É incompreensível o silêncio, até o momento, dos principais candidatos,
sobre um assunto importantíssimo para o futuro do Brasil: como tornar a
justiça, na área cível — esclareça-se: não penal, incluindo a tributária —, mais
rápida e só por isso mais justa.
Não abordo aqui a área penal porque a atual jurisprudência
do STF — permitindo o início de cumprimento da pena após a condenação em
segunda instância — moralizou o sistema recursal, desestimulando a impunidade, sem
impedir o réu de insistir no seu direito de direito de recorrer às instâncias
superiores, tentando demonstrar que sua condenação violou a lei ou a
Constituição Federal, embora os fatos estejam provados na decisão de segundo
grau.
A título de ilustração comparativa, observe-se que a CF, no
art.5º, inc. LVII, diz que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A
Constituição, sabiamente, não proíbe a prisão do réu antes do trânsito em
julgado, à semelhança do que ocorre em
vários países do primeiro mundo. Mesmo preso o réu não perde o status de não-culpado.
Permite-se a prisão — de natureza provisória, revogável — por considerações morais
recomendáveis, evitando, por exemplo, que um cidadão, em pleno gozo de suas
faculdades mentais, faça uma chacina, matando vinte pessoas inocentes — sendo
filmado em plena ação — não sendo preso enquanto não transitar em julgado sua
condenação, algo que pode levar cinco, dez ou mais anos para. Ou mate a namorada,
na frente de todos, apenas porque ela não quer mais o relacionamento e,
utilizando infindáveis recursos, fique anos e anos livre e solto, estimulando
indiretamente, outros indivíduos a fazerem o mesmo. O abuso recursal pode
resultar em impunidade total caso o réu venha falecer por causas naturais, ou
pela prescrição conquistada pelo próprio réu, tirando proveito das deficiências
da lei processual.
A meu ver, é preciso que também na área cível, seja adotada
— via legislativa —, uma orientação assemelhada, utilizando, obviamente, não a
prisão do perdedor recorrente, mas um ônus financeiro que o desestimule a
recorrer só para protelar, jogando o cumprimento da condenação para um remoto
futuro. Não adianta a lei processual fixar os honorários da sucumbência — hoje
limitados a 20% do valor da causa, ou da condenação — a serem pagos somente
anos ou décadas, depois —, considerando que a parte perdedora sabe que pode,
com sucessivos recursos, na fase de conhecimento e na execução, quase eternizar
a demanda, apenas pagando as custas dos recursos. Qualquer exigência
indenizatória, ou pagamento de um débito assinado só exigível em remoto futuro
— “esticável” pelo infrator —, perde o efeito psicológico pretendido pelo
legislador: as obrigações devem ser cumpridas conforme acordadas. O devedor audacioso,
nesses casos parece pensar que “No futuro todos estaremos mortos”.
Tenho acompanhado, nos jornais e revistas, os
pronunciamentos dos candidatos com alguma chance de eleição e nada li ou ouvi
deles sobre um tema de tamanha relevância social e econômica. O serviço de
Justiça foi inventado para forçar as pessoas a cumprir suas obrigações, não
para ensejar um sofisticado teatro de mentiras e protelações enfeitadas com o
linguajar jurídico. Não me refiro aqui a todas as demandas judiciais, talvez a
maioria, oriunda de um real conflito de direitos e interpretações. Critico apenas
ao uso rotineiro e generalizado da protelação para lesar aquém, sabendo que não
tem razão e assim mesmo usa e abusa do “direito” de retardar uma demanda, usando
uma falha do sistema.
Pergunto: os atuais candidatos,
por acaso, encaram essa tradicional lentidão como algo intocável, inerente à
função de julgar “sem eventual precipitação”? A demora será uma espécie de vaca
sagrada, ou totem impossível de ser alterado por uma lei “meramente”
interessada na rapidez, sem prejuízo da qualidade? Ou a passividade dos
candidatos à presidência significa apenas receio da perda de votos na próxima
eleição, ou medo da reação da combativa OAB, presumindo que esta sempre estará convicta
de que é direito ou mesmo dever do advogado usar todos os recursos previstos em
lei mesmo que o cliente lhe confesse que usa o recurso só para retardar?
Milhares de pessoas
envolvidas em questões cíveis, pensando desse modo, explica porque nossas ações
cíveis podem demorar décadas, para nosso vexame internacional, e desespero de
milhões de nacionais e estrangeiros, aqui residentes, que se sentem cidadãos de
quinta categoria, temendo falecer antes de verem seu direito transformado em
algo concreto. Temos magistrados em número suficiente mas o sistema recursal,
com quatro instâncias, não conseguem dar conta de milhões de processos
tramitando devagar porque há um excesso de recursos lutando pela demora,
obviamente nunca confessada em público.
Quando converso com alguns poucos advogados ou magistrados,
expondo as propostas legislativas logo abaixo, sou de imediato aconselhado a
não perder tempo: — “ A OAB nunca
deixará passar, no Congresso, o que você propõe! Os advogados são combativos,
repudiariam qualquer restrição à sua liberdade de trabalhar, defendendo seus
clientes. Há muito mais clientes devedores do que credores. Esqueça. Não compre
barulho.
O hábito da morosidade judicial vem de longe, e não existe
apenas no Brasil. Até na Itália, país destacado no estudo do Direito, há
insatisfação da sociedade no que se refere à lentidão. Há, nesse país de
grandes juristas, uma lei mandando o Estado indenizar a demora excessiva dos
processos, mas como é o próprio judiciário que julga tais causas, e tudo pode
ser rediscutido, a lei simplesmente não é aplicada. Consultem no Google.
Turquia e Grécia também sofrem com o problema. Seria a nossa lentidão uma quase
fatalidade? Em assuntos humanos, nada é fatal, imutável.
Mais de quinze anos
atrás um poderoso industrial japonês, entrevistado no Brasil, — saiu no jornal
mas não anotei o nome —, interessadíssimo em investir grandes somas no nosso
país, ao saber quanto tempo teria que esperar, em média, na justiça, para
receber o devido por um cliente mau pagador, ficou atônito com o que ouviu de advogados
e administradores. Soube que qualquer decisão poderia ensejar ilimitados
recursos, praticamente ad aeternum .
Desanimado, o industrial cancelou seus planos e retornou ao Japão, ou procurou
outro país mais racional na forma de praticar a justiça.
A expressão acima, ad aeternum
não é figura de retórica. Já contei, em outro artigo, que o STF, vários
anos atrás, só conseguiu terminar um processo — não sei se cível ou criminal;
provavelmente cível — utilizando uma ilegalidade.
O caso foi contado
por um ex-ministro aposentado do STF, não sei se ainda vivo, agudamente
inteligente, justo e corajoso. Ele relatou que após longa tramitação, causada
por uma infinidade de recursos, o mérito foi decidido no STF. Enfim, processo
terminado? Não. O perdedor apresentou sucessivos embargos de declaração, sempre
alegando que o último acórdão continha novas omissões e contradições. Não sei
quanto tempo durou essa comédia, ou tragédia. Isso ocorria porque nem a
legislação federal nem o regimento interno do STF estabeleciam um limite para a
interposição de embargos de declaração. E nem sei se neste momento essa omissão
foi sanada. Fazer o que? — pensou o ministro. Mandar prender o advogado?
Absurdo.
A solução veio do bom
senso e da coragem de praticar uma ilegalidade: o Tribunal, ou seu presidente,
certamente apoiado pelo plenário, ordenou à Secretaria que não mais protocolasse
(recebesse) novos embargos do recorrente, nesse mesmo processo. Isso ocorreu
muito antes da informatização da justiça. Só assim, “na marra” — no caso virtuosíssima
—, terminou o julgamento do mérito. A alternativa, aceitando a mais grosseira
técnica de impedir o trânsito em julgado da parte perdedora, seria a total
desmoralização do STF. Certamente, o advogado que afrontava a Corte Máxima não
mais pretendia continuar na profissão.
Não obstante o atual avanço teórico da exigência de “duração
razoável do processo”, qualquer devedor de quantia, líquida ou ilíquida, quando
condenado na primeira ou segunda instância se pergunta o que será melhor para
ele: pagar a dívida? — via acordo, com um provável desconto —, ou pedir a seu advogado
que recorra sempre, tenha ou não razão. Seria, ele se pergunta, mais lucrativo,
“inteligente”, usar suas reservas, ou crédito bancário disponível, mantendo ou ampliando
seus negócios, ou investindo a quantia cobrada na especulação financeira?
Reconheço, claro, que nem todos os que utilizam a técnica
protelatória de recorrer, na área cível, agem assim por mera “esperteza” ou
outras maldades. Uma evidente protelação pode, eventualmente, ser fruto do
desespero financeiro de um homem intrinsecamente honesto, normalmente
inteligente, mas que se deu mal nos seus negócios e não vê saída lícita no curto,
médio ou longo prazo.
Com a vertiginosa evolução tecnológica, a globalização — boa
no geral mas impiedosa no particular — de um dia para o outro pode transformar
um “vencedor” em um “loser”, nada preguiçoso, que aplicou tudo o que tinha em
algo promissor, perdeu o investimento e ainda contraiu empréstimos impagáveis.
Confiou no futuro. Que fazer? Suicidar-se? Sacrificar a família? Não! Opta por
gastar o pouco de que ainda dispõe pagando um advogado amigo, competente, que,
solidário e paciente, prometeu fazer o processualmente possível — e quase tudo
é possível, com a atual legislação, em termos de fabricar demoras — para evitar
a miséria do cliente.
Nessas defesas sentimentais, “caridosas”, principalmente em
assuntos tributários, o advogado age movido por um belo sentimento. Ocorre que um
sistema judicial, visto por inteiro, não pode tolerar que casos de exceção
permitam que cálculos rasteiros, visando lesar a parte credora, prejudiquem —
por tabela, com o excesso de recursos para julgar —, milhares de pessoas que
também sofrem por não poderem receber, ainda vivos, o que lhes é devido. São milhares
de devedores enchendo milhões de páginas com alegações repetitivas e às vezes
propositalmente confusas — e quanto mais confusas, melhor.
Qual a proposta que um presidenciável deveria fazer para que
os processos cíveis terminem em prazo razoável?
Permitindo, ao credor, vencedor na segunda instância,
iniciar a execução do acórdão. Nesse caso, a parte vencida poderá recorrer, mas
para isso terá que depositar o valor da condenação, ou fixada razoavelmente
pelo tribunal de apelação, caso a condenação tenha um valor ilíquido. Se o
devedor não dispuser de numerário para o depósito, que procure um empréstimo
bancário, ou outro qualquer, para depositar o valor da condenação, ficando a
quantia em depósito judicial rendendo juros e correção monetária. Esse valor
não poderá ser levantado pelo credor antes do trânsito em julgado. A menos,
claro, que o credor com isso concorde.
Qual o objetivo desse depósito? Comprovar, o devedor, que está
convicto de seu direito, que não pretende, com seu recurso, para o STJ ou STF, apenas
protelar. Frise-se que a instituição financeira que realizar o depósito em
favor do devedor não fará isso de graça. Cobrará dele juros e taxas
pertinentes.
A lei processual, a ser elaborada, não poderá dizer que em
vez do depósito, essa garantia da “sinceridade” do depósito possa ser
substituída por mera promessa do banco de que o banco agirá como um garantidor,
sem desembolso do dinheiro. Isso seria cômodo demais para a parte devedora que
tem interesse apenas em protelar. É preciso que o devedor sinta no bolso o peso
dos juros devidos ao banco que efetuou o depósito. Desconheço a prática
bancária, mas suponho que sem desembolso do banco, o ônus financeiro do devedor
será mínimo, estimulando-o a continuar com a procrastinação.
Outra pequena alteração legislativa — pequena em termos de
redação, embora enorme em termos de aumento da celeridade judiciária — estará
na valorização da “concisão e clareza” das petições em juízo, para fixação da
sucumbência — para os leigos: quem perde a demanda paga os honorários
advocatícios da parte que a venceu. Considerando que há milhões de ações
judiciais em andamento, se todas as petições forem concisas e claras — um
excesso de concisão ensejaria obscuridade —, o volume de trabalho, visual e
cerebral, dos magistrados tomaria menos tempo na leitura dos autos. Mais casos
seriam decididos em menor tempo.
Hoje, os advogados escrevem muito, até desnecessariamente,
porque o cliente leigo fica contente quando sua defesa está escrita em enorme
quantidade de folhas, ou laudas no computador. O cliente pensa que quantidade
representa qualidade. E o próprio juiz, no momento de fixar o valor da
sucumbência, geralmente impõe honorários mais altos quando a petição cita mais
doutrina e jurisprudência, mesmo quando o tema já é pacífico.
Fixar, porém, a lei, número máximo de palavras em cada
petição é perigoso e constrangedor para os advogados porque isso funcionaria
como uma camisa de força no seu direito de enfatizar e explicar algo que
precisa de muitas linhas para convencer. Basta, no CPC, a lei mencionar, no
tema da sucumbência, que também a concisão e clareza das petições serão
valorizadas para fixação da sucumbência. Essa orientação já bastaria para
enxugar a “gordura” das petições repetitivas e redigidas visando impressionar
com o número de laudas.
As sugestões acima, escritas aqui em linguagem coloquial, se
aceitas pelo legislador, serão inseridas no Código de Processo Civil, nos
artigos e itens adequados. Tomariam muito espaço e tempo redigir as alterações
em um artigo a ser publicado na internet.
Penso que entre os advogados brasileiro, que trabalham na
área cível, há um percentual considerável que gostariam que nossa justiça não
demorasse tanto. Os clientes reclamam, se desesperam, o advogado bem
intencionado lamenta viver no Brasil e os juízes gozam a má fama de serem
lerdos, quando isso não é verdade na grande maioria dos casos. Grande parte do
menor prestígio da magistratura advém da demora exagerada dos processos, resultante
das falhas acima. Se a justiça se tornasse bem mais rápida, não haveria
críticas contra os proventos dos magistrados. Associações de Magistrados
deveriam se empenhar em agilizar as ações cíveis, via legislativa, convidando a
OAB para trocar ideias, com infinita tolerância com relação a ideias opostas.
O candidato presidencial que prometa, a sério, que lutará,
se eleito, para que os processos mais comuns terminem em um ano, no máximo,
entre a petição inicial e o “Arquíve-se”, receberá meu voto e minha propaganda
gratuita, por ver nele um grande patriota. Se excepcionalmente complexo, no
máximo em dois anos e meio. Isso não é impossível. Se isso parecer impossível,
convoquem os engenheiros, acostumados a solucionar problemas com visão prática.
São Paulo, 21/09/2018
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues, desembargador aposentado
do TJESP
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