quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Ao querido amigo Elias Farah.


Cerca de um ano atrás fui agradavelmente surpreendido  pelo Dr. Elias Farah com o convite para que eu redigisse o prefácio de sua mais recente obra — acima mencionada. Honrado com sua lembrança, escrevi prontamente o prefácio, que consta no livro impresso.

A justificação da minha surpresa com o convite, é porque nunca me considerei, a rigor, um jurista. Embora “viciado” pela palavra impressa e com mais de 6.000 livros comprados, aguardando leitura, meu preponderante interesse intelectual nunca foi centrado no Direito. Essa orgulhosa e bela Ciência tem seu ponto fraco no momento de sua aplicação ao caso concreto. A excessiva abstração e extensão das constituições, nos variados países, possibilita decepcionantes distorções   interpretativas, via infindáveis recursos e até mesmo habeas corpus concedidos de ofício “anulando tudo”, com a benevolência ou severidade judicial variando conforme a tendência política de quem julga ou está sendo julgado.

 Napoleão Bonaparte, militar e político inteligentíssimo, chegou a dizer, em momento de desabafo, ou blague, que “as constituições deveriam ser curtas e vagas”. Quanto mais extensas, palavrosas, maior a possibilidade de infindáveis conflitos interpretativos, tudo dependendo do caráter do julgador, da sua honestidade intelectual. Resumindo: o Direito, como “ciência” merece total respeito, mas seu “aplicador” nem sempre está isento de preconceitos, simpatias ou antipatias — pessoais ou políticas. Mesmo em países francamente ditatoriais, com “ditadura do proletariado”, ou de extrema direita, com inspiração nazista, existem, “tribunais’, meros prédios, com magistrados nomeados, controlados e intimidados pelo ditador, interessado em manter uma aparência de legalidade. Stalin não fechava seus tribunais, só trocava os ocupantes.

Pedindo desculpa pela digressão, voltemos ao que interessa: explicar porque volto a falar sobre o Dr. Elias Farah e, seu livro “Reflexões Jurídicas II” e porque, no referido prefácio, usei algumas linhas elogiando a modéstia pessoal do prefaciado.

Por que mencionei, várias vezes, que meu amigo Elias Farah é um homem modesto? Essa bela e nobre qualidade humana — cada vez mais rara com a globalização —, a modéstia é um traço inato do caráter, nada tendo a ver com a abundância, ou escassez, ou riqueza intrínseca de sua obra.

O cidadão pode ser até um premiado Nobel, sem ficar proclamando isso em toda parte, promovendo-se, procurando jornalistas ou sites para entrevistá-lo. Eu poderia citar aqui dezenas de grandes cientistas premiados pela Fundação Nobel de  quem o leitor nunca ouviu falar. Há bilionários discretos que não gostam de exibir sua riqueza. Vez por outra fico sabendo, apesar de ler jornal diariamente, há décadas, que um determinado cidadão — para mim um completo desconhecido — de um pequeno país é um dos homens mais ricos do planeta. Grandes pintores do passado, escritores e cientistas foram modestos, as vezes só reconhecidos e valorizados depois de falecidos. Porém na música, nos palcos, no cinema, no futebol e nos demais esportes de massa um comportamento modesto é hoje quase impossível porque seu ofício, seu trabalho é assistido ao vivo, nos estádios, na televisão, em filmes e na mídia em geral. Assim mesmo, há diferenças entre tais profissionais. A maioria procura os holofotes. Uma minoria prefere fugir deles, preservando sua vida familiar. Nos dias atuais, se o artista for reservado demais seu empresário o criticará porque seu lucro — do empresário e do artista —, depende da extroversão, do “grito”, do “aparecer”. Quase todos querem ou precisam ter seus cinco minutos de fama. Se essa exposição torna-se incômoda, passam a usar óculos escuros.

Na advocacia e na medicina a vontade de aparecer sofre restrições porque há controle externo e legislação proibindo a autopromoção. Em síntese: afirmar que um determinado profissional é um homem modesto não significa que sua obra também o seja. 

É o caso do advogado Elias Farah, autor de 8 livros, volumosos e substanciais mas no fundo sintéticos  porque o Dr. Farah sempre foi detalhista e conciso, pesando cada palavra. Para ajudar os leitores que desconhecem os fundamentos legais de determinados problemas ele menciona a lei, ou decreto, sua data, artigo, parágrafo, alínea, jurisprudência e também sua própria opinião, ou interpretação. Quando tem, vez por outra, alguma dúvida sobre o mérito de um assunto controverso ele diz isso expressamente.

Uma singularidade minha mas que não deve ser apenas minha: quando topo com algum profissional — qualquer profissional, até mesmo braçal—, que realmente conhece os segredos da sua atividade mas que, por modéstia, esconde sua superior qualificação, sou o primeiro a recomendá-lo, promovê-lo. Faço isso com satisfação. Por que só elogiar depois de morto?

 A modéstia pessoal é uma virtude, não uma falha a ser escondida. Não confundir, por favor, modéstia com moléstia. Principalmente quando o profissional revela uma inteligência e um senso de responsabilidade bem acima da média. Frequentemente o modesto ganha menos que seus colegas mais atrevidos, não pelo próprio trabalho, mas pela ousadia no cobrar, ousadia que falta no “modesto”. Alguém já observou que pessoas bondosas, generosas, não são bons comerciantes. Na advocacia também isso pode ocorrer, com um grande advogado criminal trabalhando de graça, para defender um injustiçado. Tales Castelo Branco é um deles. Até políticos podem ser modestos, usando pouco os microfones. Ângela Merkel, por exemplo, tem essa característica pessoal. Não procura holofotes, os holofotes é que a procuram. E ela não pode fugir das entrevistas, no cargo que ocupa.

Penso que já escrevi, até demais, esclarecendo que a modéstia pessoal é uma bela qualidade e pode existir em um Papa, um prêmio Nobel, um bilionário e até em um político, excepcionalmente. O cidadão pode ter obra extensa e de altíssima qualidade e ser de temperamento modesto, reservado, pouco falando dele mesmo quando isso não é necessário.

Voltando ao livro “Reflexões Jurídicas II”, explico qual a utilidade da sua leitura. Sendo uma coletânea de ensaios, a maioria de assuntos jurídicos, alunos do curso de Direito teriam proveito quando pretendem escrever tese de grande relevância no momento. Escolhido o assunto, lendo o livro do Farah o aluno fica sabendo porque o tema, aparentemente vago, é tão importante, no momento, e qual a legislação sobre ele.

Mesmo os jornalistas podem tirar proveito da leitura dos ensaios. De modo geral os jornalistas conhecem os assuntos sob o enfoque político, não jurídico. Não têm tempo para longas pesquisas. Caso decidam investigar a base legal do problema, encontrariam nos ensaios do Farah os melhores argumentos, já meditados, resumidos e indicando as fontes legislativas.

Quem quiser saber o essencial sobre drogas, entorpecentes e variados tóxicos, leia o que escreveu o Farah no referido livro. Aprendi muito com tal leitura.  Foi como ler um livro inteiro, sintetizado, abordando o tema sob o ângulo médico, jurídico, policial, social e moral.

Termino por aqui, repetindo que o prefaciado, mesmo tendo escrito centenas de artigos muito bem argumentados é um homem, no fundo, modesto. Que continue assim.

Perdão pela extensão. A falha é minha, não do homenageado.


Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Desembargador aposentado
oripec@terra.com.br

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