sexta-feira, 28 de maio de 2010

Coréias. Por que não investigar primeiro?

Como todos sabem, no dia 26 de março último ocorreu uma explosão no navio sul-coreano, “Cheonan”, de 1.200 ton., no Mar da China, resultando na morte de 46 marinheiros. Passado o espanto — qual seria a causa da explosão? — as autoridades sul-coreanas concluíram que o rombo no casco foi provocado por um torpedo. E, examinados alguns fragmentos da arma, essas autoridades “constataram”, junto à hélice de propulsão, que o torpedo era de fabricação norte-coreana. “Consequentemente” — a conclusão rápida da responsabilidade é sempre um perigo... —, o presidente da Coréia do Sul prometeu represálias, caso não houvesse um pedido formal de desculpas por parte do presidente norte-coreano, Kim Jong-il.

Interpelado, o presidente norte-coreano rejeitou o pedido de desculpas, alegando não ter ordenado qualquer ataque ao navio. Respondendo às ameaças de sanções pesadíssimas, de natureza econômica ou militar, prometeu, como é próprio dele, ir à guerra, caso as ameaças se concretizassem. Pouco depois, segundo o jornal “O Estado de S.Paulo”, de 25-5-10, Kim Jong-il propôs enviar a Seul, um “grupo de inspeção” para rever a investigação”.

O presidente da Coréia do Sul, Lee Myung-bak, todavia, rejeitou a sugestão. Agiu mal, porém, dizendo isso. Por que? Porque, em tese, o presidente norte-coreano — apesar de ditador “esquentado” e excêntrico —, poderia realmente não ter autorizado o ataque. Poderia também não estar realmente convencido de que o torpedo fosse de fabricação norte-coreana. Ou, mesmo o sendo, o projétil aquático poderia — caso isso seja tecnicamente possível — ter sido disparado de um submarino não norte-coreano. Ou — continuando o desfile de hipóteses —, ainda isso não ocorrendo, o disparo poderia resultar de um ato de traição, ou suborno, de algum militar norte-coreano, interessado em receber grande quantia em troca do agravamento da já difícil posição da liderança norte-coreana na comunidade internacional.

Em suma, a negativa sul-coreana de permitir a presença de um grupo de inspeção norte-coreana, no exame físico do torpedo, autoriza algumas pessoas, mais céticas, a suspeitar — com razão — que, por detrás do torpedeamento do navio, possa haver uma motivação política ou econômica, sem responsabilidade do governo da Coréia do Norte. Isto porque toda eminência de guerra traz alguns proveitos, políticos, econômicos e militares aos variados “pescadores em águas turvas”, entre eles os fornecedores de armas.

Referidos céticos podem se lembrar do que ocorreu antes da invasão do Iraque. George W. Bush dizia que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. O honrado sueco Hans Blix, “expert” no assunto, disse não ter constatado isso. Bush, com sinceras ou falsas razões, desprezou pareceres e disse que o ditador iraquiano escondia a verdade. Mandou invadir o país e ficou constatado que não havia tais armas. Dá para confiar em “conclusões” de chefes de estado, todos eles inchados de soberania?

Se a comunidade internacional tivesse mais juízo — seus líderes geralmente o têm, mas preferem não usá-lo, em certas situações, porque isso não é vantajoso — deveria, antes de se alvoroçar em discussões sobre como punir milhões de norte-coreanos, mandar investigar o tal afundamento, permitindo, nas investigações, a presença dos norte-coreanos. Mero “direito de defesa”, tão apregoado, só da boca pra fora, nas discussões jurídicas nacionais e internacionais. Se constatado que o torpedo era mesmo norte-coreano e disparado por submarino da marinha comunista, caberia — agora com todo fundamento — à Coréia do Norte o ônus de provar que o disparo ocorreu contra a vontade governamental, em mera sabotagem. Isso não provado, seriam legítimas as sanções.

Alegam, alguns jornais, que o afundamento do navio faria parte da política do ditador norte-coreano, interessado em inquietar a opinião pública de seu país, levando-a, pelo medo, a apoiar a “nomeação” do seu filho caçula como futuro presidente. Essa teoria merece pouca credibilidade, porque com o sufoco econômico da nação comunista — já bastante estrangulada pelo isolamento do regime —, sua população ficaria mais revoltada com a conduta de seu dirigente máximo. Mesmo que a imprensa local seja, toda ela, controlada pelo estado, seria difícil, à população, apoiar a “loucura torpedeante” do “grande líder” que está para sair de cena, velho e doente. Ele, mandando afundar um navio, sem justificativa, estaria também “torpedeando” o futuro político de seu próprio filho.

Quem acompanha a política internacional, cedo ou tarde, chega à conclusão de que não existe, de fato, uma “ética internacional”. Existem, nessa atividade, pessoas realmente éticas, em grande número, mas indivíduos e governos são coisas bem distintas. Isso se constata diariamente, na leitura de jornais e internet.

Governantes, pessoalmente propensos à ética, muitas vezes concluem — talvez até com algum pesar —, que sua ética individual não pode se transformar em ética governamental. Para eles, a “macro-ética” tem características próprias, é apenas prima distante da “micro-ética”, aquela comum, “caipira”, normal, individual.

Se, eventualmente — mera hipótese —, no caso do afundamento da embarcação, houve apenas um “complô” para derrubar Kim Jong-il, o arquiteto da trama pode ter pensado, acalmando a consciência: “ Que importância tem a verdade se, com a mentira, alcançamos um bem maior? Por que não alijar do poder um ditador daninho, doentiamente teimoso, fanático, vaidoso, pouco equilibrado e nuclearmente perigoso? Com sua derrocada, a Coréia do Norte só teria vantagens. Deixaria de ser uma nação de atraso cultural e muita pobreza. Milhões de norte-coreanos seriam beneficiados com nosso “teatrinho”. Provavelmente, Kim Jong-il não disparará foguetes com ogivas nucleares, após as sanções, porque isso significaria suicídio, inclusive dele mesmo e sua família, assados no forno nuclear. Assim, por que não sacrificar o chefe retrógrado e seus apaniguados — se, com isso, melhoramos a situação de milhões? Compare-se a situação das duas Coréias. No fundo, em última análise, anti-ético e covarde será cruzar os braços, perto de importante eleição, permitindo ao atual ditador, através do filho sucessor, continuar a escravidão de toda uma nação. Além do mais, se monarquias ditatoriais já passaram de moda, porque permitir a permanência de uma aloucada “monarquia comunista”, autêntica contradição de termos?”

Justificativas nessa natureza acalmam muitas consciências, caso o ditador norte-coreano não tenha ordenado o afundamento do navio.

Na área internacional interesses políticos e comerciais falam infinitamente mais alto que “acanhadas” e “rasteiras verdades”.

Recentemente, quando a mídia se fartava de notícias sobre as eventuais ambições nucleares bélicas iranianas, os jornais davam explicações sobre porque tais e quais países, integrantes do Conselho de Segurança, dariam, ou não, voto favorável às medidas punitivas contra Ahmadinejad. As explicações sempre giravam em torno do fornecimento de petróleo, ou gás, ou outros tipos de comércio. Argumentos “business”, apenas. Nunca os repórteres, ou jornalistas, perdiam tempo em considerações sobre a justiça ou injustiça das sanções. Garantida, pelos EUA a ausência de prejuízos econômicos com as sanções, países propensos a não apoiar as sanções mudavam rapidinho na promessa de voto. Tudo comprado, em tal ou qual moeda, econômica ou política. Daí a desconfortável conclusão de que ter, ou não, razão na área internacional, em tal ou qual incidente, é algo totalmente alheio à área ética ou jurídica.

O Direito Internacional, paradoxalmente, ainda não ingressou integralmente na área jurídica. Poderia fazê-lo, “extraindo” de suas funções, às claras, sem “armações” e falsos argumentos, ditadores perigosos e trapalhões, mas para isso teria que modificar a Carta das Nações Unidas e documentos dela derivados. Tocar, porém, nesse assunto — uma ONU ampliada em seu poder —, equivale hoje a desferir, de maiô, cabeçadas em casa de marimbondos.

(26-5-2010)

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