil, considerado crime hediondo.
Em ano de eleição a Presidente Dilma não arriscaria conceder a graça aos réus do mensalão. Perderia votos demais, talvez a própria reeleição. E perdoar esses réus logo após a eventual reeleição, também implicaria um grande desgaste político. O que pode acontecer — e provavelmente acontecerá — é que, Dilma, se reeleita, “legitimada pelas urnas”, pense no assunto e, pressionada, conceda algumas graças após um tempo não excessivo de cumprimento das penas, solução mais palatável para a sentimental população brasileira.
Certamente, penalistas responsáveis alertarão o país quanto ao efeito desmoralizante da nova ideia, neste momento.

(9-2-2014)  
 

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