quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Joaquim Barbosa e a “candura” legislativa.


O Min. Relator do mensalão hesita, ou reflete, a respeito de ingressar ou não, já, na política. Pelas suas declarações mais recentes admite alguma possibilidade de se candidatar presidência da república em 2018. Quer, primeiro, “encerrar” — é permissível usar esse verbo no Brasil, onde os processos dificilmente terminam? — o julgamento da Ação Penal 470. Para findá-la, talvez só com algum “tranco jurídico virtuoso” —, sob protestos generalizados dos condenados e seus seguidores, que insistem na motivação política das condenações. Sem entrar, tais protestos, em detalhes, confiantes na impossibilidade da população —, ou mesmo de advogados e jornalistas —, de ler e analisar milhares de páginas dos autos do processo e as volumosas perícias contábeis. Se os amigos dos condenados ficarem repisando, na mídia, que “o julgamento foi apenas político”, parte da população — aquela beneficiada pelas Bolsas e os simpatizantes do PT —  passa a acreditar nessa versão porque a tendência das pessoas é acreditar naquilo que mais as agradam e beneficiam. “Acredita-se” mais com o coração do que com o cérebro.
Não há dúvida que Joaquim Barbosa é um nome fortíssimo entre os eleitores, desanimados com políticos profissionais que lhes parecem apenas “profissionais da política”, sem nenhuma ideia nova para motivar o País. Todos com as repisadas promessas de “mais honestidade, segurança, transportes, educação e saúde”. Porém, justamente por ser nome tão forte, os “caciques” dos partidos mais importantes não querem J. Barbosa como concorrente. Querem, perto, apenas os votos dos seus milhões de admiradores, mas não o cidadão admirado. E lançar-se, Barbosa, como candidato de partido “nanico” é suicídio eleitoral. Tais partidos não dispõem da “máquina” arrecadadora de doações nem de tempo na televisão. “Sem dinheiro não existe propaganda e sem esta a democracia simplesmente não funciona”.
A propósito, alguém precisa inventar uma nova democracia, que não dependa tanto do dinheiro e da propaganda, seja com financiamento privado ou público.  Afinal, o voto , hoje, tem que ser “comprado”?
 Se J. Barbosa não pode concorrer agora à presidência seria extremamente útil no Congresso Nacional, como deputado ou senador. Melhor como senador. Coincidentemente, essa minha ideia, que tive uma semana atrás, já ocorreu, parece que ontem, com o PSB, que pretende convencer J. Barbosa a concorrer para o Senado, como representante do Rio de Janeiro.
Por que J. Barbosa deve ocupar vaga no Senado? Porque   almeja fortemente, sem panos quentes, aperfeiçoar a justiça brasileira. Uma tarefa técnica, complexa e delicada, que não pode ser exercida por qualquer um, mesmo formado em Direito. A melhora de nosso arcabouço jurídico depende, essencialmente, não de utópicas “modificações de mentalidade”, como dizem alguns, mas de alterações bem concretas e hábeis na legislação. Notadamente a processual, penal e civil. Isso porque — explicação apenas para o leigo — todo processo deve seguir forçosamente o “devido processo legal” — leia-se: “seguindo as interpretações das instâncias superiores”, nem sempre verdadeiramente “superiores”.
Embora as instâncias superiores tenham maior experiência e visão de conjunto, vez por outra elas acertam menos que uma decisão de primeiro grau.
Um juiz sensato de primeira instância não anularia, p. ex., processos criminais de cinco ou dez volumes, contra um acusado de crimes gravíssimos, com provas irretorquíveis do fato e autoria— filmadas, fotografadas, “grampeadas”, comprovadas com perícia —, só porque anos atrás, no início do inquérito, um policial abelhudo colheu tais provas sem autorização judicial.
Caberia, claro, nesses casos, uma reprimenda administrativa contra o investigador “indiscreto” — que pulou o muro do sítio do serial killer, sem autorização judicial, tirando fotos e filmando o criminoso jogando em covas os cadáveres de crianças, suas vítimas — mas nunca a invalidação de todo o trabalho do inquérito e do longo processo judicial, com base na “teoria do fruto da árvore envenenada”, invenção meio idiota da jurisprudência norte-americana, embora esta seja, quase sempre, de boa qualidade.
Anular processos apenas com base na teoria dos “frutos da árvore envenenada” (fundamento: “se havia algum veneno na raiz da árvore, todos os seus frutos seriam necessariamente venenosos”), é uma tolice, monumental. É o mesmo que dizer: os cadáveres das crianças, no exemplo acima, mesmo apalpados, fotografados e periciados, “não existem”, porque as provas não foram precedidas de autorização judicial, ou a autorização foi dada com juiz errado. — “Essa carnificina só existiu no mundo real, dos fatos; não no mundo do direito. Este último prevalece contra a realidade mais evidente”. Lógica de hospício.
O magistrado, julgando um caso concreto, na área penal e processual, pode muito pouco, embora pudesse bem mais, caso o juiz se atrevesse — via interpretação pessoal —, a decidir  em sintonia com seus próprios olhos e ouvidos, coincidente com a opinião de pessoas normais.
O juiz de primeira instância frequentemente põe de lado sua convicção pessoal sobre as prisões preventivas, cuja ausência — em casos revoltantes, com evidente prova colhida na polícia — causa enorme indignação, nele e na população. Esta não entende, por exemplo, como é possível que um conhecido profissional do crime, com uma extensa folha corrida, respondendo a dez ou mais processos por crimes contra o patrimônio, ou estupro, permaneça solto, cometendo novos crimes enquanto seus processos se arrastam na justiça, aguardando o longínquo trânsito em julgado.
Esses processos arrastam-se principalmente porque o réu não está preso, aguardando julgamento. Estivesse preso, seu julgamento teria preferência. Um grande mal foi causado à justiça brasileira quando foi encarada como “norma-deusa” a jurisprudência de que somente com o trânsito em julgado é possível prender — leia-se: apenas segurar provisoriamente — um réu encurralado por candentes evidências de sua culpa, até mesmo já condenado duas ou três vezes, em instâncias anteriores, só faltando a palavra final do STF.
Nossas leis padecem de uma incurável “inocência” —  culposa, ou “dolosa”? — na interpretação dos atos humanos. Por exemplo, a jurisprudência que instituiu o uso do bafômetro, nos casos de acidente com veículos, permite que o motorista se recuse — sem nenhuma consequência... — a assoprar no referido aparelho. Havendo tal recusa, a jurisprudência, ou a lei, manda que os policiais colham controversos e mal redigidos “indícios” de embriaguez, que, se forem assinados só por policiais ensejarão o argumento da parcialidade. E eventuais passantes não querem, de jeito nenhum, serem testemunhas para “não se envolverem”.
 A solução sensata, nesses casos, seria considerar a mera recusa como implícita confissão de embriaguez, cabendo ao acusado, depois —querendo —, em juízo, provar que sua recusa tinha um fundamento válido, como, por exemplo, que o aparelho usado no local era defeituoso — fato comprovado com perícia. O ônus da prova teria que ser do recusante da “assoprada”. Hoje, por exemplo, em ações de reconhecimento de paternidade, o cidadão acusado de ser o pai de uma criança, quando se recusa — não estando evidentemente louco — a ceder sangue para exame do DNA, é dado como pai, só pelo fato da recusa.
Outro exemplo de invulgar “candura” legislativa está na recente proposta legislativa que veda anonimato em manifestações de rua que podem resultar em agressões  e depredações. Segundo a mídia, o ministro da Justiça teria dito que “É permitido o uso de máscara desde que as pessoas se identifiquem à autoridade policial”. Pergunta-se: usando um crachá, que depois pode ser usado por outro manifestante mascarado?
Essa estranha ressalva permite, p. ex., que um baderneiro, usando calça jeans e camisa amarela, mostre a cara ao policial, se identifique, e em seguida ponha a máscara de volta ao rosto, retornando à massa móvel de manifestantes — como seria “seu direito” de usar máscara. Alguns minutos, ou horas, depois, instalada a baderna, o policial não terá como saber, vendo à distância, se aquele mascarado que se identificou foi o autor de tal ou qual destruição do patrimônio, havendo no local trinta mascarados usando calças jeans e camisa amarela.
Conscientes do potencial de enganação, os manifestantes mal intencionados comparecerão na passeata usando roupas da mesma cor, levando no bolso suas máscaras iguais. Iniciada a depredação, colocam a máscara. E o “sabidinho” identificado, se investigado no inquérito, poderá comprovar, com testemunhas verdadeiras, que depois da sua identificação se afastou, foi para um bar, não mais se interessando pela manifestação.  E o dono do bar comprovaria isso.  O rapaz será absolvido. Dessa forma ficará desmoralizada a repressão e a própria lei, confusa na sua execução.
Poderíamos lembrar inúmeras situações provando a falta de perspicácia em produção legislativa, incabíveis neste curto espaço.
Para corrigir esse “mar de inocência” legislativa, e até mesmo, em alguns casos, jurisprudencial, J. Barbosa seria uma pessoa muito adequada para o caso. Isso porque tem grande tirocínio com a matéria penal, é corajosamente independente e inimigo declarado do “faz de contas”, essa filosofia perniciosa que ajudou a desestimular os governos a construírem presídios porque os políticos pensavam que nunca iriam cumprir pena em seu interior.
Um “estágio” de J. Barbosa no Senado seria também útil — para ele e para o eleitorado —, como comprovação de que o novo senador é capaz de conviver tolerantemente com quem dele discorda. Conversando com advogados e até mesmo com promotores, seus colegas de profissão na esfera estadual, notei que muitos deles concordam “em tese”, com as opiniões de J. Barbosa, mas discordam de seu estilo “duro” ou “arrogante demais”. Têm medo de que, transformado, eventualmente, em presidente da república, J.B. torne-se um quase ditador sem estribeira, “grosseiro”, incapaz de conter sua irritação, o que seria péssimo em um presidente da república.
Acredito, porém, pessoalmente, que J. Barbosa, justamente por ser um homem inteligente, de longa visão e bem intencionado, burilado no atrito político com seus colegas do Senado  — em que divergências são quase diárias —, imediatamente perceberá que uma grande dose de paciência é imprescindível ao homem público de país democrático. Sendo mais paciente, ou cortês, muito terá a ganhar e nada a perder, com isso ajudando o país, sua verdadeira meta, presume-se. Nelson Mandela, com seu estilo amigável conseguiu desarmar até seus inimigos brancos que o mantiveram em prisão por mais de um quarto se século.
Paciência, ou cortesia, embora “seca”, que não impedirá J. Babosa de continuar inabalável no seu propósito de melhorar a Justiça de seu país, recuperando o razoável prestígio que chegou a existir algumas décadas atrás. Se ele conseguir, como senador, “sanear” razoavelmente, nossa legislação, o presidente da república, no quadriênio 2019-2022 — que até poderá ser ele mesmo, dependendo de sua atuação no Senado — poderá governar o país com muito mais facilidade e racionalidade.
Finalmente, o problema do “mensalão”,  caso J. Barbosa pretenda encerrá-lo totalmente, antes de se aposentar, após o que ingressaria na política.
Em razão da desfuncionalidade e permissibilidade da nossa legislação processual, não vejo como se possa ter certeza — com tantos recursos, agravos, mandados de segurança e “habeas corpus  disponíveis — de que o “mensalão” estará encerrado no início de abril, prazo para J. Barbosa ingressar em um partido. Como presumo que o mensalão não estará encerrado até essa data, o possível futuro senador deixará de contribuir, por vários anos, no aperfeiçoamento de nossa legislação.
Há, ainda, um outro problema. Se S. Exa. se aposentar e se candidatar, em tempo, a senador, sua substituição na presidência do STF obviamente será festejada com rojões pelos condenados no mensalão. Isso porque o fator pessoal sempre exerce forte papel na presidência de toda corte de justiça. A vaga de J. Barbosa será preenchida, certamente, por jurista afinado com a filosofia política e partidária de quem o nomeou, como ocorre em todos os países em que cabe —absurdamente — ao presidente da república escolher, à vontade, os ministros da corte máxima.
Um único voto, o do ocupante da cadeira que foi de J. Barbosa, pode reverter substancialmente, a sorte dos condenados do mensalão. Se, eventualmente, na expressão popular, tudo “resultar em pizza”, por causa da substituição, J. Barbosa será acusado por esse infeliz resultado. Inclusive pelos eufóricos soltadores de rojões, contentes com sua “saída do caminho”.
Como visto, J. Barbosa, para “complementar” sua dor na coluna, ficará, até o início de abril, “entre a cruz e a caldeirinha” (origem da expressão: os moribundos ficavam com a cabeça perto de um crucifixo, e os pés perto de uma caldeira com água benta. Ou ficará  “entre a cruz e a espada”, imagem forte, certamente de sua preferência como homem de origem humilde que não teve medo das dificuldades que o cercavam. Qualquer decisão sua será criticada, conforme o interesse do crítico.
Arrisco prever uma solução para o árduo dilema: se  o Min. Joaquim Barbosa prometer, púbica e solenemente, que deixará o STF — caso o mensalão transite em julgado antes de 4 de abril deste ano —, é provável, e também sábio, que os réus ainda com direito a embargos infringentes, e outros, até desistam de seus recursos e agravos, aceitando o trânsito em julgado.  Isto porque, com a saída de J. Barbosa a balança da justiça, com nova direção e nova composição do Supremo, se inclinará a favor dos réus, nos detalhes incômodos de execução da pena.
Se a presidente Dilma for reeleita, nada impedirá que, sentindo-se “legitimada pelo voto popular”, use, pouco depois, o poder de conceder a graça, prevista na Constituição. Porém, com o “treino” político e legiferante, J. Barbosa aumentará, em muito, sua chance de enfrentar e derrotar o PT na decisiva eleição de 1918. Ninguém será mais experiente que J.  Barbosa, que foi negro pobre, promotor, magistrado e senador e, além do mais, tornou-se um homem enérgico e cordial.
Vou procurar me manter vivo até dezembro de 2018, só para ver se minha profecia foi certeira.
(19-02-2014)

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