terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O naufrágio do Titanic é assunto que não morre. Examinemos a última abordagem, de Senan Molony

Em novembro de 2008 escrevi, no meu site, a “Relação entre o capitalismo e o naufrágio do Titanic”, informando que a revista “Newsweek”, de 20-10-08 trazia, na pág. 56, uma resenha, do livro “Titanic’s Last Secrets” (Últimos Segredos do Titanic”) livro escrito por Brad Matsen.

Essa resenha, inteligente e detalhada, foi escrita por Jeneen Interlandi. No livro, o autor, Matsen, sustenta — com argumentos aparentemente irrespondíveis —a tese de que se o navio tivesse sido construído conforme a especificação da planta — com o casco, feito de aço, mais grosso, a embarcação talvez não houvesse afundado. E, se naufragasse, isso não ocorreria tão rapidamente, matando mais de 1.500 pessoas. Haveria tempo para os passageiros e tripulantes serem socorridos por outros navios. Estes só conseguiram chegar ao local cerca de 4 horas depois, quando a nave já estava no fundo do mar.

A colisão aconteceu pouco antes da meia noite do dia 14 de abril de 1912. O transatlântico submergiu 2,40 horas depois de sofrer — no casco, abaixo da linha d’água —, um rasgo lateral a estibordo (lado direito) na extensão de aproximadamente 90 metros. Cabe lembrar que o comprimento do navio era de 269 metros. 

Nessa demora involuntária da chegada de outros navios, tentando socorrê-lo, reside o lado da tragédia relacionada com o número imenso de mortos. Isso porque o Titanic foi programado para resistir a choques frontais. Na parte submersa da embarcação havia duas câmaras, na proa, que poderiam ser inundadas sem que, com isso, o navio afundasse. Seus projetistas acreditavam que se, eventualmente, mais dois outros compartimentos adjacentes — totalizando quatro — também fossem inundados o navio finalmente naufragaria, porém muitas horas depois. Haveria tempo suficiente para a transferência dos passageiros e tripulação para outros navios.

 Essa conjetura relacionada com o tempo entre choque e naufrágio ocorreu pela comparação com outros acidentes ocorridos com transatlânticos de luxo. E o Titanic era o maior, mais caro e aparentemente o mais seguro navio da época.   

O autor do livro menciona que enquanto o Titanic estava sendo construído houve um choque entre dois transatlânticos de luxo — o “Republic” e o “Florida” — perto de Nantucket, Massachusetts, EUA. A colisão causou muito mais danos do que o longo “raspão” do iceberg Titanic no. No entanto, o “Flórida” conseguiu navegar até o porto de Nova Iorque, salvando todos os passageiros. Quanto ao “Republic”, ele flutuou durante 38 horas, o que permitiu o transbordo de todos os 750 passageiros. Ninguém morreu. Já com o Titanic, repito, a nave afundou em duas horas e quarenta minutos. Só se salvaram aqueles quinhentos e poucos passageiros que conseguiram lugar nos botes. Insuficientes, porque o “Titanic” seria teoricamente “inafundável”, não havendo necessidade de muitos barcos salva-vidas.

Cerca de oito anos depois de escrever meu artigo, leio na revista Veja, edição 2512, de 11/01/2017, pág. 86, nova matéria sobre o naufrágio do Titanic com o título “E se não foi só o iceberg”? Acima do título aparece uma foto da proa do navio, fotografado pelo lado direito, onde se nota uma mancha mais escura, de nove metros de comprimento, no casco e u’a “marca reveladora”, com seta, supostamente comprovadora do “fogo no convés”. Esclareça-se que o fogo ocorreu nos porões, não propriamente no convés, termo usado preferencialmente indicando o “piso” mais alto do navio. 

O ressurgimento do assunto ocorreu porque um jornalista irlandês, Senan Molony, encontrou, segundo a revista, “um lote de fotografias tiradas pelo engenheiro-chefe do estaleiro de Belfast”, onde o navio foi construído. E com essas fotos ficou comprovada a ocorrência de um incêndio, ocorrido no enorme depósito de carvão poucos dias antes da viagem inaugural do Titanic. Segundo a tese do jornalista irlandês, corroborada por técnicos em metalurgia, o aço utilizado naquele tempo, submetido a calor excessivo, perdia 75% de sua resistência. Daí a facilidade do imenso rasgo lateral do navio, abaixo da linha d’água, inundando várias áreas submersas além daquelas que, mesmo inundadas, poderiam manter o navio flutuando por tempo suficiente para evitar a morte de tantas pessoas.

Segundo outros dados, acessíveis na internet e referidos na reportagem do jornalista Senan Molony, a malícia e ganância de lucros dos donos do Titanic levou-os a atracar o navio, antes da viagem inaugural, de um modo que a multidão, presente no cais, não visse a mancha escura — voltada para o mar — indicativa do grande incêndio, sobre o qual a companhia construtora ordenara o máximo silêncio.

Somando as informações do livro de Brad Matsen — sobre a troca das chapas de aço do casco, mais grossas, por outras mais finas e leves — com as recentes comprovações sobre um avultado incêndio, mantido em segredo (um conjunto de causas que matou mais de 1.500 pessoas), podemos saltar para a conclusão teórica de que o sistema capitalista, com todos os seus inegáveis méritos —, iniciativa, empreendedorismo, liberdade criativa, estímulo ao progresso, etc. — não pode funcionar sem algum controle de seus naturais excessos. Daí a pertinência de algum tipo de vigilante “freio” do poder público. Todas as pessoas querem o que não têm. E mesmo tendo, querem mais, e mais, e mais. Uma estranha forma de embriaguez. 

 Aos donos do Titanic não bastava que o famoso navio fosse o maior, o mais luxuoso e talvez o mais seguro transatlântico do mundo de então. Tinha que ser também o mais rápido, e para isso era preciso que ficasse mais leve no seu deslocamento, com casco mais fino. E, por questão de prestígio, não poderia sofrer muito atraso na viagem inaugural, anunciada com muita propaganda. A data da partida sofreu um ligeiro atraso, no dizer do jornalista por causa do mencionado incêndio. Era para ocorrer numa quarta-feira, mas só partiu no sábado. Essa pressa custou muitas vidas, porque o acaso também interferiu na tragédia.

Segundo a Wikipédia, o acidente ocorreu “em uma noite escura, não havia nuvens nem lua no céu e a água estava completamente calma; atualmente sabe-se que uma água extremamente calma como aquela encontrada pelo Titanic é um sinal da presença de icebergs por perto, porém isso não era de conhecimento dos marinheiros da época”.

Não se pode garantir que, mesmo sem as falhas relatadas, não poderia ter ocorrido o encontro do luxuoso transatlântico com o traiçoeiro iceberg que aplicou, no orgulho naval, um “golpe baixo” — considerando que o dano significativo ocorreu na parte submersa do casco. Sob esse aspecto a foto da Veja, mostrando a mancha, só serve para indicar a ocorrência de um incêndio dentro do navio. Qualquer perfuração, feita pelo iceberg, acima da linha d’água, não tem relação com o naufrágio.

Como nada se perde no mundo dos fenômenos, mesmo os mais lamentáveis, a tragédia e a arte do cinema transformaram o triste acontecimento em uma poderosa obra de arte. Para mim, o filme, de mesmo nome, foi, talvez, o melhor filme que assisti. As cenas finais, do navio partido em dois, parte dele em posição quase vertical, com pessoas no convés deslizando para a morte, são a perfeição técnica dessa difícil e dispendiosa arte. Aliás, dizem que o gasto com o filme Titanic ficou mais caro que a construção do navio, mesmo com as devidas atualizações monetárias.

Não houvesse esse filme, certamente, o interesse pela tragédia não estimularia tantas investigações. E eu, modesto comentarista, não perderia tanto tempo lendo e escrevendo sobre um naufrágio ocorrido mais de cem anos atrás.

(23-01-2017)   

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