sexta-feira, 28 de abril de 2017

Sobre a pena de morte no Brasil


Recebi, ontem, e-mail de um professor, de prenome Jacy — não menciono o nome completo porque não o consultei a respeito —, que só conheço via e-mails mas que revela-se, em seus textos, pessoa culta, delicada, equilibrada e espiritualizada mas também revoltada contra a agressividade, excessiva e de baixo nível, de pessoas que o censuraram, pelo fato dele, Prof. Jacy, ser absolutamente contrário a pena de morte, seja qual for o país em discussão.

Honrado pelo fato de receber sua mensagem, sempre bem redigida, decidi escrever duas ou três linhas a respeito do assunto, porque na minha opinião, todos os castigos legais — com exceção da tortura — podem ser pensados, considerados, como forma de inibir certos impulsos criminosos, aqueles mais primitivos, mas, assim mesmo, inerentes à condição humana. O Homem ainda é um composto de fera e anjo, em percentuais que prefiro não mencionar porque as pedras e as salivas raivosas poderiam chover na minha cabeça de pessimista sobre o futuro próximo. Digo isso porque, ao contrário do professor, sou a favor da pena de morte como último recurso legal, até virtuoso, para desestimular a morte de um ser humano. Digo “virtuoso” porque penso nas vítimas, em muito maior número do que seus assassinos, nas democracias.

Desculpe, Prof. Jacy, mas sou a favor da pena de morte. Pelo menos contra os chefes, riquíssimos, do crime organizado que, embora presos e condenados a mais de cem anos de prisão — uma maneira modesta de dizer — ficam ordenando aos seus "soldados", em liberdade, que matem quem os "Don Corleones" indicarem.

 Presos, esses "super-bandidos" sentem-se protegidos dos ataques de bandidos concorrentes. Não precisam gastar com a própria segurança porque o Estado faz isso de graça. De seus "escritórios", nas penitenciárias, podem se dar ao luxo, por exemplo, de mandar incendiar bem mais de dez ônibus, como aconteceu recentemente em Fortaleza, Ceará.  Por quê a ordem de "queimar”? Porque a administração teve a ousadia de contrariar o "alto comando" da criminalidade, decidindo ou apenas cogitando enviar alguns líderes de facções para outra prisão, atrapalhando o “negócio”. E por falar em negócio, nesta semana constatou-se a alta profissionalização dos assaltos, agora artigo de exportação, quando brasileiros roubaram 40 milhões de dólares, no Paraguai, fugindo em seguida para o acolhedor Brasil.

Não adianta a administração penitenciária endurecer a vigilância contra a introdução de celulares nas cadeias porque os "mandões" que realmente controlam as prisões sabem os nomes dos guardas. Onde eles moram, se têm esposa, filhos, etc. Se os guardas não aceitarem o dinheiro oferecido para fechar os olhos, seguem-se as ameaças "anônimas" de represálias físicas contra os administradores e funcionários "linhas duras" e também contra a família destes. Esses funcionários, que ganham pouco, acabam não resistindo à pressão do suborno, ou do medo de serem mortos por "por um assaltante qualquer". Na verdade, um bandidinho avulso, pago para matar o funcionário. E se pegarem o bandidinho ele nem saberá, com certeza, quem, em última análise, deu a ordem para o falso "latrocínio".

A pena de morte, no Brasil, precisa existir pensando na valorização da vida. A vida de milhares de pessoas que morreram justamente porque a criminalidade já não tem medo da justiça. Salvo engano, mais de 50.000 pessoas foram assassinadas no Brasil, no ano passado. Amantes ou maridos rejeitados pela amada acham-se no direito de matar a mulher que não mais o quer. Nem fazem questão de praticar um crime perfeito. Pensam assim: "se eu tiver muito azar, sendo descoberto, ou preso, ficarei um tempinho da cadeia e fugirei no primeiro abono de natal"

 Agora, se soubessem que também iriam morrer, pensariam diferentemente, pelo menos a maioria. Bandidos que explodem os caixas eletrônicos presumem que, com "muita grana", contratarão grandes criminalistas para defendê-los, com alta chance, pensam, de serem absolvidos ou beneficiados pela prescrição.

É sintomático que países que adotam a pena de morte — vários estados nos EUA, China, Japão e Rússia —, grandes potências, permitam a pena máxima. Claro que homicídios continuam existindo no mundo, com ou sem pena de morte, mas a proporção de homicídios é menor, nesses quatro países referidos, do que nos países em que a pena capital foi proibida.

 Paradoxalmente, a pena de morte serve para valorizar a vida. O condenado, que foi antes julgado, teve, pelo menos, o direito de se defender contra uma acusação. Já as vítimas morrem "bestamente", sem chance de defesa, e frequentemente pelos motivos mais levianos ou repelentes. Por exemplo: dois assaltantes dominam e sequestram um transeunte qualquer. Querem apenas roubá-lo. Casualmente, examinando seus documentos, descobrem que a vítima é um policial, civil ou militar. Aí o roubo se transforma em “divertido” latrocínio.

Matam um homem totalmente indefeso, talvez já aposentado, só por causa de sua anterior ou atual profissão, quase sempre exercida com honestidade, mal remunerada e de grande risco. E se não houver testemunhas à vista, podem talvez se dar ao luxo de torturá-lo. Outro exemplo da falta de inibições que devem continuar existindo: filhos adultos que matam os pais para receberem logo a herança.

Não quero convencê-lo de nada, Jacy, mas tente encarar o problema pelo lado das vítimas.

Quando da possível redação de uma nova Constituição, no Brasil, tentarei, como muitos outros, convencer o legislador para retirar do texto constitucional a proibição da pena de morte. Desse modo, a legislação ordinária poderá, em situações emergenciais — de quase "total liberdade para matar" —, aplicar a pena de morte naqueles casos de extrema maldade, ou egoísmo, ou fácil esperança de impunidade.

Pena de morte para o latrocínio, principalmente quando não há reação da vítima, seria uma boa política criminal. A Organização das Nações Unidas posiciona-se “oficialmente” contra a pena de morte pensando nos ditadores que, abusando do poder incontrolável, autoconcedido, matam seus opositores. Como os ditadores controlam os tribunais, fica-lhes fácil assassinar seus críticos “legalmente”.

É por isso, a meu ver, que a ONU proíbe a pena de morte. Mas nas democracias, embora imperfeitas — como é o caso dos EUA, China, Rússia e Japão — que permitem a pena capital, o fato desse castigo existir não impediu esses países de permanecerem na ONU, inclusive alguns em posições-chaves, no Conselho de Segurança, como é o caso dos Estados Unidos, Rússia e China.

Foi oportuno, Jacy, o envio de seu e-mail, porque ele me despertou velhas lembranças sobre o tema. Vou publicar o presente texto no meu blog e outros espaços na internet.  Tem a vantagem de ser curto. Não o censuro por pensar o contrário porque sei de seus bons sentimentos e intenções. Mas insisto: pense também nas vítimas, que têm mais direito, que os criminosos, de permanecerem vivas. Elas mereciam mais a vida do que os bandidos, de variados matizes, que pensam estar acima do bem e do mal. Que as leis penais tenham, pelo menos, a utilidade de intimidar os que pensam que tudo podem. O medo, a quase única utilidade das penas criminais, repito, desapareceu no Brasil.

Abraço, mas não vou manter polêmicas com ninguém, porque isso significaria apenas perda de um tempo muito precioso.  Cada um que pense como quiser. Esse tema mexe muito com a emoção, e os sentimentos quase sempre têm mais força que a racionalidade.

 Porque temos bom e mole coração, a matança vai prosseguindo, tranquila, sacrificando milhares de inocentes no altar da impunidade, involuntariamente facilitada por legisladores  temerosos das críticas de alguns donos da verdade.

(26-04-2017)


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