sábado, 21 de fevereiro de 2015

Anderson Silva: doping ou compensação hormonal?

Anderso      
O que é melhor? “UFC-arte” ou “UFC-ferocidade”?

Há anos, assisto pela TV — embora com alguma sensação de culpa — as lutas do “vale tudo”: UFC, MMA e demais siglas que transmitem confrontos desarmados dos mais variados estilos de luta. Não só de “estilo contra estilo” — por exemplo, boxe contra judô — mas de “mesclas de duas ou três lutas” contra “infinitos menus” na forma de golpear, imobilizar ou estrangular. Os “estilos” foram se misturando de tal forma que pode-se dizer que hoje só há, praticamente, duas formas de lutar: na vertical e na horizontal. De pé ou no solo.

Esclareço que minha sensação de culpa deriva da constatação de que a visão, frequente, na televisão, de dois homens — agora também de mulheres, algumas até bonitas, provisoriamente... — trocando socos na cara e pontapés em qualquer lugar, menos nos “países baixos” —, certamente estimula a liberação da ancestral agressividade, frouxamente contida pela educação ou temor da lei. Uma agressividade em nada diferente da animal. Na realidade pior do que esta porque organizada, refinada e até mesmo “teorizada”. Sempre é possível encontrar um político, cientista ou “religioso” ignorante para “fundamentá-la’ — vide Estado Islâmico.

O sangue, nesses combates de MMA, frequentemente, cobre o rosto ou o couro cabeludo, a ponto de uma senhora, presente em minha casa, vendo casualmente uma luta especialmente sanguinolenta na TV exclamar: — “Que horror! As brigas de galos e de cães não estão proibidas?”

Quando eu disse que sim ela me perguntou: — Se estão proibidas, como a polícia permite que seres humanos possam se machucar, mas os animais, não? Os bichos valem mais que os homens?”— Aí eu expliquei que os atletas fazem isso por vontade própria, conscientes dos riscos, que raramente resultam em morte ou aleijão, enquanto que os animais são manipulados por pessoas interessadas apenas em ganhar o dinheiro das apostas. Além do mais, os bichos frequentemente morrem na luta, ou pouco depois, ao passo que mortes, ou aleijões irreversíveis, raríssimamente ocorrem com os atletas. Ela não pareceu muito convencida da diferença e achou melhor sair da sala. 

Realmente, o homem é um animal estranho. Terminada a luta, proclamado o vencedor, é comum que os lutadores, já enxugados do próprio ou alheio sangue, se abracem amigavelmente, como se fossem amigos que se encontram após longa ausência. Já entre os animais, isso não ocorre, o ódio é coerente, sincero, a comprovar que o homem é um animal bem peculiar. Dentro de cada homem habitam diferentes pessoas. Cada ser humano é um clube.

Conversando com um amigo, que também costuma acompanhar essas lutas, ponderei a ele que certamente minha preferência esportiva — nunca gostei de futebol — não é recomendável, em termos de formação moral, porque estimula os jovens a usar a força física para impor seus pontos de vista, ou provocar admiração, principalmente na fase de acasalamento. As “minas” ficam excitadas. Os rapazes querem impressionar a “galera”. Em vez da discussão, do argumento, o soco ou o pontapé.

Esse amigo afirmou que, pelo contrário, a difusão dessas lutas desestimulava as brigas entre os jovens porque nas academias os professores insistem na proibição de brigar na rua.

Discordei, porque se é verdade que o aluno é bem doutrinado na academia, o perigo não está nos alunos, mas no número indeterminado de moços que nunca frequentaram qualquer academia, guardam variados ressentimentos e estimulam-se com confrontos que produzem sangue, tanto nas competições de luta quanto nos filmes de ação, cada vez mais insistindo no sadismo prolongado. O “must”, agora, nos filmes de ação, é o uso da serra elétrica, do machado, do corte calmo, pausado, de dedos inteiros — enquanto a vítima grita continuamente —, do estupro coletivo e demais “requintes” de uma ferocidade muito acima da animal.

Como, no entanto, tudo hoje é decidido pelo “mercado”, e a violência está em toda parte, incentivando — aí com razão —, o jovem a aprender defesa pessoal, não com faca nem tiro, o que seria pior — não há porque proibir a prática de tais lutas nos ringues e octógonos. Uma ligeira melhoria civilizatória, nessas lutas seria, porém, a proibição do uso do cotovelo, essa “arma óssea” especialmente brutal e a principal responsável pelo avermelhamento do combate.

Agora, o caso Anderson Silva e o possível doping.

A mídia, por esses dias, tem abordado, com insistência, a questão do uso de substâncias proibidas, “dopando” os atletas. O uso de esteroides anabolizantes foi detectado no organismo de Anderson Silva, em um primeiro exame e, em outro, posterior. Segundo o jornal Estado de S. Paulo, de 19-2-15 —, foi constatada, no segundo exame, também a presença de “substâncias para conter a ansiedade e combater a insônia”. Outra reportagem, anterior, menciona que Nick Diaz, o lutador derrotado por Anderson quando de seu retorno  ao UFC, fumou maconha depois de uma luta.

A proibição do uso de esteroides anabolizantes tem, em princípio, razão de ser, porque os esteroides aumentam artificialmente a força de quem os usa, dando-lhe uma vantagem ilícita em relação ao adversário, que utiliza apenas a força oriunda da natureza, do treino e da vida regrada. Fosse a dopagem autorizada ou “ignorada” pelos organizadores dos eventos esportivos, haveria sempre duas competições dentro de uma só: a “muscular” e a “química’. Competiriam, simultaneamente, os atletas e os laboratórios.

As lutas “envenenadas” certamente se tornariam cada vez mais “empolgantes”, em termos de energia e agressividade. Atletas habitualmente tranquilos tornar-se-iam pit bulls assassinos quando entrassem no ringue. O valor estritamente pessoal do atleta ficaria em segundo plano, porque a engenharia química progride mais depressa que as lentas e incertas mutações genéticas relacionadas com a força física, agressividade e rapidez.

Além do desvirtuamento das competições esportivas — os laboratórios “lutando” entre eles, mais do que os atletas — a morte precoce seria o destino comum dos lutadores, porque essas “mágicas” químicas cobram seu alto preço: arruínam o organismo do usuário que não abandona o vício a tempo.

Ocorre, porém, que a relação de causa e efeito no uso de drogas nas competições esportivas, tem sido mal compreendida, ou explicada, na mídia recente, envolvendo o lutador Anderson Silva.

Lembre-se, para começar, que apenas as drogas capazes de melhorar o desempenho do atleta, em competição que envolva força e/ou velocidade é que poderiam invalidar o resultado. Substâncias que não tenham tais efeitos não podem ser levadas em conta, porque não influem no resultado.

No caso de Anderson Silva, por exemplo, o fato do 2º exame revelar, segundo o jornal, o uso de remédios contra ansiedade e insônia não pode ter, obviamente, o mínimo significado nas suas vitórias. Pelo contrário, o uso de calmantes ou remédios contra a ansiedade até diminui a força e velocidade de quem usa tais produtos e depois vai cambiar pancadas. O mesmo acontece quando o cidadão fuma maconha, conforme diz a voz comum. Foi o caso de Nick Diaz, que teria fumado a erva após sua luta com o brasileiro Anderson. Sou contra o uso da maconha, por razões que ficaria longo enumerar, mas pelo que se sabe, esse produto não ajuda seu consumidor a lutar melhor. Seu maior efeito é o de “paz e amor, bicho...

Segundo se diz, o maconheiro fica é “mole”, rindo à-toa, “numa boa”, menos enérgico, rápido e forte nos golpes. Justamente o oposto do que é preciso para vencer qualquer competição que não seja de risadas.

Apenas as substâncias químicas que aumentam a força e/ou a velocidade do atleta é que podem invalidar sua vitória. O que é ingerido, ou de qualquer forma assimilado, depois das competições só podem autorizar o aconselhamento do atleta para que não fume, não beba, não coma demais, “seja um bom rapaz”, etc. Trata-se da vida privada. A organização esportiva que o abriga pode até expulsar o atleta, se isso estiver no contrato, mas nunca invalidar uma vitória por ele conquistada ainda que tenha em seu organismo os vestígios dessa droga. Se o atleta venceu, ele o fez “apesar” da droga.

Antes de escrever este artigo dei uma espiada no Google, lendo sobre alguns remédios configuradores de doping, que de alguma forma constatam a presença de derivados da testosterona. Alguns — não me dei ao trabalho de anotar —, são indicados para aumentar a rapidez a cicatrização de ferimentos. Espera-se que os advogados de Anderson Silva examinem, com a assistência minuciosa de um endocrinologista, qual o “efeito força e/ou velocidade” que tenha favorecido esse lutador na luta cujo resultado foi invalidado, ou está em vias de o ser.

Mais uma observação, talvez impertinente, vinda de um não especialista: digamos que Anderson Silva tenha, de nascença, uma pequena deficiência na produção natural de testosterona, o que explicaria sua voz fina, um tanto incompatível com sua coragem e energia para lutar.

Se Anderson tiver, eventualmente, alguma deficiência hormonal — o que de forma alguma o transformaria em homossexual — o homossexualismo está mais no cérebro do que na produção hormonal — seria lícito que compensasse essa deficiência orgânica, natural, utilizando a testosterona sintética. Alguns homens mais velhos, atualmente, por recomendação médica, submetem-se a um “reforço” hormonal que teria efeitos benéficos para sua saúde. Tais injeções de testosterona não significam, no caso, “dopagem”. Algo assim ocorre com a injeção de insulina para o diabético. Se o pâncreas do paciente está deficitário, o certo é compensar isso com injeção.

Possivelmente, esse eventual déficit hormonal, compensado com injeção de testosterona, já foi examinado pela assessoria de Anderson Silva, mas pode ser que não.Se for constatado, agora, em novo exame de sangue, que A. Silva tem, de fato, um baixo nível natural, congênito, de testosterona, isso legalizaria a presença da testosterona sintética, descabendo sua punição.

Um homem qualquer — seja ou não lutador —, que tenha um déficit na produção natural, ou de testosterona, ou do hormônio da tiroide, ou da suprarrenal, ou  de qualquer outra glândula, tem o direito, plenamente ético, de compensar essa deficiência, pela qual não é responsável, utilizando o hormônio sintético correspondente. Se for esse, eventualmente, o caso, de Anderson Silva, ele, recebendo um complemento do hormônio que lhe falta, não estará sendo “dopado”, mas apenas “curado”. É uma questão de quantidade, não de qualidade, a mera presença de “vestígios” do hormônio constatado ao acaso, em qualquer momento, sem relação direta com a luta. 

Digamos, mais, que Anderson Silva tenha sua produção hormonal dentro da “normalidade”, mas em grau muito baixo, quase ultrapassando o limite inferior da normalidade. Se, numa escala de 0 a 10, dentro da faixa de “normalidade”, o nível de testosterona de Anderson está, por exemplo, em 1ou 2 — embora dentro do “normal”, mas fraca — , parece-me razoável concluir que poderia receber algum reforço sintético, considerando que gosta do que faz e tem invulgar aptidão e imaginação para um tipo de esporte que exige, infelizmente — mais do que qualquer outro —, uma dose forte de agressividade.

É bom lembrar que para o vale-tudo crescer  e permanecer em forma civilizada, menos primitiva, seria útil não valorizar apenas a agressividade e o sangue derramado. Não é improvável que lutas por demais irrigadas a sangue escorrendo pelo rosto, acabem enjoando, ou enojando, um público mais educado. É um tanto animalesco elogiar o lutador que procura socar o adversário justamente no ponto em que ele já está ferido e sangrando. Não digo que o atleta fique preocupado em não agravar o machucado do adversário. Agora, caprichar, centralizando as pancadas no ponto que já sangra é um atestado de regressão de um esporte por essencialmente  brutal e que pode, no longo prazo, ser considerado como “de segunda categoria, adequada só para broncos”.

É evidente que o atleta excessiva e naturalmente “encharcado” de testosterona natural — tipo “lutador-fera” — agrade mais os telespectadores ávidos de brutalidade. Outros espectadores, porém, valorizam mais o “lutador-arte”, que mostra mais a imaginação e eficiência na arte de vencer as lutas. Provavelmente, este último tem um nível mais baixo de testosterona natural. Por isso é mais humano, razoável, menos agressivo até mesmo nas entrevistas.

Alguém objetará que se o atleta tiver baixa agressividade natural — porque sua produção hormonal é menos robusta — que vá jogar xadrez, golfe, vôlei, nadar, ou jogar pingue-pongue, deixando o “vale tudo” para os “machos”, que não precisam se suplemento algum para “trucidar” babando.

Entre os admiradores de lutas há também os que entendem que a habilidade do atleta, capacitando-o a vencer uma luta mais depressa é algo a ser valorizado. Um boxer que nocauteia o adversário em poucos minutos de luta merece mais admiração do que aquele que só consegue vencer suas lutas — quando consegue... —, no décimo round, coberto de sangue. Provavelmente burro, mas orgulhosos da ferocidade, a única “qualidade-defeito” que pode exibir. 

Embora opinando como curioso, talvez seja justo a Comissão que avalia o caso do doping de Anderson Silva verificar qual a produção hormonal natural de testosterona do atleta e, se constatado que seu organismo é deficitário nesse ponto, releve a falta. É pena que os exames antidoping sejam apenas qualitativos, não quantitativos.

A técnica mais segura para a moralização “orgânica” do esporte de luta está em colher o sangue do atleta uma hora antes de sua competição, após o que atleta ficará em recinto vigiado por câmeras e fiscais, de forma a não poder “cheirar” nem engolir remédio algum. 
A quantidade do precioso líquido vermelho a ser extraída da veia do atleta, antes da luta, não atrapalhará seu desempenho.Ele perderá, provavelmente, a golpes de cotovelo, cinco ou dez vezes mais seu “precioso líquido”.

O uso de cocaína, essa sim, é que merece dupla atenção e punição. Utilizada pouco antes da luta, a energia temporária — cinco rounds —, propiciada pela droga, pode influir poderosamente no seu resultado.

Jon Jones, atual campeão dos meio-pesados do UFC, foi pego com exame de sangue, feito ao acaso, e constatada a presença da cocaína. Teria essa cocaína sido cheirada antes de alguma luta em que saiu vencedor? Não se sabe. Daí a necessidade de que tais exames sejam feitos colhendo o sangue do atleta antes de cada luta importante. O lutador faz sua luta e, dias depois, pronta a análise da amostra, o vencedor recebe, ou não o prêmio, conforme tenha ou não lutado dopado.

Com perdão pela intromissão na seara alheia, encerro aqui minhas considerações. Acredito, porém, que haja alguns pontos de acerto no que ponderei.

(20-02-2015)  

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