quinta-feira, 6 de março de 2025

ACABAR COM AS GUERRAS?

 

Foto divulgação 

“Que diferença faz aos mortos, aos órfãos e aos sem-teto, se a destruição é feita sob o nome de totalitarismo ou no santo nome da liberdade ou da democracia?”

—Mahatma Gandhi

“Chega sempre a hora em que não basta apenas protestar: após a filosofia, a ação é indispensável.” Victor Hugo.

“O degrau da escada não foi inventado para repousar, mas apenas para sustentar o pé o tempo necessário para que o homem coloque o outro pé um pouco mais alto.” Aldous Leonard Huxley. 

O que é a guerra, senão a mais estúpida forma de solução de discordâncias? Qual a sua filosofia? — “Nós matamos seus militares e civis e vocês fazem o mesmo com os nossos. Destruímos seus prédios, pontes, fábricas, escolas, ferrovias, hospitais; afundamos seus navios, exterminamos milhões, com aço, fome e doenças. E vocês, prezados inimigos, estão tolerados, juridicamente — sempre houve guerras... — para agir da mesma forma com os nossos bens, pessoas e animais. Afinal, perguntamos, não dispomos de dois competentes tribunais internacionais na cidade de Haia, Países - Baixo, concebidos para impedir essa tragédia periódica que vitima ambos os lados em conflito? Temos, mas até agora falhamos inúmeras vezes nessa tarefa. Falta subir “um degrau mais alto”, na expressão de Aldous Huxley.

Que degrau seria esse? Respondo: se responsabilizássemos financeiramente, o chefe de estado e/ou chefe de governo, que decidiu iniciar as hostilidades contra outro estado usando a força ou ameaça. Refiro-me à Corte (ou Tribunal) de Justiça Internacional, que só pode julgar outros estados — “leia-se” países — e outras variantes mencionadas nos seus estatutos. Temos  também o Tribunal Penal Internacional, também na Haia, que não faz parte da ONU, concebido para julgar criminalmente indivíduos acusados de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de agressão e crimes de guerra. São dois tribunais independentes com missões que pretendem ser bem diferenciadas mas que vão se conectando cada vez mais na forma de agir.

Qual a justificativa para esta proposta de envolver “o bolso” do político, líder ou militar que decide atacar ou ameaçar seriamente a ordem internacional? Atualmente, nos casos julgados pela Corte Internacional de Justiça, a eventual condenação do culpado é devida não pelo político ou militar responsável pela agressão mas sim pelo país agressor, pessoa jurídica de direito público. Essa sistemática, cômoda, estimula comportamentos pessoais irresponsáveis de políticos e militares que, antes e durante a agressão assim pensam. — “Ótimo! Meu patrimônio não estará em risco! Quem terá que indenizar o país agredido, será meu país, meu povo, não eu”. 

Nesse aspecto, o Tribunal Penal Internacional — que julga pessoas físicas —, age de forma mais enérgica, decretando até prisões, dificilmente realizadas por causa do poder de veto das cinco grandes potências ou simples invocação de soberania de quem errou. É direito da humanidade — que sofre na carne, no sofrimento moral e no patrimônio as terríveis consequências das guerras — derrotados e vencedores —, o direito de opinar sobre esse assunto.  Não há nada mais importante que esse tema, que permanece intocado ou manipulado pelos que lucram com as guerras e pessoalmente delas não participam fisicamente. 

Como seria, por exemplo, redigida essa “individualização” da responsabilidade financeira do político ou militar nas decisões liminares e finais, proferidas pela Corte de Justiça Internacional? Seria, imagino, com o provisório congelamento das suas contas bancárias, ou fontes de renda, no país e no exterior. Porém, se o político ou militar cessar o ataque seu patrimônio voltará a ser livremente administrado. E se, no caso concreto, — o Conselho de Segurança, ou quem emitiu a ordem restritiva —, concluir que houve recíproca agressão, ambos os governos sofrerão uma “individualização da pena”, variável, conforme a gravidade de seu proceder. Isso porque a missão do Tribunal é reprimir as guerras, e não proteger qualquer país. 

Como disse, o bloqueio ou congelamento da riqueza do político ou militar abusador, não necessitaria ser sempre total. Ambas as cortes de Haia poderiam fixar entre 50% e 80% essa penalidade, para abrandar a rejeição dos países mais poderosos à aceitação de uma nova concepção de vida internacional. Essa restrição no uso do próprio patrimônio, por si só, já seria uma forte dor de cabeça e pouparia a família do político, ou militar, de passar necessidade ou ser humilhada por culpa exclusiva de seu chefe.       

Lembre-se ainda, contra as guerras, que nelas o lado derrotado pode querer revanche, com novas mortes e destruições, como aconteceu com a Alemanha após encerrada a Primeira Guerra. A Alemanha se considerou, e foi mesmo forçada, a concordar com alguns abusos indenizatórios fixados no Tratado de Versalhes. De certa forma esse tratado ajudou Hitler a incendiar o mundo. 

Sobre a Primeira Guerra Mundial as estimativas de morte variam entre 16 milhões e 40 milhões de mortos, entre soldados e civis de alguma forma vítimas diretas ou indiretas dos combates. Ou por fome, epidemias, atrocidades e genocídios. Vencedores e perdedores viram a parte mais promissora de suas populações — a mocidade sadia, selecionada no recrutamento — ceifada estupidamente, mesmo quando, no íntimo discordavam desse método de solução de controvérsias. Ridiculamente, ter os pés chatos podia — e talvez ainda possa... — ser uma vantagem, um “seguro de vida”, porque seu portador era, ou ainda é, dispensado do serviço militar.  Sendo perfeitamente constituído na planta dos pés estaria sujeito a uma morte violenta ou ser prisioneiro de guerra. Mas como recusar a convocação sem ser preso ou desmoralizado, acusado de covardia? E nem sempre o soldado está defendendo a pátria. É “exportado” para matar estranhos em outro país, por razões geopolíticas ou econômicas inventadas por gente bem mais velha que não vai correr riscos pessoais, nem na própria carne nem no bolso, com suas “valentias”. 

Sobre a Segunda Guerra Mundial as estimativas de morte estão entre 70 milhões e 85 milhões (Wikipédia). Quanto ao número de feridos e aleijados não encontrei informes mas o número dos feridos em tragédias quase sempre supera o número de mortos.

Desnecessário prosseguir dizendo o que todos conhecem sobre os males das guerras. Obviamente o país que foi agredido tem o direto de se defender, até que a comunidade internacional interfira. Mas é preciso que chefes de estado e de governos sintam uma sensação de risco pessoal — pelo menos financeiro —, aquando imaginam quão fácil e lucrativo seria invadir um país mais fraco. Alguns fabricantes de armas lutarão para que tudo continue como está. Outros, mais compreensivos, saberão aperfeiçoar o que sabem fazer com competência porque o instinto guerreiro ainda continua existindo no ser humano e nunca se sabe se surgirão situações, em que será necessária a força das armas para reprimir abusos óbvios de potências que pretendem dominar o mundo.

Encerrando, gostaria que duas extraordinárias personalidades internacionais, José Francisco Rezek, ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, por 12 anos e duas vezes Ministro do STF — algo sem precedente em nossa história — e a professora Sylvia Steiner que, praticamente criou o Tribunal Penal Internacional, lá permanecendo entre 2005 e 20016. Quem quiser conhecer mais intimamente essa invulgar personalidade leia um artigo escrito por Arnild Van De Velde na internet. Ficará sabendo que talento, caráter, modéstia e fama podem coabitar em uma mesma pessoa.

Sei que tanto José Francisco Rezek quanto Sylvia Steiner se sentirão incomodados com o convite de julgar uma sugestão tão relevante para a raça humana, levantada por um ilustre desconhecido. O presente artigo poderia, em minhas mãos, estender-se em centenas de páginas mas isso seria contraproducente porque não seria lido.   Por outro lado, existe a possibilidade de despertar o interesse de duas sumidades do Direito Internacional Público.
E a situação política internacional está mesmo necessitando da lucidez de dois grandes brasileiros.


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