quarta-feira, 27 de junho de 2012

Assessores (tributários) para juízes e duas sugestões

               O CNJ discute a pertinência de procuradores da Fazenda Nacional atuar como assessores de juízes e desembargadores federais no julgamento de questões tributárias. Tal prática, segundo a mídia, já é autorizada por lei federal mas somente nos tribunais superiores. A OAB-RJ discorda, alegando que essa assessoria quebraria a igualdade entre as partes. 

Com o devido respeito ao posicionamento da combativa OAB-RJ, essa assessoria “estendida” faz-se necessária, de um ponto de vista abrangente, visando a economia do país como um todo. E se fosse complementada com duas alterações legislativas — referida na parte final neste artigo — o problema do vergonhoso atraso no pagamento dos precatórios seria totalmente, ou em grande parte, solucionado. O benéfico efeito ocorreria também, posteriormente, para os contribuintes que pagam seus tributos em dia e só se prejudicam, economicamente, com essa postura obediente — embora revoltada — à legislação tributária. Millôr Fernandes já disse, talvez com outro fraseado, que quem, no Brasil, anda na linha, será atropelado por uma locomotiva. No caso, tributária. 
A excessiva carga fiscal — dos que pagam, subentende-se... — é, em parte, fruto da ineficiente legislação processual que permite, a grandes devedores, reter, por longo tempo — via infindáveis recursos —, uma riqueza que deveria ter sido distribuída, bem antes, entre todos os cidadãos. Como não é, o peso do gasto público cai todo nas costas dos mais “certinhos”. Se todos pagassem seus tributos, no tempo certo, a carga de cada um seria menor. Esqueçamos, porém, as generalidades e examinemos a argumentação. 
Everardo Maciel, respeitadíssimo consultor tributário que foi Secretário da Receita Federal, de 1995 a 2002, escreveu um artigo, “As raízes da corrupção no Brasil” (jornal “O Estado de S. Paulo” de 02—01-12, pág. B-2) dizendo que “Hoje, os débitos inscritos na Dívida Ativa da União ultrapassam a espantosa soma de R$1trilhão. Evidentemente, há algo errado nesse processo”. 
Imaginemos, pessimistamente, que pelo menos metade desse crédito esteja de acordo com a legislação. Com meio trilhão de reais arrecadados, só na área federal, o débito de precatórios poderia talvez desaparecer ou diminuir sensivelmente. E a carga fiscal, como já disse, dos que realmente pagam — principalmente os assalariados que não têm como escapar — poderia ser diminuída. 

É bastante injusto, ou desproporcional, que basta ganhar salário de quatro mil e poucos reais para ser obrigado a um desconto de 27,5% de Imposto de Renda. Isso sem mencionar o desconto previdenciário. Em contrapartida, milhões e milhões de reais deixam de ser recolhidos aos cofres públicos porque milhares de transações, de grande, médio e pequeno vulto, conseguem engenhosamente escapar da legislação. E quando não conseguem e a cobrança chega ao judiciário, a ingênua legislação processual permite ao devedor — calculando o custo/benefício — retardar, por muitos anos, — o pagamento. Quanto mais complexa a questão, maior a demora e a possibilidade de um erro decisório que possibilitará recursos — até mesmo procedentes —, da parte interessada em retardar o processo; normalmente o contribuinte. E tendo razão, mesmo mínima, em seu recurso, o contribuinte não poderá ser considerado litigante de má-fé porque, afinal, tinha razão ao recorrer, mesmo que diminuto o engano de uma quantia mencionada na decisão. 

Como se vê, seria muito útil à comunidade que desde a decisão de primeira instância, esta fosse a mais impecável possível. Se os Tribunais Superiores já contam com a assessoria de procuradores fiscais, essa assessoria deveria, com mais razão, estar disponível bem antes, no “ovo” do processo. 

O leitor pode estar se perguntando: —“Qual a necessidade de assessores para magistrados, em qualquer instância? Eles não são formados em Direito? Essa necessidade de assessores não seria uma confissão de fraqueza profissional, de conhecimento de um ramo do Direito que todos os magistrados deveriam conhecer a fundo? 
A explicação, realista, é simples: nossa legislação é extremamente complexa, extensa, mutável e por vezes contraditória. A própria aridez da matéria tributária desestimula o estudo profundo e agradável de muitos magistrados que preferem conviver com temas intelectualmente mais atraentes. Imagine-se o maior jurista da área penal, ou processual civil, ou constitucional, que seja nomeado Ministro do STF. No momento de julgar, durante alguns meses, complexos litígios tributários, vai se sentir meio perdido. Para não ter que se socorrer sempre do auxílio didático de um colega — que poderia “influenciá-lo” sem querer, na votação — seria melhor que, quando ainda em dúvida, após leitura dos autos, pedisse esclarecimentos tópicos a um assessor com longo tirocínio em questões fiscais. Mesmo que o assessor esteja, involuntariamente, “com a boca torta pelo uso do cachimbo”, suas explicações serão submetidas ao crivo da indispensável desconfiança do magistrado. Este, quando precisa de um assessor geralmente é para melhor conhecer a “mecânica” do negócio tributado e da própria fiscalização. Depois de conhecida o “modus operandi”, já não é tão difícil entender o objetivo da legislação minuciosa. O mesmo acontece quando a questão exige forte conhecimento da informática.
A mídia já mencionou, poucos anos atrás, que nos julgamentos envolvendo problemas de informática na Suprema Corte dos EUA percebia-se — não sei se isso ainda ocorre — uma certa dificuldade dos Ministros em entender alguns argumentos, quando da exposição oral do advogado, já tarimbado, de longa data, no conhecimento do problema do cliente. Essa falta de compreensão exata da questão pode gerar uma injustiça irreparável porque não caberia, no caso, mais recurso. 
Não é de agora a menção, pelos grandes tributaristas brasileiros, de que nossa legislação fiscal é complexa e às vezes confusa. Um grande jurista da área já usou a expressão “carnaval tributário”. Essa “confusão” favorece o devedor que, mesmo, eventualmente podendo pagar o tributo, prefere investir seu dinheiro na ampliação de seu negócio, contando com alguma futura anistia, com prestações a perder de vista. 

A OAB – RJ argumenta que a ajuda aos juízes, por parte de assessores implicaria em quebra de igualdade entre as partes. Na verdade, a presença de tais assessores busca justamente diminuir a desigualdade entre as partes, pelo menos nas questões complexas envolvendo grandes quantias; justamente aquelas que, somadas, explicariam o espanto “trilionário” do consultor Everardo Maciel. 
Grandes devedores dispõem da nata intelectual da advocacia tributária e da ciência contábil. Onde há muito dinheiro em jogo ali atuam grandes inteligências. E os juízes que vão julgar tais casos estão sobrecarregados na condução de milhares de processo, não podendo dedicar enorme tempo para cada uma das demandas que chegam às suas mãos. Além disso, como observa o referido artigo de Maciel, “...os processos inscritos em Dívida Ativa não são adequadamente preparados, no pressuposto de que os magistrados responsáveis pelas varas de execução fiscal supram as deficiências originais”. Ora, quem deve suprir essas deficiências é o próprio Fisco. E quem já trabalhou nessa área — agora assessor de juiz —, terá melhores condições, familiaridade, e tempo, para verificar se os processos foram devidamente preparados, alertando o juiz antes que a falha surta efeito anulatório quando o processo já avançou demais. 

Se, na pior hipótese, o assessor — violando seu dever legal de ser mais fiel ao juiz que ao fisco — tiver influenciado demais o juiz na sua decisão, quando do julgamento do recurso a decisão será reformada, não havendo prejuízo para o devedor. A demora decorrente do recurso contra a decisão errada até mesmo beneficia — financeiramente, com a simples demora —, o contribuinte, que usou seu dinheiro de forma mais lucrativa que pagando tributos. 
Concisamente, mencionaremos agora, em termos gerais, duas medidas legais — tremendamente polêmicas, mas adequadas — que teriam enorme utilidade para distribuir com mais justiça, o peso da despesa pública. 

A primeira: Ou transformar em lei a sugestão do Min. César Peluso, encerrando o processo de conhecimento com o julgamento do caso na segunda instância (o inconformado com a decisão poderia, depois, se fosse o caso, mover ação rescisória). É uma proposta sensata mas que parece não contar com suficiente apoio do Congresso). Ou adotar a “sucumbência recursal”, pela qual em todo recurso processual cível haveria a imposição de nova sucumbência — contra a parte vencida no recurso ou, no mandado de segurança com efeito de recurso —, no valor mínimo de 5% do valor da casa. Isso desestimularia o uso de recursos protelatórios. Esclareça-se que a lei instituindo a “sucumbência recursal” diria que o recorrente poderia ser dispensado de nova condenação em honorários quando o Tribunal considerasse que o caso merecia um reexame, mesmo o recorrente tendo perdido o recurso. 
A segunda proposta, ainda mais polêmica, mas certíssima, pelo alcance e simplicidade: a lei obrigaria que em todo pagamento, com cheque ou cartão (de crédito ou débito), um determinado percentual da quantia paga — digamos meio ou um por cento — fosse debitada na conta do recebedor da quantia. Em compensação — em compensação, calma, leitor! — três meses depois de instituído esse sistema de arrecadação, o governo reduziria a carga fiscal federal, hoje existente, na mesma proporção do aumento de arrecadação ocorrida com essa nova proposta da falecida “lei do cheque”. 
Qual a justificativa para essa alteração legislativa? É que essa lei revelaria o verdadeiro fluxo da riqueza expressa em dinheiro. O imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas seria reduzido e não veríamos inúmeros casos de pessoas riquíssimas que pagam — quando pagam... —, quantias mínimas à Receita. Alguém dirá que os mais espertos optarão para só transacionar com dinheiro vivo. Esse engano terá curta duração porque os assaltantes também são “vivos” e o transporte de grandes somas em sacos, malas e pastas se tornará muito arriscado. 

Lendo notícias, em jornal, sobre a venda de imóveis (hoje baratos) na Flórida, um detalhe que me impressionou: os brasileiros são os maiores compradores e, “curiosamente” preferem pagar o preço com dinheiro vivo, não com cheques, como seria o usual. Tanto dinheiro em forma de verdinhas é um bom indício de sonegação. 

Para finalizar, esse novo “imposto do cheque e cartão” teria a vantagem de ser insonegável, preservando da virtude de todos os funcionários públicos que mexem com dinheiro. 
Sei que a proposta acima assusta, e até revolta, mas se houver uma campanha de esclarecimento, por parte do governo, e a população tiver certeza — certeza! — de que seu imposto de renda será substancialmente diminuído — podendo essa diminuição ser estendida a impostos estaduais e municipais, o apoio à novidade superará a rejeição. Contribuintes que hoje pagam religiosamente seus impostos deveriam apoiar essa alteração legislativa, porque, como já disse antes, se todos pagassem tributos, todos pagariam menos. 

(27-6-2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário