Falarei, genericamente, sobre a
natureza do poder atômico — de que Israel dispõe — e depois abordarei o tema
principal do editorial: as eleições de 22 de janeiro último, em Israel.
Quando lançadas as duas primeiras
armas atômicas, em 1945, na guerra contra o Japão, apenas os EUA conheciam
todos os passos técnicos, de A a Z, na construção de tais armas que,
paradoxalmente, têm a virtude (incompreendida) de impedir guerras que matariam
milhões na forma tradicional de matar. Hoje, dominam essa complexa tecnologia
os seguintes países: EUA, Reino Unido, França, Rússia, China (por “mera
coincidência” os cinco únicos países com assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU), Israel, Coreia do Norte, Índia e Paquistão. Israel não diz
expressamente, que dispõe, ou não dispõe, de ogivas nucleares mas todo mundo
sabe que dispõe. E essa tecnologia infla seu poder na região, estimulando-o a
fazer o que bem entenda. Inclusive “exigir”, pela intimidação, que só ele, na
região — nunca o Irã, por exemplo — possa dispor dessa tecnologia de tremendo poder.
Outros países, que não concordam com
os privilégios dos “cinco grandes” com poder de veto no CS, perseguirão, abertamente
ou em segredo, esse conhecimento que os tornarão mais respeitados. Respeitados
em tudo, porque o poder militar gera poderes colaterais. E o perigo se agrava
com a difusão do conhecimento pela internet, espionagem governamental e
não-governamental. Nada impedirá que grupos particulares bem organizados e
financiados, revoltados com abusos de certos países dominadores, tentem — e talvez consigam — fabricar artefatos
nucleares, embora rudimentares, mas que, mesmo sendo rudimentares, possam
explodir em metrôs, represas, aeroportos e centros financeiros de grandes
cidades em qualquer país.
Assim como governos contratam grandes
físicos para a fabricação de tais armas, grupos particulares podem também,
pagando mais do que o triplo, contratar físicos necessitados de dinheiro e com conhecimento
suficiente para montar artefatos capazes de eliminar milhares em única
explosão.
Quando falei atrás em “virtude
(incompreendida)” das armas nucleares, o leitor pode ter reagido, indignado, discordado
do emprego do termo “virtude”, porque, para ele — que não meditou muito no
assunto —, não pode haver virtude alguma no uso ou mero perigo do poder
nuclear.
Há, sim, desculpe o leitor, virtude não
aparente no “medo atômico”. Não no uso, claro, mas no medo do uso.
Desde 1945, com as bombas lançadas em
Hiroshima e Nagasaki, nem um único soldado, ou civil, foi morto em explosão
nuclear. Nenhum. Se o “átomo” matou, foi em acidentes, tais como vazamento de
material radioativo em usinas de eletricidade. Em compensação, milhões —
militares e civis — morreram em guerras travadas com armas tradicionais,
explodidas com uso de pólvora e substâncias equivalentes.
Quantos morreram na Guerra da Coreia,
no Vietnam, no Laos, Camboja, Iraque,
Afeganistão e Oriente Médio? Foram carnificinas sem auxílio do átomo.
Durante a Guerra Fria, quando a União
Soviética poderia — e pretendia — pelo tamanho de seu exército, ocupar países
de uma Europa Ocidental esgotada pela 2ª Guerra Mundial, o que foi que impediu
um conflito fatal entre os EUA e a União Soviética? O que evitou essa provável
guerra foi o fato de ambas — ambas — as potências possuírem armamentos
atômicos. Não há dúvida quanto a isso. Apertado o “botão vermelho” americano,
ou russo, o revide seria imediato, com a mais pavorosa e “venenosa” — leia-se
radioativa — guerra já presenciada pelo homem. Nem aos EUA, nem à Rússia,
interessava também uma nova longa e demorada guerra tradicional, logo depois do
grande massacre que durou cinco ano e matou entre quarenta e cinquenta milhões
de pessoas na Europa. Se, porém, apenas uma dessas grandes potências tivesse
poder nuclear, a outra teria que ceder e obedecer. Enfim, o medo, quando
recíproco, tem o efeito valioso de manter a paz, mesmo com inconformado ranger
de dentes.
Foi também o recíproco “risco
atômico” que impediu, em 1962 — na “crise dos foguetes”, encaminhados à Cuba —,
a eclosão de uma Terceira Guerra Mundial. Se Nikita Krushchev não tivesse
cedido à proibição americana dos foguetes chegarem ao regime de Fidel Castro,
teríamos, é quase certo, uma conflito mundial, “enriquecido” com a
radioatividade. Por sinal, o gênero humano é tão idiota e orgulhoso que
Krushchev, voltando atrás, ficou desmoralizado entre os militares soviéticos e
perdeu o poder. Os “falcões” russos disseram que ele foi “fraco”.
Evidentemente, queriam o lugar dele na política, transformando uma decisão
sensata em “covardia”.
Em suma, o poder nuclear é
especialmente temido e dita, em grande parte, as políticas regionais e internacionais.
E esse poder está pesando fortemente na política de Israel em relação aos
palestinos e a todos os vizinhos árabes. A consciência da própria força leva ao
orgulho e à desconsideração pelos interesses alheios, por mais justos que estes
sejam.
Netanyahu — isso sempre foi evidente
para quem acompanha a política internacional — nunca pretendeu dividir a
Palestina com os palestinos. Disfarçava seu secreto desejo de ser lembrado,
futuramente, como o fundador de um poderoso império regional que poderia, quem
sabe, em futuro mais remoto ser equivalente aos EUA de quinze anos atrás.
Temia, porém, a reação americana. Agora, não mais teme o poder limitador dos
EUA, pelo menos enquanto nas mãos de Barack Obama. Considera-o, provavelmente,
um homem tímido que fala bonito. Antes da última eleição presidencial americana
pensava-se que a passividade de Obama em relação às decisões abusivas de
Netanyahu — ampliando a ocupação da Cisjordânia —, explicava-se apenas pelo
medo do candidato democrata de perder o voto dos judeus, além do apoio financeiro.
Mas, depois das eleições, o tom de concordância e paciência americana perdurou.
E isso influiu nas eleições israelenses do dia 12-01-13. “Já dispensamos,
quase, o apoio americano” é o sentimento dos políticos no poder.
Conforme bem informou o mencionado
editorial do “Estado de S. Paulo”, o empresário Naftali Bennett, ex-chefe de
gabinete de Netanyahu e criador do partido “Lar Judaico” não apenas se opõe a
um estado palestino como também prega “a anexação ao ‘lar judaico’ de 60% do
território da Cisjordânia”. Ele representa os colonos “que se multiplicam nas
áreas sob ocupação, desde a guerra de 1967”, conforme informa o corajoso
editorial. Esse mesmo Bennett foi bem franco, dizendo que “Basta de
negociações. Basta de ilusões. Jamais haverá uma Palestina”.
Outro político israelense — ainda
segundo o jornal —, que se destacou nas eleições, Yair Lapid, fundador de
legenda centrista “Há futuro”, não tocou na questão palestina. O único partido
de esquerda, pró-Palestina, ficou com apenas 6 parlamentares. E foi só. O
editorial conclui que o projeto, não externado mas verdadeiro de Israel é criar
o Grande Israel, “com a transferência dos palestinos para o que seria seu
verdadeiro país, a Jordânia”. Enfim, Israel quer tudo em troca de nada. E
ameaça bombardear preventivamente o Irã pelo fato de existir a possibilidade de
um dia esse país construir arma nuclear. Bomba que nem poderá lançar em Israel
porque, fazendo isso, mataria tanto judeus como palestinos, que vivem próximos
e contam com a solidariedade iraniana. Isso sem falar que um ataque iraniano,
iniciando uma guerra, significaria a imediata destruição do próprio Irã, tendo
em visa o inevitável revide israelense e seu fiel amigo, ou servo, os EUA. Nem
mesmo um Ahmadinejad faria uma coisa dessas. Ele não manda sozinho no seu país.,
E nada de útil faz a comunidade
internacional para impedir a expulsão de um povo, o palestino, que vivia há
milênios na Palestina e não foi responsável pela Diáspora judaica quase dois
milênios atrás. Quem expulsou os judeus foram os romanos, não os palestinos.
É também um mistério insondável o
fato de o Irã não ter utilizado seu direito de se retirar do TNP — Tratado de
Não Proliferação Nuclear, assinado em1968 no governo do Xá da Pérsia, e em vigor
a partir de 1970. Pelo art. 10 do Tratado qualquer país que o assinou poderia
dele se retirar — a Coréia do Norte fez isso em 2003 — desde que alegue que
eventos extraordinários estão colocado em risco os interesses do país. E as constantes
ameaças de bombardeio das instalações nucleares, por parte de Israel — com base
na desconfiança de que pode haver intenções agressivas por parte do Irã — põem
claramente em risco a segurança dos persas. Comunicada a intenção de se retirar
do TNP, 90 dias depois da comunicação o Irã ficaria legalmente livre da
obrigação de permitir as inspeções dos fiscais da Agência Internacional de
Energia Atômica. O Irã ficaria, juridicamente, na mesma situação de Israel, que
está livre de inspeções nucleares porque, astutamente, nem assinou o Tratado.
Leiam, abaixo, o que diz o art. 10 do
TNP:
Artigo X
“1. Cada Parte tem, no exercício
de sua soberania nacional, o direito de denunciar o Tratado se decidir
que acontecimentos extraordinários, relacionados com o assunto deste Tratado,
põem em risco os interesses supremos do país.
Deverá notificar essa denúncia a
todas as demais Partes do Tratado e ao Conselho de Segurança das Nações
Unidas, com 3 (três) meses de antecedência. Essa notificação
deverá incluir uma declaração sobre os acontecimentos extraordinários
que a seu juízo ameaçaram seus interesses supremos.
2. Vinte e cinco anos após a
entrada em vigor do Tratado, reunir-se-á uma Conferência para decidir se o
Tratado continuará em vigor indefinidamente, ou se será estendido por um ou mais
períodos adicionais fixos. Essa decisão será tomada pela maioria das Partes no
Tratado”.
Por que o Irã não utiliza esse
artigo e livra-se das inspeções constantes da Agência de Energia Atômica? Seria
o receio de que Israel criaria infindáveis obstáculos jurídicos alegando que o
Irã quer se afastar da Agência para não mais ser investigado e assim poder
fabricar, sem empecilhos, armas atômicas que pretende jogar em Israel?
Seria o caso de a ONU indagar do
Irã, publicamente, por que não se retira,
com isso ficando isento da acusação de afrontar o Direito Internacional? A
Coreia do Norte, tendo se afastado do TNP em 2003, não afronta, hoje,
juridicamente, a ordem internacional. Assume posição antipática, mas não
ilegal. Por que o Irã não segue caminho igual?
Há algum mistério nessa omissão.
Omissão que possibilita grande proveito ao seu arqui-inimigo, Israel, que está
sempre lembrando aos repórteres que o Irã “ofende” a ordem internacional, e que
ele, Israel, não ofende porque não se comprometeu com nada, não assinou o
Tratado.
Esse é o medíocre, misterioso e
injusto mundo em que vivemos. Sem reação, lamentavelmente, daqueles que
deveriam e poderiam reagir, por serem especialistas com autoridade. Escrevendo
com frequência, mostrando o que está errado, construindo uma opinião pública
mais lúcida e vigorosa, o legislador também se interessaria pelo assunto, nem
que fosse por motivo eleitoral.
Encerro renovando meus parabéns ao
jornal O Estado de S. Paulo que, com seu editorial, comprovou sua preocupação
com todos os povos do planeta, fortes ou fracos. Sabedor de que nenhum grande
injustiça coletiva permanece impune.
A 3ª. Guerra Mundial, se eclodir, começará no
Oriente Médio. Se a ONU realmente funcionasse não teria ocorrido o 11 de
setembro de 2001 (a principal motivação de Bin Laden, atacando as Torres
Gêmeas, era o mau tratamento dado aos palestinos); não teria existido a invasão
do Afeganistão, nem do Iraque; os EUA seriam ainda hoje a grande potência que
foi no passado. E judeus, palestinos e iranianos não viveriam sob constante
sobressalto. Se a ONU bem funcionasse teria delimitado — ela mesma —, no solo, décadas
atrás, qual seria a área a ser habitada por judeus e palestinos. E nenhum país
poderia mais se subtrair da obrigação de aceitar as decisões da Corte
Internacional de Justiça.
Para quem ainda não sabe, os países
não estão obrigados a aceitar julgamento de seus atos por essa Corte
Internacional de Justiça. E se aceitam e perdem a demanda, a Corte
Internacional de Justiça “lava as mãos” quando o perdedor não cumpre a decisão.
Nessa hipótese ela envia o caso para o Conselho de Segurança, que julga o que
fazer não pelo enfoque do justo, mas com base no interesse e “conveniências” de
toda ordem.
É possível respeitar moralmente um
planeta tão mambembe na sua estrutura jurídica internacional?
(25-01-2013)
.