quinta-feira, 13 de junho de 2019

Sérgio Moro priorizou a verdade e não violou a lei.





Merece, por isso, mais elogios do que críticas. Refiro-me àquelas oriundas de réus condenados por Moro, políticos sob suspeita, jornalistas lulistas torcendo pelo pior e até mesmo recriminações de um ou outro magistrado de altíssimo grau de jurisdição, enciumado com tamanho prestígio popular concedido a um magistrado “moço” e com chance de ocupar assento no Supremo Tribunal Federal. Espero que Bolsonaro confirme sua proclamada independência. 

Bolsonaro pode ter e tem seus defeitos mas sempre revelou uma qualidade não comum nos tempos conturbados: a coragem, sem a qual as demais virtudes ficam inoperantes, paralisadas pelo medo. O “resto” — economia e política externa —, podem melhorar muito por força da necessidade e da prática de governar. É cedo demais para se pensar em impeachment. Lembre-se que nos três meses iniciais de seu governo seu organismo estava debilitado por operações e tratamentos que diminuem o desempenho físico e mental. Bolsonaro formou-se em educação física, não em economia ou direito, mas seu adversário político mais relevante, Lula, não tem qualquer curso superior. 

“Como pode esse juiz, tão jovem, Moro, pretender chamar tanta atenção?!” — pergunta-se um eventual magistrado enciumado. E acrescenta: —“Certamente ele se considera um “herói”, um ‘salvador da pátria’! É-lhe salutar, portanto, um forte dose de vexame, agora. Que ele, sofra e sue sangue com as recentes acusações de parcialidade reveladas nas escutas ilegais de suas conversas, via celular, durante a Lava Jato. Um pouco de humildade lhe fará bem, embora no longuíssimo prazo. Muita audácia, a desse rapaz, tentando ‘purificar’ moralmente, no tranco, o país”. 

Moro, para mim, não é orientado pela vaidade, obsessão pelo poder ou riqueza material. É até meio humilde, imensamente tolerante, incapaz de se exaltar ou elevar a voz, como se viu nos interrogatórios de Lula no decorrer do processo. Lula, arrogante, superior, respondendo às perguntas de Moro parecia um reizinho ou mescla de juiz e Sigmund Freud, tentando colocar Sérgio Moro na posição de acusado.  Em vez de apenas responder às indagações do juiz, perguntou ao juiz se ele conseguia, ao voltar para casa, se olhar no espelho depois de interrogá-lo. Moro, com educação, apenas o lembrou que caberia a ele, juiz, fazer perguntas. 

 O “defeito” de Moro, na Lava Jato, foi o “atrevimento” de se empenhar em travar, com perigosa urgência — que o diga a contratação de rackers para espionar seu celular — a óbvia impunidade do colarinho branco que existia no País. Impunidade alimentada com a existência de “quatro instâncias” julgadoras para se condenar um poderoso, quase eternizadas pelo direito de recorrer continuamente de qualquer decisão ou despacho judicial. Tecnicamente, não cabe recurso contra “mero despacho”, mas este pode ser atacado por outras vias judiciais. 

Nada impede, no direito brasileiro, que um acusado apresente cinco, dez, vinte ou mais habeas corpus, mensalmente, no STF, sabendo que todos eles terão que ser lidos pelo destinatário da petição — isso consume tempo e formalidades —, seja o destinatário um juiz singular ou um órgão coletivo. Na verdade, qualquer advogado sabe que, se tiver suficiente atrevimento — sem medo de cara feia judicial —, pode dificultar, usando as quatro entrâncias, o término de um processo. Nessa demora processual a natureza vai involuntariamente dando sua ajuda envelhecendo seu organismo permitindo que, velho e doente cumpra sentença em casa. Ficará o defensor com má-fama perante a magistratura, mas se não ligar para isso, o processo não termina. 

Moro inspirou-se no que ocorreu na Itália, com a operação “mãos limpas”, mãos que acabaram quase inoperantes, dizem, porque um “exagero” de limpeza em países de maus hábitos morais, “trava o progresso”, “prejudica os negócios”. Equivale a um prefeito exigir que em toda fábrica local o ambiente seja limpo e organizado em sua contabilidade, com o pagamento dos impostos. Se Moro “cair” — vitima das conversas gravadas criminosamente, acontecerá o mesmo com “Lavas Jatos” e similares. Penso que o Judiciário ficará desmoralizado se der certo o plano criminoso de “rackear” os dois celulares, comprovando que “o crime compensa”.  

Será crime, pergunta-se, um magistrado empenhar-se severamente na luta contra o desvio do dinheiro público? Se aceitou abandonar a magistratura — convidado pelo atual presidente —, foi pensando em combater o crime organizado e o crime violento, em maior extensão, usando métodos severos já utilizados por países do primeiro mundo. 

 Todos se lembram do caso do ex-diretor gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, que, em Nova Iorque, dentro do avião, tranquilo, pretendendo voltar à França — tinha comprado passagem de ida e volta —foi preso e retirado, já algemado, porque uma camareira do hotel em que ele se hospedara queixou-se ao gerente de que o grande financista a obrigara a praticar atos sexuais. O financista era um provável futuro presidente da França e a camareira poderia, em tese, ter mentido ao gerente do hotel quando se queixou de que sofrera abuso minutos antes, mas sem pedir sua detenção. E pelo que se vê em filmes americanos — que refletem os costumes do país — é comum que o suspeito seja preso provisoriamente quando tudo aparenta que ele praticou um crime de grande repercussão. Há uma preocupação estatal, apoiada pelo povo, de que não exista uma sensação de impunidade geral. As prisões provisórias têm também essa função. 

Alega-se, contra Sérgio Moro, que ele agia com parcialidade nos processos contra Lula e que tinha a obrigação profissional de manter-se sempre neutro. 

Essa crítica “redonda” e inocente sobre a total imparcialidade judicial é uma tolice que convém aqui esclarecer. 

Um juiz, qualquer juiz, recebendo uma denúncia, acompanhada do inquérito policial, lendo-o faz uma avaliação, provisória, — mesmo sem querer — da culpa ou possível inocência do acusado. Sabe que o inquérito pode, em tese, ter sido malfeito, mas sabe também que o normal, o corriqueiro, é que o delegado cumpriu sua função, reunindo fatos e indícios. No decorrer do processo, lendo provas e alegações vai conhecendo melhor o que ocorreu e, se ficar convencido do dolo ou culpa do acusado, preocupa-se em ser justo quando chegar o momento de sentenciar. 

Quando convencido da culpa ou dolo do acusado, mas constatando a dubiedade da prova juntada pela acusação, menos experiente, sua consciência de magistrado — se estiver funcionando bem — o obrigará, moralmente, a tomar iniciativas probatórias complementares em busca da verdade claramente demonstrável nos autos. Isso porque não convém —, cumprindo sua missão de fazer justiça —, deixar o mal prevalecer. Se ele for um juiz indiferente, apático em relação à verdade — portanto um mal juiz —deverá agirá passivamente? Não.

Será a busca da verdade, pelo juiz, uma atividade legal? 

A resposta é sim. Está na lei. Vejamos. 

Diz o Art. 156 do Código de Processo Penal (CPP), ainda em vigor, que “ A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

– ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)”.

Como se vê acima, o legislador previu a possibilidade humana do acusador não ter percebido que a prova por ele juntada nos autos está algo dúbia, incompleta, podendo e devendo ficar mais clara e convincente. Uma melhoria que ajudará as instâncias superiores a decidir com melhor conhecimento de causa. A prova, na primeira instância, não serve apenas para o juiz singular. É preciso pensar também nos tribunais que julgarão os prováveis recursos de quem perdeu a demanda. 

Por sua vez, o Art. 209 do CPP acrescenta que “O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.

§ 1o Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.

§ 2o Não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa”.

Em suma, o legislador processual penal, felizmente — para o juiz preocupado com a justiça real —, permite que o magistrado que vai julgar o caso, complemente a instrução, tornando mais sólida e convincente sua futura sentença.

Alguém, da defesa, dirá que a legislação, nesse caso é injusta, porque quando o juiz, com base na lei, colhe mais provas, ele está sendo “parcial”. A se pensar assim, nenhum juiz poderia julga processso algum porque ao proferir sua sentença — condenando ou absolvendo —, está sendo “parcial”, a favor do acusador ou do acusado. A absolvição também é uma forma de “parcialidade”, porque favoreceu o acusado.

Em suma, imparcialidade é algo que existe apenas bem no início do processo. No seu desenvolvimento, essa imparcialidade vai desaparecendo, o que é perfeitamente natural, racional, até mesmo moralmente exigível de todo juiz com coragem de enfrentar os mais poderosos, capazes — quem sabe — de contratar rackers para ouvir todas as suas conversas particulares.

Critica-se Sérgio Moro porque ele conversava, pelo celular, com o Procurador Deltan Dallagnol, que chefiava as investigações. Breves conversas particulares entre juiz e promotor são mais ou menos usuais, em casos estranhos ou de grande repercussão política. O Código de Ética da Magistratura, de 2008, no seu art. 9º,  diz que

“ Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:
I - a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado”

Essas audiências concedidas “a apenas uma das partes”, inclusive a advogados, principalmente antes de um julgamento do recurso no tribunal, obviamente não se destinam a falar bem da parte contrária. Pelo contrário. E não adianta o referido Código acrescentar que “contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado”.

Acontece que a parte contrária normalmente não foi informada de que houve ou haveria tal contato do seu adversário. Por isso, não solicitou igual audiência, sozinho, com o relator do acórdão. Só li uma queixa contra essas conversas particulares por parte do Min. Joaquim Barbosa que, por sua própria iniciativa, exigia que só permitiria tais audiências particulares com a presença de ambas as partes. Provavelmente Joaquim Barbosa quase não precisava ouvir tais conversas, que tenderiam a bate-bocas jurídicas na sua presença.

A se censurar Moro e Dallagnol por trocarem impressões, a defesa de Lula no STF mereceria fortes críticas porque um dos advogados de Lula, Sepúlveda Pertence, prestigiado ex. Ministro do STF — jurista extremamente inteligente e persuasivo —, visitou Ministro desse Tribunal acompanhado de alguns advogados de Lula. Obviamente, Sepúlveda não foi lá para falar mal do próprio cliente.

Moro e Dallagnol trocaram frases comprometedoras, porque foram “rackeados”. Se conversas particulares de magistrados das altas instâncias e escritórios de grandes advogados de defesa também tivessem sido gravadas, imagine-se o que eles teriam dito, até xingado, provavelmente com inclusão de palavrões. Isso é humano, normal.

O essencial é saber que a prova colhida na Lava Jato certamente foi convincente porque passou pelo crivo de vários magistrados, de várias entrâncias.

Para um real “equilíbrio de forças” — digo aqui brincando — seria o caso de se pensar que Moro e Dallagnol foram “omissos”. Deveriam — brinco novamente —, ter solicitado a um outro racker — o da acusação —, grampear as conversas dos luminares da advocacia em ação, porque o efeito do “grampo” criminoso contra Sérgio Moro e a Lava Jato foi devastador. Se a tramar grudar será uma prova de que o crime compensa mais que toneladas de livros jurídicos.

Encerro por aqui, pedindo juízo e realismo dos interessados no bem do País.

(13/06/2019)

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