sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Política municipal, Russomano e uma lei que falta



A política partidária nunca me atraiu. Menos ainda a municipal, embora, por ser mais concreta, seja a que mais nos afeta no dia-a-dia, em termos de trânsito, lixo, barulho, inundações, iluminação, segurança, etc. Isso sem mencionar a exiguidade intelectual dos assuntos. Não exigindo, a campanha, muita leitura — nem falemos em escolaridade... — por parte dos milhares de candidatos a prefeito e vereador, qualquer ambicioso vê em tal política sua chance de ”subir na vida”, bastando ter amigos ou fregueses na vizinhança.

Um candidato a deputado federal ou senador precisa, pelo menos, falar direito. O caso “Tiririca” não conta. Foi voto irônico de protesto que, por exceção, pode até ter sido útil porque houve um só eleito com esse fim e a vida política é tão recheada de inverdades que a inocência dele — se acompanhada de bons sentimentos, só o tempo dirá — pode trazer à luz práticas censuráveis que costumam ficar acobertadas. Na conhecida fábula do “rei nu” foi um menino inocente quem denunciou a nudez do rei, não obstante todos os cortesãos elogiassem a diafaneidade das vestes reais.

Não obstante a falta de interesse pela política municipal, em geral, sinto-me no dever de, como mero eleitor, dizer alguma coisa sobre a próxima escolha para prefeito na cidade de São Paulo. Isso porque nesta imensa cidade  — sem contar toda a região metropolitana, com quase vinte milhões de habitantes — moram mais de dez milhões e oitocentos mil pessoas. Uma cidade com mais habitantes que Portugal, Grécia, Tunísia, Bélgica, Noruega, República Checa, Bolívia, Hungria, Suécia, Israel, Paraguai e muitas outras nações, cuja lista seria imensa.

Essa dimensão populacional, acrescida de sua enorme riqueza e importância cultural torna a eleição para prefeito um degrau importantíssimo para o desenho político estadual e federal. Ser prefeito de São Paulo é muito mais importante que ser governador em várias unidades da federação. Não é à-toa que tarimbados políticos de envergadura federal, com conhecidas ambições presidenciais, empenham-se para conquistar u’a “mera” prefeitura. Sabem que, se bem sucedidos no governo deste especial “município-país”, suas chances para presidente da república aumentam consideravelmente.

É por isso que abordo aqui a candidatura de Celso Russomano à prefeitura de São Paulo.

Russomano, por acaso, não tem qualidades? Como indivíduo é óbvio que tem. Não somente aqueles valores filosóficos, teóricos, atribuídos a todo ser humano. Ele é jovem, esperto, bem informado, bom psicólogo e corajoso. Só tem um único pavor: o de dizer alguma coisa politicamente incorreta, com isso perdendo votos. Nisso, porém, é igual a qualquer outro candidato, em qualquer parte do mundo. Pouco sei — com certeza —, sobre seu caráter, seu grau de retidão, de escrúpulos. E agora é tarde para formar um juízo seguro porque, estando ele no topo das intenções de voto, seus adversários certamente tenderão a exagerar suas falhas ou eventualmente mentir.

Celso Russomano é, como disse, combativo e dotado de especial acuidade no perceber o que motiva os eleitores. Em política essa psicologia vale mais que saber latim, grego, alta matemática ou sutis filosofias políticas. Essa habilidade — como lidar com as pessoas — aprende-se “nas ruas”, no convívio humano, não em livros e ele já tem um longo treino nessa área porque atuou, ativa e agressivamente, na defesa do consumidor. Enfrentou comerciantes irados e à beira da violência física. Isso lhe foi positivo, como treino de coragem. Winston Churchill dizia que a coragem era a virtude mais importante num político porque sem ela as demais virtudes não ousam se manifestar.

Em suma, audácia e rapidez mental — ou esperteza, uma das formas de inteligência — não faltam a esse candidato. Sobre essas qualidades o velho Bismarck dizia que quando lidava com cavalheiros ele era cavalheiro e meio, mas quando lidava com patifes, era patife e meio. Russomano sabe como se defender sozinho e isso também ajuda qualquer político a governar.

Menciono agora o lado perigoso, em tese, de sua candidatura: algum poderoso manipulador da Bíblia que o apoie esperando talvez obter, depois de sua eleição, generosas benesses municipais. Pelo que diz a mídia, Russomano mostrou-se favorável a “uma igreja em cada esquina”, frase que deve ter inflamado os neurônios de alguns ambiciosos, adeptos da fórmula “fé + dinheiro = estamos ricos!”, Depois complementou, em nova entrevista, com um “desde que para pregar o bem”. Por mera “coincidência” — aspas minhas — tais “megatemplos” só poderão ser construídos, em “cada esquina” por igrejas que arrecadam dinheiro com espantosa velocidade. O leitor certamente conhece quais as seitas  — entre muitas — que arrecadam com inegável ganância, abusando do fiéis mais ingênuos e  por isso em condições — elas, igrejas —, de arcar com os altos custos desses empreendimentos.

Atenção: não vai aqui uma genérica crítica aos evangélicos. Muito menos aos fiéis, os praticantes sinceros. Quanto a seus líderes, há evangélicos e evangélicos. Sérios ou gananciosos. Há que distinguir entre chefes religiosos respeitadores da ética e aquelas claramente interessadas apenas em extrair dinheiro dos fiéis, tirando proveito de algo que deveria ser encarado como uma dimensão nobre do ser humano: atração pela espiritualidade e aperfeiçoamento de sua alma e conduta.

Como não frequento igrejas, sei apenas que há grande variação entre credos no que se refere à maneira como pedem doações de seus fiéis. Toda igreja precisa delas para poderem subsistir. Isso é inevitável e razoável. O que é criminoso — hoje impune — é coagir espiritualmente os fiéis, abusando de sua boa fé. Algumas igrejas pedem timidamente, apenas passando uma sacola ou algo equivalente. Outras fazem o extremo oposto: exigem o máximo de dinheiro possível, até automóveis e imóveis. Não coagem com um revólver, mas ameaçam com algo talvez equivalente, em quem nisso acredita: o fogo do inferno, descrito com o máximo de horror possível. Dizem aos hesitantes que não são obrigados a doar mas caso não o façam, essa “ingratidão” não será esquecida por Deus que, vingativo e de excelente memória, o punirá ainda em vida, e depois. Como o fiel, se pouco instruído, já foi devidamente doutrinado para confiar em tudo o que diz o seu pastor, ele prefere abdicar de seus bens, já escassos, a ofender o Senhor.

Menos de um mês atrás, mudando de canal, ao acaso, no controle remoto da televisão, assisti uma exibição explícita e gritante do abuso da credulidade pública. Um verdadeiro estelionato religioso. Não assisti o início do programa, só descrevo o que vi e ouvi.

Em imenso salão de um templo, cheio de fiéis,— não me lembro do nome da igreja mas não era a da Igreja Universal do Reino de Deus — um pastor, cujo nome não gravei, convocava casais e pessoas doentes para subir ao palco e relatar como tinham melhorado de vida e de saúde depois que passaram a frequentar aquele templo. Inicialmente, foram chamados ao palco casais que antes viviam infelizes e pobremente mas que, depois da “conversão”, nadavam em felicidade amorosa e financeira. Depois disso, foi chamado ao palco um homem que alegou estar com “lepra” na perna, entre o joelho e o tornozelo. Essa “lepra”, dizia ele, causava coceira e, salvo engano, dizia que também doía. Aliás, o “doente” pouco falava. Quem falava por ele era um pastor que, aos berros, mais endemoniado que o próprio Lúcifer, expulsaria, assustado, não só o demônio como também legiões. Pondo a mão por cima da calça do homem, sobre a “chaga”, invocou o poder divino e garantiu que naquele exato momento o doente estava sendo curado. Outros fiéis, presentes no palco, colaboravam pousando a mão na cabeça do “doente”. Perguntando ao “leproso” se ele já sentia a cura o “hanseniano” respondeu que sua “lepra” já não “coçava”.

Para começo de conversa, a hanseníase não ataca apenas uma parte do corpo, no caso a perna. Além do mais, não existe “lepra” localizada e que se manifesta por “coceira’. O que ocorre, nessa moléstia, é justamente o oposto: a insensibilidade em regiões da pele. Tudo a demonstrar que esse tipo de propaganda do divino nem mesmo se preocupa com um mínimo de verossimilhança. Os desprotegidos fiéis são tratados como boçais e sugados em suas minguadas posses. Tudo impunemente.

Pessoas que abandonaram algumas organizações religiosas — e o fizeram porque estavam decepcionadas com a ganância de sua direção — afirmam que nesses cultos já estavam presentes despachantes encarregados das providências burocráticas necessárias para transferir a propriedade de automóveis dos fiéis para a organização “religiosa”. Outras afirmam que certas seitas pagam boas quantias para quem prestar seu depoimento dizendo que tinham tal ou qual doença e foram curadas pelas orações.

Não é raro que fiéis, julgando-se “saqueados” por práticas semelhantes, procurem a justiça tentando recuperar seus bens mais valiosos, transferidos após habilidosa “lavagem cerebral”.

Por falar em justiça, a imprensa brasileira precisa, urgente, de uma lei que lhe permita criticar o que precisa ser criticado sem o risco de suportar o ônus de múltiplas ações de indenização por dano moral. Com a atual legislação há um “truquezinho” astuto que consiste no seguinte: quando, por exemplo, uma organização inescrupulosa, laica ou religiosa, se vê criticada em jornais e revisas — e criticada com fundadas razões — o que ela faz para intimidar a imprensa? Move inúmeras ações de indenização por dano moral, em inúmeras cidades onde são vendidos os jornais e revistas. O jornal, ou revista, precisando se defender, terá que contratar dezenas de advogados, em distantes cidades de todo o país. O gasto do jornal pode, por isso, tornar-se proibitivo. Se não contestar a ação, será considerado revel, presumindo-se, legalmente, que confessou o dano alegado pela organização desonesta.

Essa forma abusiva de utilização da indenização por dano moral já foi mencionada, anos atrás, por um jornalista de grande valor, Carlos Alberto Di Franco, mencionando que, por vezes, tais ações eram movidas em comarcas que só poderiam ser acessadas por barco. Mesmo que o órgão de imprensa peça a um dos juízes a reunião dos processos, dificilmente será atendido porque o magistrado dirá que as várias ações estão em diferentes estágios de processamento. Como o órgão de imprensa — defendendo-se em inúmeras comarcas — não pode arcar com tanta despesa o resultado só pode ser um: não publica mais nada, que seja grave, contra a organização perniciosa. Sairá caro demais.

Urge, portanto, que essa futura lei diga, expressamente, que quando algum órgão de imprensa for processado em vários foros, por dano moral, resultante de mesmas matérias, a ação de indenização será ajuizada no foro em que se localiza sua redação principal. Uma só ação para julgar todos os pedidos conexos.

Mas será preciso ainda dois detalhes legais para garantir a liberdade de imprensa responsável, aliás exigíveis em toda ação de indenização por dano moral: que o autor da ação mencione, na petição inicial, a quantia que exige a título de dano moral. Terá que mencionar uma cifra. Não basta deixar a critério do juiz fixar uma quantia qualquer, que pode, eventualmente, ser elevadíssima, conforme a mentalidade do juiz.

É regra elementar do Processo Civil que o juiz não pode dar mais do que foi pedido. A menção de uma cifra, no pedido, na petição inicial, não pode ser ultrapassada pelo juiz. Quando esse “teto” indenizatório for baixo o réu pode até preferir não se defender, ou fazer um acordo, porque com a contratação de advogado pode gastar mais do que aquilo que foi pedido. Se não for pedida uma quantia exata, a título de dano moral, o réu, imaginando que a condenação será mínima, talvez nem se defenda. E quem sabe será surpreendido com uma condenação impressionante. Exigindo, essa sugerida lei, que a inicial mencione a indenização pedida, o autor da ação será mais moderado e equilibrado no estimar o grau de sua “dor moral” porque, eventualmente perdendo a ação, será condenado a pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, estes sempre proporcionais ao valor dado à causa.

Enfocando a situação da imprensa que se vê processada por dano moral, a lei, agora sugerida, deverá permitir que o órgão de imprensa, quando citado, possa não apenas contestar a ação como também entrar com reconvenção — para quem não sabe: um instituto processual civil que permite que o réu possa não só se defender como também contra-atacar, no mesmo processo — pedindo dano moral no mesmo valor mencionado na petição inicial do autor. Com isso, a imprensa honesta seria menos coagida a silenciar, mesmo sendo verdadeira. A organização perniciosa, tendo que mencionar, na inicial, a quantia desejada a título de indenização, e sabedora de que poderá perder a demanda — caso o órgão de imprensa tenha agido de boa-fé — pensará três vezes antes de mover ações por dano moral contra a imprensa. Se a empresa criticada na reportagem pedir um milhão de indenização e o jornal, em reconvenção, pedir essa mesma quantia, esse potencial “perigo” financeiro esfriará o ânimo da empresa criticada quando ela sabe que o jornal apenas disse a verdade.

Pergunta-se: por que sugere-se, aqui, que é necessário que a própria lei mencione o direito do jornal (ou revista), de pedir, em reconvenção, o mesmo valor mencionado pelo autor da ação, em legítimo “fogo de encontro” simultâneo?

Porque, em tradição doutrinária, qualquer pedido de indenização — seja ele de dano material ou moral — só pode ser ajuizado depois de longamente comprovado, em juízo, o dano sofriso. Em tese, segundo a doutrina atual — que ignora nossa longa demora na prestação jurisdicional —, um jornal que fez críticas justas a alguma organização e por isso foi processado — saindo vencedor na ação —, só poderia processar essa organização, também por dano moral (abalo do prestígio como jornal) depois de transitada em julgado a ação anterior, movida contra o jornal. Isso porque é preciso haver certeza comprovada de que o jornal não mentiu na sua matéria. Se mentiu, se a organização criticada tinha razão ao processar o jornal, este não terá como alegar que sofreu um dano moral. Estava errado e deve pagar o prejuízo. Com esse raciocínio legal, o órgão de impressa — que foi verdadeiro na reportagem, insista-se — teria que esperar vários anos o trânsito em julgado da ação em que foi réu para só então poder ajuizar uma ação de dano moral contra a organização que o processou injustamente. Para receber, efetivamente, uma indenização teria que suportar duas longas esperas: a demora de dois processos judiciais.

Por que é assim, com a atual legislação? Porque todo pedido de indenização refere-se a algo acontecido no passado. Não existindo uma lei específica permitindo a reconvenção simultaneamente com a reconvenção, nas ações de dano moral, um juiz poderá indeferir, liminarmente, a reconvenção alegando que  esse dano moral sofrido pelo jornal não pode ser “automático”, só porque alguém moveu uma ação contra o reconvinte. Despacharia, o juiz, que “todos têm o direito de acesso aos tribunais, inclusive contra a imprensa, e esse direito constitucional não poderia ser cerceado com um pedido de reconvenção ‘só porque’ foi citado em uma ação”. Dirá que será necessário esperar o término da ação movida contra o jornal para só depois — comprovado em juízo seu dano moral, como órgão de imprensa (sofrendo um processo injusto) — mover sua ação, também por dano moral, contra quem o processou e perdeu a causa. Em suma: talvez uma década depois de uma primeira demanda.

Por que não abreviar a pendência, permitindo que o jornal se defenda pedindo a mesma quantia pedida pela pessoa física ou jurídica que o processa? Quem ganhar leva o milhão, na hipótese de ser esse o valor exigido.

Há uma máxima do francês Voltaire que gosto de lembrar: ”A vantagem deve ser igual ao perigo”. Quando não há consequências (perigo) contra o abuso (vantagem) este tende a aumentar. É preciso que organizações e pessoas perniciosas pensem três vezes na vantagem da intimidação antes de silenciar a imprensa usando ameaças de um ou vários pedidos de indenização por dano moral.

Justiça, em qualquer de seus ramos, em que não há nenhum risco financeiro do postulante, acaba abusada. Consequentemente, desprestigiada. Inclusive pela quantidade de ações em que o autor sabe que não tem nada a perder, caso não comprove o que alega. “Vamos ver no que dá, processando Fulano. Se eu perder, nada acontecerá comigo” é um tônico para o abuso. Embora nunca tenha trabalhado na Justiça do Trabalho, parece-me, por queixas que ouvi, que existe essa mentalidade de mover reclamações trabalhistas visando apenas ganhar “algum” na tentativa de conciliação feita pelo juiz no início da audiência.

Espero que alguma organização de defesa da imprensa leia a presente sugestão, aprimore-a e, sobretudo, aja. Seu conteúdo talvez possa se aplicar à mídia em geral. Como a mídia eletrônica tem suas particularidades técnicas, que não conheço bem, não me convém falar a respeito.

(20-9-2012) 

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