segunda-feira, 12 de março de 2012

Os mistérios políticos do Oriente Médio

Os mistérios políticos do Oriente Médio

Se existe o perigo de uma Terceira Guerra Mundial — e existe mesmo — a ponta do estopim da explosão localiza-se no Oriente Médio. Esse perigo está materializado, em carne e osso, em duas figuras mundialmente bem conhecidas porque estão na mídia de todos os dias: Benjamin Netanyahu e Mahmoud Ahmadinejad.

Historiadores podem ser classificados em dois grupos principais: aqueles que valorizam muito mais as “condições objetivas” dos países — sua história, a política, a geografia, a economia, os movimentos sociais, as religiões, a índole do povo, etc. — do que as características individuais dos seus líderes, os “homens decisivos”: ditadores ou democratas de forte personalidade, capazes de moldar nações ou criar impérios.

Já os historiadores mais propensos a valorizar a Biografia que a Geografia pensam o contrário. Argumentam que se “Fulano de Tal” não houvesse nascido o mundo seria totalmente diferente. Diriam: — “Como seria a história do planeta se não tivessem existido Alexandre, Júlio Cesar, Marco Aurélio, Constantino, Pedro (o Grande), Gengis Khan, Átila, Napoleão, Washington, Lincoln, os dois Roosevelt (Theodor e Franklin), Lenine, Stálin, Gorbachev, Mao, Gandhi, Hitler, Adenauer, Churchill, Mandela, Ben Gurion, Al Arafat e outros políticos que realmente alteraram — para o bem ou para o mal — os rumos da História Universal?”.

De minha parte, valorizo muito mais a biografia que a geografia. No tempo de Alexandre, o Grande, por exemplo, a Grécia não precisava conquistar o globo para continuar existindo. Megalomania, em escritor ou atleta, pode até resultar em Prêmio Nobel de Literatura ou Medalha Olímpica — conforme o caso —, mas, em político, o resultado mais usual é a desgraça, o sofrimento tanto para os povos conquistados quanto, depois, para o país conquistador. Hitler, na década de 1930, queria o milênio de supremacia racial ariana, projeto de foi para o brejo em 1945. Curtíssimo sonho de “grandiosidade”.

Netanyahu e Ahmadinejad são dois nomes que provavelmente integrarão (com nota baixíssima, até agora) a seleta relação acima, quando historiadores do futuro fizerem suas avaliações sobre essas ilustres e pouco lúcidas figuras. Como todo ser humano comporta alguma imprevisibilidade, somente depois de ambos mortos e queimados — em crematórios normais ou fogo nuclear — é que poderão ser julgados, moral e intelectualmente. Penso que nenhum dos dois tem plena consciência do que acontecerá nos meses e anos seguinte ao ameaçador ataque israelense contra as instalações nucleares iranianas.

A utilidade de Netanyahu e Ahmadinejad, hoje, é praticamente nenhuma, exceto para a venda de jornais, projeções de lucros mirabolantes da indústria armamentista, remuneração de articulistas de grandes jornais — raramente imparciais — e o anedotário internacional. Mas, como disse, a esperança é como o gato — tem nove vidas — e pode, em tese, ocorrer uma súbita “revelação” sobrenatural que ilumine um pouco essas duas cabeças. Algo assim como um sonho, ou “aviso” fantasmagórico que até os derrube da cama, puxados pelos cabelos por, respectivamente, Moisés e Maomé, mil vezes mais sábios do que eles e certamente, hoje, grandes amigos. No Paraíso, esses grandes profetas tiveram tempo de sobra para trocar idéias, chegando à conclusão — arre! — de que o objetivo de ambas as religiões é coincidente: melhorar o ser humano. Por isso os profetas gritarão indignados para os dois vivos: “Pensem um pouco, malditas crianças grandes! Procurem entender o outro, não intimidação e a morte! Releiam a os livros sagrados, segundo a intenção deles! Não foi isso que pregamos, seus analfabetos funcionais!”

Diariamente, os jornais mencionam que Ahmadinejad viola suas “obrigações internacionais”. Que “obrigações internacionais’ são essas? Resposta: abster-se de fabricar bombas nucleares. Consequentemente permitindo aos inspetores da AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica que examinem in loco se as atividades nucleares são para fins pacíficos ou militares. E por que a AIEA tem esse direito de inspeção? Porque o Irã, em 1968, quando era governado pelo Xá da Pérsia, Reza Pahlevi (grande amigo dos americanos), assinou o TNP – Tratado de Não Proliferação Nuclear, que entrou em vigor em 1970, assinado finalmente por 188 países.

A preocupação, justa — em tese —, da Não Proliferação era evitar o que está claramente expresso no título do tratado: diminuir, ao máximo, a difusão da técnica de fabricar armas que, usadas em grande escala, poderão até mesmo extinguir a vida na face da Terra. O que explica, então, que os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU mantenham o privilégio de usufruir essas poderosas armas que nem precisam ser utilizadas para impor respeito aos demais países — tenham eles, ou não, tais armas?

A explicação é simples. Primeiro, porque sem esse privilégio das grandes potências o TNP não teria sido sequer votado. Todos os países fortes desconfiam dos demais. Os fracos também desconfiam mas nem podiam — então e ainda agora —, se dar ao luxo de protestar contra essa evidente prova de desigualdade de direitos na área internacional. Segundo, porque dificilmente um país vai ser louco de atacar, com armas nucleares ou convencionais, um país capaz de reagir rapidamente com armas desse porte. Se ambos os países usarem armas nucleares os dois, vencedor e vencido, sofrerão com a loucura. Milhares, ou milhões, morrerão na hora; outros milhares morrerão lentamente, vítimas da radiação. Foi por isso que, paradoxalmente, EUA e União Soviética — potências atômicas — viram-se forçados a travar uma guerra apenas “Fria”, de espionagem e jogo de influência, após terminada a 2ª. Guerra Mundial. Sem um único tiro, que me lembre, nem mesmo de espingarda enferrujada, a mostrar a eficaz e paradoxal utilidade da arma atômica na manutenção da paz, embora uma paz contrariada. Mesmo na carnificina do Vietnã não houve o emprego de arma nuclear porque se o Vietnã não tinha tais armas, a União Soviética as tinha.

Em suma: a mera posse de armas nucleares, mesmo não usadas, é garantia de segurança. Por isso é de interesse do Irã dominar a técnica nuclear porque com ela poderá utilizá-la tanto para fins pacíficos — justificados, porque o petróleo é finito e poluidor — quanto, eventualmente, para fins militares, porque desconfia de possíveis ou reais ambições expansionistas de Israel, demonstradas em sucessivas autorizações de colônias na Cisjordânia, não obstante a Corte Internacional de Justiça já tenha decidido que essa ocupação é ilegal. A Netanyahu não interessa entrar em acordo com a Autoridade Palestina, estabelecendo fronteiras entre dois estados porque com fronteiras, limitativas de espaço, Israel não poderá acolher o máximo possível de judeus que estão em outros países, principalmente nos EUA. Na verdade, hoje os judeus não mais são perseguidos, vivem muito bem, ocupam altas posições na economia e na política e não se justifica que sacrifiquem palestinos só para acolherem, ilimitadamente, irmãos de sangue ou de religião que venham de toda parte.

Como disse acima, o Irã, no tempo do Xá, assinou o TNP. No entanto, esse mesmo documento permite que qualquer país signatário peça sua exclusão, alegando que se sente ameaçado em sua segurança. A única exigência é que peça a exclusão com a antecedência de 90 dias. E há muito Israel faz ameaças de atacar preventivamente as instalações nucleares iranianas, desconfiado das suas intenções armamentistas.

Se o Irã tivesse, há muito, requerido sua exclusão do TNP, já estaria, juridicamente, em pé de igualdade com Israel, que nunca negou possuir robusto arsenal nuclear e está isento de qualquer inspeção da AIEA somente porque não assinou o tratado. Israel sente-se muito confortável porque pode ameaçar sem ser ameaçado seriamente. A ameaça contra Israel é não só hipotética como também futura. Argumenta, claramente, que precisa atacar o Irã antes que ele tenha condições de se defender, o cúmulo da arrogância. Sente-se protegido triplamente: com armas convencionais avançadíssimas, com armas nucleares e com a proteção da maior potência militar e econômica do planeta. Mais segurança do que isso é impossível. O “medo” é mais um pretexto para outros fins.

Israel alega temer que o Irã consiga apressar a fabricação da “bomba” e, sem mais aquela, lança-la contra Israel. Esse “receio” é aberrante ficção porque, fazendo isso o Irã — grande amigo dos palestinos —, acabaria matando também milhares de árabes, tal a proximidade física entre judeus e os árabes em Israel. E um insano ataque desses, por parte do Irã, significaria praticamente a destruição definitiva desse país porque no dia seguinte, ou no mesmo dia, o Irã ficaria reduzido a cinzas radioativas, tal a reação israelense e americana. Poucos meses atrás Netanyahu conseguiu, com Hillary Clinton, um tratado de defesa de tal forma que se Israel entrar em qualquer guerra os EUA o apoiará.

Toda vez que Netanyahu vai aos Estados Unidos, consegue alguma coisa. Pede mais e recebe menos, mas sempre recebe, e não pouco. Dias atrás, não conseguindo “autorização” americana — como se os EUA fossem os donos do mundo — para bombardear, já, instalações nucleares iranianas, conseguiu armas e aviões especiais, capazes de, tudo indica, despejar bombas capazes de perfurar grandes camadas de rocha e destruir laboratórios e fábricas que lidam com material atômico. Tira proveito da necessidade de Barack Obama contar com o apoio do lobby judaico para ganhar a eleição deste ano.

Com esse panorama de perigo, por que o Irã não pede sua exclusão do TNP, podendo fazê-lo? Esse, um dos mistérios referidos no título do artigo. Um outro mistério, que não prestigia a inteligência de Ahmadinejad — para nos exprimirmos em linguagem amena — está na demagógica insistência de que pretende “Varrer Israel do mapa”. É uma idéia louca que pode até lhe render alguns votos, em eleição, mas só atraiu antipatia internacional e ódio de judeus merecedores de máximo respeito, capazes até de sentir alguma simpatia pelos palestinos inferiorizados mas temem a destruição de Israel, um país de quase oito milhões de habitantes. Essa asneira do presidente iraniano era justamente o que os governantes israelitas queriam ouvir, porque, escorados nela, podem dizer, com seu primeiro-ministro, que “Israel tem o direito e o dever de preservar sua própria existência! Tem o direito soberano de tomar suas decisões, de controlar seu destino”.

Tivesse Ahmadinejad um mínimo de habilidade, de argúcia, convocaria a imprensa e diria que já não é mais intenção do Irã destruir Israel, porque isso significaria um Segundo Holocausto, intolerável para o globo e incompatível com a paz que beneficiaria a todos . Admitiria também a existência do Holocausto, algo inegável. Poderia até admitir — dando a impressão de que estaria sendo sincero — que ainda tinha dúvidas quando a quantidade de judeus mortos na carnificina mas que a exatidão numérica, no caso, é irrelevante. Insistiria apenas na questão da injustiça praticada contra os palestinos expulsos ou vivendo pessimamente.

Excluído o Irã do TNP, nenhum jornal poderia mais — sem confissão de ignorância na área do Direito Internacional Público — alegar que o Irã viola “obrigações internacionais”. Não há, ainda, “normas internacionais” porque não há um governo internacional. Há apenas tratados entre países, cada uma mandando no seu próprio terreiro e, se suficientemente fortes, mandando no terreiro alheio. Ou, se muito fracos, não mandando no próprio território. Com o desligamento do TNP o Irã ficaria em pé de igualdade jurídica com Israel, que nunca pôde, tecnicamente, ser acusado de violar as normas internacionais somente porque não assinou o tratado de 1968.

Quanto à Natanyahu, o maio mistério está nele ainda contar com o apoio da maioria de um povo que muito de distinguiu no campo intelectual. Não que, biologicamente, esse povo seja melhor, diferente do resto da humanidade. Destacou-se porque seguiu suas tradições e foi orientado, de pai para filho, para procurar no estudo, no saber, “no livro”, uma compensação contra as perseguições se sofria. Tornaram-se financistas porque essa atividade não era vista com bons olhos pelos cristãos, sempre olhando para o céu. Mas para mostrar que não são apenas movidos pela ganância, os judeus cultivaram e as ciências e as artes, tanto assim que foram premiadíssimos pelo Nobel de Literatura.

Eva Todor, Nathalia Timberg, Ziebinski, Dina Sfat, Clarice Linspector, Adolpho Block, Alberto Dines, Alberto Goldman, André Singer, Arnaldo Niskier, Gilberto Dimenstein, Dustin Hoffman, Woody Allen e Steven Spielberg e Harrison Ford são judeus. Só nessa singela lista de pessoas de caráter e talento, vemos que é impossível encarar os judeus como um povo “ruim”. Se não se opõem, vivamente, contra o político Netanyahu é porque sentem medo, um medo astutamente cultivado por políticos agressivos que contam com ele para se manter no poder. Medo dá voto. Até mais do que o dinheiro.
Não sei se o leitor já ouviu falar na doutrina do “destino manifesto”. Essa “doutrina”, segundo a Wikipédia, esteve em vigor no século XIX e “expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por Deus para comandar o mundo, e por isso o expansionismo americano é apenas o cumprimento da vontade Divina”. Um presidente americano, James Buchanan, no discurso de sua posse em 1857 chegou a dizer que “A expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça (...) e nada pode detê-la”. Uma bobabem dessas não seria repetida hoje, pelo menos de forma tão explicita. Espera-se que Netanyahu não sinta grande admiração por essa doutrina de “destino manifesto”, pretendendo aplicá-la no Oriente Médio.

Nem tudo, porém, está perdido. Netanyahu certamente terá algumas qualidades. E pode, em tese — se tiver coragem suficiente — tornar-se um gênio da construção de um mundo melhor. Basta ousar, propondo à Autoridade Palestina que aceite passar às mãos da ONU a delimitação das fronteiras entre os dois povos e o que fazer com os refugiados palestinos espalhados em países árabes vizinhos. Os dois povos apresentação seus argumento e pretensões a um órgão da ONU decidirá, com base na equidade. Na Jordânia, pelo que sei, centenas ou milhares de palestinos já se integraram na economia jordaniana. Os refugiados palestinos, recebendo uma indenização razoável, poderão — em troca — instalarem-se em diversos países, voltando a esperada paz na região.

Desaparecida a “inflamação aguda” na ferida da expulsão de palestinos o terrorismo islâmico desaparecerá em pouco tempo. E o mundo evitará a auto-destruição. A indústria armamentista vai estrilar, mas ela pode se adaptar, receber alguma compensação pela perda de lucros. Há atividades mais úteis que fabricar máquinas de matar.
(12-3-2012)








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