quarta-feira, 5 de junho de 2013

Sucumbência recursal no novo CPC e outras considerações.

                 Embora esforçando-me para vencer o pessimismo na minha longa, e até agora infrutífera, tentativa individual de corrigir — via legislativa    uma distorção na utilização dos recursos nas ações cíveis, não posso deixar de aplaudir a decisão da Comissão de Reforma do CPC de pelo menos tentar — por enquanto —, transformar em lei a obrigação do recorrente, que perdeu totalmente seu recurso, de indenizar a parte contrária, com novas sucumbências, em cada recurso totalmente improvido.

Sem um contra estímulo econômico, nenhum “devedor’ — uso aqui a palavra em total abrangência — esperto, ciente de que realmente deve algo, deixará, na atual legislação, de exigir de seu advogado que “Estique essa demanda o máximo que puder!”

Se o advogado relutar, considerando que a decisão está juridicamente correta, não havendo porque recorrer, o cliente pergunta: — “O que tenho a perder, concretamente, no caso de insucesso de meu recurso?”. O advogado terá que responder: — “Atualmente, nada. O senhor não perde nada pelo insucesso de seus recursos, mesmo inúmeros, porque a condenação em honorários só está prevista na decisão de primeira instância e assim mesmo seu desembolso só ocorrerá no fim do processo. O senhor pode apresentar e perder dezenas de recursos, mas, desembolso efetivo, real, só será exigível daqui a alguns anos, dependendo da quantidade de recursos que nós apresentarmos e do grau de congestionamento da justiça. E ela está sempre congestionada. Seu lucro, enfim, consiste na desnecessidade  de pagar alguma coisa ao credor,  durante alguns anos. Pagará as custas dos recursos, claro, que são modestos, e o que combinou comigo, a título de acompanhamento, o que não é muito, comparado com aquilo que o senhor deve.

E o advogado continuará explicando:  — “Na esfera tributária, por exemplo, onde o senhor tem algumas causas como devedor, considerando que o governo federal está sempre carente de dinheiro para sustentar sua pesada, ou parasitária, máquina administrativa, ele costuma apresentar um “Refis”, ou plano semelhante, perdoando parte de sua dívida e concedendo prazo de algumas décadas para o senhor pagar aquilo que não foi perdoado.  E se o seu credor for um particular — com o passar dos anos sem receber um único centavo do que lhe é devido —, já meio desesperado, é bem possível que ele acabe concordando em receber alguma coisa ainda nesta vida. Teme morrer “vendo navios” — leia-se “recursos” —, caso o devedor tenha fôlego financeiro para levar ou tentar levar até o STF o seu caso. Note-se que o mero “tentar levar” já  implica em vantagem, em termos de demora, porque os tribunais brasileiros recebem tal avalanche mensal de recursos que é impossível decidir depressa, atendidos os vários formalismos”. Todo julgamento implica em formalismos, considerado pela doutrina como “garantia do estado de direito”.

Nesse ponto da exposição do advogado, o cliente, já impaciente com a aulinha, pergunta: — “Com tanta vantagem para mim, nessas demoras, qual a razão de teu escrúpulo em alongar o processo, mesmo sabendo que perderemos os recursos?”.  A resposta do patrono será: — “O único problema para o senhor, ou melhor, para nós dois, é que o Código de Ética da Advocacia  e o CPC nos obrigam, moralmente, a não recorrer apenas para retardar”.

O cliente, aliviado, responde: — “Se o problema é apenas de ética, assumo toda a responsabilidade moral porque, enquanto contribuinte, sinto-me espoliado pelo governo. Portanto, com o “direito humano” de me defender do “saque desumano” rotulado de legislação tributária. Se eu for muito “certinho” ficarei em desvantagem em relação aos meus concorrentes, que “sonegam adoidado” e por isso podem vender seus produtos e serviços por preço bem inferior ao meu. Quanto a meus credores particulares, sei que eles, quando cobrados na justiça, usam e abusam das “facilidades” recursais propiciadas pelo tal Código de Processo Civil, ainda em vigor, recorrendo para ganhar tempo. Esse credor, Fulano, que me cobra na presente ação, quando é cobrado na justiça, recorre de tudo. É uma “metralhadora recursal”! Por que só eu tenho que agir como um santinho? Recorra, portanto, doutor, em todos os meus casos. Com ou sem razão! O direito é muito elástico. Certo? Caso contrário, procurarei outro advogado, não obstante o respeito que tenho pelo senhor, como profissional honestíssimo. Acho até, desculpe a franqueza, que o senhor é honesto demais. Tudo em excesso, é prejudicial. Vivemos numa selva capitalista e “não vencer” em qualquer atividade é considerado prova de incompetência, ou burrice. Não havendo risco de cadeia, tudo é válido. Por favor, decida ainda hoje, se vai ou não recorrer, porque já tenho outro advogado em vista. Afinal, não estou lhe pedindo nenhum crime. Use o que a lei autoriza. E já ouvi um advogado dizer que recorreu em um caso, só para ganhar tempo e, para seu espanto, ganhou o recurso. “Cada cabeça uma sentença, como vocês costumam dizer”.

Depois de um diálogo desse tipo, realista, embora não ético, é fácil profetizar a conduta do advogado que depende apenas de seu trabalho  profissional para viver.

Os recursos processuais existem como constatação da fragilidade humana no julgar a conduta alheia. Errar é humano e as apelações foram concebidas — nas legislações dos povos menos bárbaros  — para corrigir erros judiciários, algumas vezes, infelizmente, decorrentes da mera desatenção, ou preguiça, ou até mesmo, embora mais raramente, de algo moralmente muito grave. Ocorre que com a rápida difusão dos direitos humanos, entre eles o direito de acesso à Justiça — dispensando a justiça pelas próprias mãos — alguns países foram realmente “inundados” por ações judiciais.

Afirma-se, sem contestação, que tramitam, na Justiça brasileira, mais de oitenta milhões de processos, aí incluídas todas as ações, cíveis, penais, trabalhistas, fiscais, etc. Na área tributária federal, o governo tem hoje, em tramitação, um alegado crédito superior a um trilhão de reais. Se pelo menos metade desse valor for realmente devido e pago, com esse meio trilhão talvez todos os precatórios federais, estaduais e talvez municipais, poderiam ser pagos. Mas para que tais cobranças possam chegar a um fim, em tempo razoável, é preciso uma mudança legislativa. Alega-se que o poder público recorre de tudo, mas o fisco diz o mesmo do contribuinte, o que explicaria o mais de trilhão de reais “encalhados” nos variados gargalos judiciais, crédito apenas da União, provocados, frequentemente,  por extensos arrazoados invocando — muitas vezes só para confundir  —, complexas análises de fato e de direito, com calhamaços de cópias de documentos.

Como podem ocorrer — e realmente ocorrem —, alguns erros de julgamento, é natural que existam muitos recursos de boa-fé, pendentes, que devem obedecem a um certo ritual, inevitável para garantia das partes. Como a porta de entrada dos recursos é estreita e a fila deles imensa, muitos devedores — que sabem perfeitamente não ter razão —, sentem-se estimulados a tirar vantagem do excesso de recorrentes, à sua frente na fila de distribuição, para obter uma espécie de “moratória” informal simplesmente enchendo  laudas e laudas de razões, visando, no fundo, retardar o pagamento de sua dívida. Ou porque não dispõem, no momento, de numerário, ou porque preferem inverter seu dinheiro no próprio negócio, crescendo, em parte, graças à cooperação, embora indignada, do credor. Feito o cálculo financeiro dos ganhos e perdas de um recurso destinado ao insucesso, esses recorrentes decidem obviamente pela vantagem de recorrer, porque assim a lei permite. Foi por isso que acabou sendo aceita, em tese, a “sucumbência recursal”, pela qual venho lutando, ingloriamente, há bem mais de dez anos.

O filósofo francês, Voltaire, pensador genial e ousado, emitiu um pensamento de condensada sabedoria que me deu sustentação para que a sucumbência não se limitasse apenas às decisões de primeiro grau. Dizia o grande polemista que “A vantagem deve ser igual ao perigo”. Em termos processuais, se a “vantagem” da demora —, ensejada pela pletora de recursos — não tiver a contrapartida do “perigo” de um ônus financeiro — novos honorários —, é evidente que continuaria o uso desvirtuados dos recursos cíveis. Essa verdade foi constatada pela Comissão de Reforma do CPC.

Palmas, portanto, para a referida Comissão, em especial para seu presidente, o Min. Luiz Fux, do STF, que deve ter tido algum trabalho para convencer seus colegas de Comissão quanto à necessidade de tapar essa brecha no CPC de 1973. Se aprovada a Reforma em curso, o advogado da parte vencedora, onerado por um longo trabalho de estudo, redação de contra-razões e acompanhamento dos variados recursos, será remunerado, no fim do processo.

Há, porém, um “senão”, no anteprojeto. Senão que, para ser corrigido, implicará em autêntica revolução processual: é que a parte devedora, mesmo com o ônus da sucumbência recursal, só estará obrigada ao desembolso desse quantia no fim do processo. Leia-se: usualmente após anos de espera. Será que o fato da verba honorária ser paga apenas no fim do processo desestimulará suficientemente o protelador?

É nesse ponto que está o ponto menos forte do Anteprojeto do CPC, referida no título deste artigo, no que se refere à luta contra a protelação. A sucumbência recursal ajudará, claro, a diminuir a atual protelação, nos casos de menor valor, mas não a cerceará nos processos de mais alto significado econômico. Considerando que os honorários advocatícios, todos eles, grandes ou pequenos, só serão pagos a final, em geral muitos anos depois do ajuizamento dos recursos, o “contra-estímulo” ao recurso protelatório terá eficácia mínima, nessas grandes causas, em que tais honorários foram fixados, no Anteprojeto, entre 1% e 3%. 

Considerando-se a usual tendência judiciária — a meu ver injusta —, de arbitrar modestamente honorários em favor dos advogados, é previsível que a honorária recursal, nas causas de alto valor, será fixada em 1% do valor da condenação. Assim ocorrendo, o protelador, principalmente o tributário, devedor de imensas somas, vai raciocinar: — “Se eu retardar, por muitos anos, o pagamento de meu grande débito, pagando, a mais, apenas 1% ou 2%, valerá a pena continuar recorrendo, com ou sem esse novo CPC. O que é 1%, ou mesmo 3% do débito, diluído em alguns anos, tendo que desembolsar a “micharia” só no fim do processo? Com uma demora de dois anos no julgamento de meu recurso — prazo até otimista — mesmo improvido, eu ficarei devendo, mensalmente — mas sem desembolso mensal —, honorários sucumbenciais de vinte e quatro avos de um por cento do valor da condenação; ou, em dígitos, 0,041 do valor da condenação. Vale e pena, portanto, continuar recorrendo. Principalmente porque esse pagamento só ocorrera em distante futuro.

Na verdade, o que o novo CPC precisaria fazer — mas suponho “missão impossível”, por contrariar a índole “maneira” de nosso povo —, é seguir o modelo norte-americano, em matéria recursal. Segundo me informou um juiz federal americano, vários anos atrás — provavelmente essa sistemática persiste nos EUA — nas condenações em dinheiro, o devedor, condenado na primeira instância, só pode recorrer depositando integralmente o valor da condenação e das custas do recurso que apresenta. Se o devedor não dispõe dessa verba, e confia na realidade de seu direito, pode contratar um banco ou outra entidade financeira idônea para fazer o depósito em nome do recorrente, sem o qual o recurso “não sobe” para julgamento. No entanto, o banco só fará esse depósito garantindo-se, antes, com os bens do recorrente. Se este perde o recurso, o banco fica com os bens, sem mais delongas.

Com esse “duríssimo”, impiedoso sistema, é mínimo o percentual de apelações, nas dívidas em dinheiro, pelo menos na justiça federal americana. Não sei como é nas legislações dos estados. O fundamento para esse rígido sistema está no fato de que não há vantagem alguma em recorrer para ganhar tempo se, para recorrer, é preciso depositar o valor da condenação. Só recorre, portanto, quem está bastante seguro da procedência de seu direito. Obviamente, o dinheiro depositado não vai para as mãos do credor, antes do trânsito em julgado. O depósito feito é encarado como comprovante inegável da convicção do recorrente de que foi vítima de um injustiça.

Como a justiça brasileira de primeira instância, no Brasil, não goza de alta presunção de segurança e exatidão — talvez porque o juiz brasileiro sabe, de antemão, que sua sentença terá, usualmente, um “valor relativo”,  sendo apenas o primeiro degrau de uma longa escada para o céu — do devedor, embora inferno do credor — com apelação facilitada, sem grandes ônus financeiro —talvez não seja aconselhável, por enquanto, a legislação brasileira exigir o depósito do valor total da condenação para poder apelar. Quem sabe o legislador nacional devesse exigir, para subida do recurso, o depósito de 70%  da condenação, desestimulando, assim, um recurso apenas para ganhar tempo. Esse depósito, rendendo juros, evidentemente, não poderia ser levantado pelo credor, antes do trânsito em julgado da decisão. Transitada em julgado a condenação, esse dinheiro seria transferido para o credor, como pagamento total ou parcial da dívida.

Pelo que sei, nos EUA a causa, na primeira instância — muito prestigiada —, se desenvolve por etapas, com um constante reexaminar minucioso dos fatos, o juiz exigindo explicação das partes sobre tais e quais detalhes,  de modo que quando o processo chega às suas mãos para a sentença, os fatos e o direito foram exaustivamente examinados, o que acarreta decisões muito bem informadas pelo processo, com poucas modificações no tribunal de apelação. Há um estímulo moral, lá, para o juiz “caprichar’ no exame e reexame da prova e do direito porque, na vasta maioria dos casos o processo termina sem apelação. Isso contribui para o juiz se sentir pessoalmente responsável para aplicação da justiça no caso concreto.

No Brasil, igual estímulo não existe. A busca da verdade é muito formal e quando o processo chega para a sentença o juiz nem sabe, ou nunca soube — não há tempo para ler longas petições iniciais ao despachar o “cite-se” —, do conteúdo do processo, afogado que está em milhares de autos sob sua jurisdição. Assim mesmo, há decisões brasileiras, de primeira instância, que são verdadeiros tratados, com exaustivo exame de um problema, como se o juiz se sentisse pessoalmente responsável — como sempre deveria sentir-se — pela solução final do caso. Isso, porém, hoje, é quase um luxo, considerando-se o volume de trabalho exigido dos magistrados brasileiros. Esses processos “bomba” muitas vezes são deixados de lado, para serem estudados e “digeridos” nas férias forenses, motivo porque sou de opinião de que devem ser mantidas as férias anuais de 60 dias.

Juízes muito conscientes de sua missão — e ainda os há, felizmente — costumam utilizar parte das férias para esses casos mais complexos, “tenebrosos’, de vários volumes, acredite ou não o leitor. Se o público quer decisões mais rápidas, mas de boa qualidade, é melhor que apoiem as férias anuais de 60 dias. Há, em todos os países, juízes muito responsáveis e outros apenas medianamente responsáveis, e as férias forenses nem sempre são utilizadas inteiramente como descanso. Repórteres pensam que o trabalho do juiz é desempenhado apenas no fórum. Engano. No fórum o trabalho é até mais leve, às vezes até divertido, diversificado. É em casa, enfrentando o volumoso “abacaxi” que o juiz pode trazer alegria ou angústia à parte que se sente realmente injustiçada. Decidir apenas pensando em estatística de “produção” mas ainda com aguma dúvida, “confiando” que a segunda instância vá corrigir o que está errado na sua sentença, é problemático, porque o desembargador relator também vive estressado pelo número de votos que tem de proferir.  O ideal seria que o juiz de primeiro grau proferisse uma decisão impecável. Só que isso toma mais tempo.

De qualquer forma, a adoção da “sucumbência recursal” pelo futuro CPC representa algum avanço em relação à legislação atual, algo ingênua ao presumir que todo recurso visa apenas corrigir uma injustiça.

Nos anos 1990 escrevi alguns artigos propondo essa “novidade” e cheguei a convencer o Deputado Federal Ricardo Izar — um parlamentar idealista, já falecido —a apresentar um anteprojeto nesse sentido, que recebeu o nº 2.927/97. Esse projeto parecia uma “batata quente” nas mãos dos deputados relatores que o empurravam com a barriga. Os interessados na protelação, geralmente pessoas influentes, com advogados ainda mais influentes ainda, porque competentes, preferiam, claro, eternizar as grandes cobranças, conforme desejo de seus clientes.

Um dia, porém, o anteprojeto foi parar na Comissão de Constituição e Justiça. Ali, com uma fundamentação fraquíssima e breve, provavelmente resultado da ventriloquia de algum grande jurista, dita Comissão decidiu que a proposta era inconstitucional porque violava o duplo grau de jurisdição, o direito de defesa, ou coisa parecida. Isso, apesar de o texto não impedir os recursos, apenas exigindo deles alguma responsabilidade, caso considerados protelatórios.

Fiz, pouco depois, alguns reparos na minha proposta, acrescentando, à proposta anterior, que o recorrente, mesmo vencido no seu recurso, poderia ficar isento da nova verba honorária, caso a matéria em julgamento fosse delicada e controversa, ou na prova ou no direito. Enfim, se o recurso fosse de evidente boa-fé. Mas acabei me resignando com a inércia legislativa, limitando-me a repetir minha argumentação em artigos na internet. Mas surpreso fiquei agora ao saber que a sucumbência recursal acabou sendo reconhecida como instrumento útil para diminuir a protelação e, ao mesmo tempo, remunerar adequadamente o trabalho do advogado da parte que tem razão.

Um outro ponto que poderia ter sido incorporado no novo CPC seria a imposição de verba honorária nos agravos regimentais e mandados de segurança — quando denegados —, interpostos contra decisão ou despacho judicial. É que, a parte interessada em tumultuar e retardar o processo pode sentir-se tentada a utilizar o “mandamus” e agravos como substitutivo dos recursos protelatórios, pois no mandado de segurança e nos agravos regimentais, não providos,  não há condenação em honorários. Essa omissão não foi corrigida no anteprojeto em exame. O mandado de segurança contra decisão judicial não é caracterizado como “recurso” mas quando reiterado pode propiciar grandes demoras no término das ações. Se a omissão legislativa não for corrigida, futuramente, vigente o novo CPC, haverá alguma seca de novos recursos, mas chuvas torrenciais de mandados de segurança e agravos regimentais.

Outro avanço, em termos de eficácia na satisfação do julgado seria o seguinte: terminada a fase de conhecimento, o credor, não conseguindo localizar bens do devedor — notoriamente abonado, com estilo de vida milionário —, poderia requerer ao juiz que o devedor fosse intimado para comparecer, pessoalmente, no fórum para explicar se possui bens e onde eles se encontram. Isso porque, neste vasto mundo globalizado, um homem ou empresa, altamente endividados, podem ter bens e depósitos vultosos em qualquer parte do Brasil, ou no Exterior. O juiz poderia delegar essa conversa para um funcionário de sua confiança, qualificado, ou assessor advogado e/ou economia. Se o devedor mentir, negando a existência de bens — e isso for comprovado posteriormente —, ele seria processado, sem direito a fiança, por crime contra a administração da justiça, ou desobediência a uma determinação judicial.

Pelo que sei, essa atividade do juiz, de convocar o devedor, com débito transitado em julgado — ou mesmo até antes, conforme for melhor examinada a sugestão — já existe na justiça americana. Lá, o não comparecimento ao chamado do juiz, ou a mentira, ou silêncio, são considerados como “contempt of de court”, ou desacato ao tribunal. E a prática americana, neste caso, tem toda razão de ser. Não é racional o Estado gastar longo tempo discutindo um processo e, tudo terminado, o devedor ficar em silencio, não dizendo onde se encontra pelo menos parte de sua riqueza que, doravante, já não seria sua, mas, de direito, do seu credor, vencedor da demanda. Ele pode, na cara dura, mentir, mas se o credor conseguir depois localizar os bens penhoráveis, ou arrestáveis, ele sabe que vai direto para a cadeia sem direito à fiança. No Brasil, é comum a parte credora “ganhar mas não levar”, após cobranças de vários anos na justiça. Uma desmoralização não rara de ocorrer.

Não se alegue que ninguém pode ser forçado a depor contra si mesmo. Se essa regra fosse cumprida, literalmente, a Receita Federal não poderia punir o contribuinte que sonega a existência de bens. É crime tributário sonegar bens na declaração do imposto de renda.

Talvez seja tarde demais apresentar as sugestões acima, para incluir no novo CPC . Mas, como ainda há muita gente opinando e sugerindo modificações, ficam aqui minhas observações. Um outro aperfeiçoamento seria o novo CPC valorizar a concisão e a clareza das petições, para efeito de fixação de honorários. Petições curtas e bem objetivas seriam valorizadas, ao contrário do que existe hoje, em que o juiz tende a reduzir o percentual de honorários porque o advogado escreveu pouco, embora “matando a questão” em poucas linhas, ou páginas. A concisão, em milhões de processos, por si só aceleraria a função judiciária.

Assisti, no meu computador, dois dias atrás, uma entrevista, eloquente e sinceramente indignada, do competente e apaixonado jurista Antônio Cláudio da Costa Machado, criticando acerbamente o provável novo CPC porque teria, segundo ele, poderes “ditatoriais” concedidos ao judiciário. Notadamente ao juiz de primeira instância. Li parte do anteprojeto, porque não havia tempo para lê-lo inteiro, mas não tenho certeza se o ilustre processualista tem ou não razão no seu temor de uma “ditadura do judiciário”.

Penso que cabe, atualmente — mesmo que seja a título de experimentação, por alguns anos — a concessão de um maior poder de condução da prova pelo juiz. Se é ele o “técnico” que vai resolver um “problema”, cabe ao “técnico” escolher o meio mais breve e direto de buscar a verdade. Um excesso de formalismo vem prejudicado a justiça brasileira, há décadas. Quando juiz em atividade, “usei e abusei” do direito de, no momento da proferir a sentença, se ainda em dúvida, converter o julgamento em diligência para ouvir as partes, ou só uma delas, ou uma testemunha presencial, perguntando coisas que o juiz só conseguiria perguntar depois de conhecer muito bem o processo. Com esse método, pouco usado pelos juízes, eu sempre consegui chegar à verdade, principalmente em questões menos complexas, como, por exemplo, de colisões no trânsito.

Explico a razão de tal sucesso. É que nas demandas cíveis, as partes não são, usualmente, marginais calejados no uso da mentira. Ainda conservam o amor próprio. Sentados em frente de um juiz e presente o advogado da parte contrária — que conhece bem os fatos — o cidadão que antes mentiu, respondendo a perguntas genéricas, sente vergonha de mentir deslavadamente, respondendo a perguntas mais objetivas e detalhistas. Ele pensa que, mentindo demais, agora, vai, de certo modo “agachar-se”, humilhando-se, agindo como um pobre diabo, lutando miseravelmente para salvar seu escasso dinheirinho. E imagina que a parte contrária vai comentar, caçoando com terceiros, o quanto  ele sacrificou sua própria dignidade, mentindo deslavadamente, como um mendigo ou idiota. Para evitar o ridículo, negando evidências, sabendo que o juiz já conhece bem o processo, ele, depoente, tenta “dourar a pílula”, concedendo que, “... de fato, excelência, eu estava um tanto depressa e preocupado com um compromisso, mas...”, ou coisa semelhante. Em depoimento anterior ele não havia admitido que corria demais.

Não acredito que os juízes de primeira instância vão se transformar em “ditadores”, abusando dos poderes conferidos pelo novo Código. Se isso eventualmente acontecer, a jurisprudência, formada pelos tribunais, vai colocar os devidos freios, e todo juiz sabe que, cometendo abusos, sua ascensão na carreira será prejudicada.

Em suma, somente a prática poderá demonstrar se o novo CPC será bom ou excessivo. Uma coisa é inegável: o juiz não está normalmente interessado em proteger autor ou réu. Já o advogado está, por definição, interessado em proteger apenas o interesse de seu cliente. Nem um pouco preocupado em zelar pelo interesse da parte contrária. Torçamos para que seja convertido em lei o anteprojeto em exame, se possível com os aperfeiçoamentos sugeridos neste artigo.

Vale a pena oferecer, finalmente, aos jovens magistrados brasileiros, a oportunidade de um novo instrumento de trabalho que permita aplicar uma justiça mais direta, rápida e ao mesmo tempo, mais exata. Se houver, futuramente, abusos, o legislativo está aí para corrigir um eventual excesso de poder. Somente “a posteriori” isso será constatado. Chegou, penso, a chance dos jovens magistrados brasileiros de provar o seu valor, demonstrado em difíceis exames de ingresso na magistratura. A juventude, idealista, merece a sua vez.

(05-06-2013)

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