quarta-feira, 11 de setembro de 2013

W. Putin, “atitude” e considerações afins.


Nunca imaginei que um dia elogiaria Wladimir Putin. Agora, em um  momento especialmente ameaçador para a paz mundial — fim de agosto e início de setembro de 2013 —, ele me parece merecedor de algumas medalhas. Isso comprova que até na traiçoeira política, existem reviravoltas redentoras.

Sábia, por isso, a orientação de não se dar, às ruas, nomes de políticos vivos. Tudo pode acontecer antes ou depois da morte do “impoluto emplacado”. Falhas morais graves podem vir à luz e daria muito trabalho alterar os nomes das praças e ruas, confundindo os carteiros, GPS e todas as comunicações humanas. Por outro lado, pessoas malvistas podem, inesperadamente, revelar qualidades elogiáveis. O bem e o mal convivem, embora aos arranhões e mordidas, dentro de todo ser humano, embora com imensas diferenças de intensidade.

Há duas qualidades que sempre despertaram meu respeito e estão cada vez mais ausentes entre os governantes, no mundo inteiro: “personalidade” e “atitude”. Alguns podem dizer, com razão, que são sinônimos, mas como tudo, visto bem de perto, pode ser fatiado, dissecado e esmiuçado, será lícito, aqui, fazer uma distinção entre essas duas qualidades.

A “personalidade” é uma virtude essencialmente intelectual: a de pensar por conta própria, externando sua opinião com total independência e honestidade — inclusive consigo mesmo, a parte mais difícil —, ainda que todos os “mestres” e donos da verdade e do dinheiro digam o contrário. Significa, também, não dar importância às críticas alheia, mesmo sem dizer nada.

“Atitude”, por sua vez, é o complemento mais belicoso da “personalidade”.  Algo mais próxima da coragem física. De não só discordar da unanimidade errada —, falando baixo e assustado —,  mas afirmando e provando, às claras, alto e bom som, que os demais estão errados. E dizer isso  até mesmo sob vaias, ovos, cuspidas, tapas e pontapés. A firmeza de caráter quando todos vacilam é algo admirável, quase sobre-humano. Principalmente quando, por dentro, o “atrevido” está tremendo de medo mas sente-se obrigado a fingir que não está. Tudo isso pressupondo, claro, que o destemido herói, ou heroína, não esteja  somente com a intenção de sensacionalismo demagógico, visando captar a admiração de uma audiência especialmente ignorante e predisposta a ouvir mentiras como sendo verdades.

Mídia e pesquisas de opinião parecem acovardar políticos de todas as tendências, nos variados países. Eles querem apenas elogios, como se o público e a mídia estivessem sempre certos, esquecidos de que as mesmas fraquezas dos políticos estão espalhadas na população e nas redações de jornais e revistas. “Líderes” existem para liderar, não para serem liderados pela opinião pública que, frequentemente, não passa da opinião da mídia mais poderosa, capaz de alugar os melhores cérebros redatores.

Putin não merece elogios no que se refere ao “truque” eleitoral do revezamento do poder na Rússia, com seu amigo que hoje é vice-presidente e antes estavam em posições trocadas. Mas é elogiável na sua posição de exigir provas confiáveis de que o ataque contra a Síria só deve ser realizado se ficar provado — sem mutretas — que foi o governo sírio e não a oposição armada que utilizou armas químicas contra a população síria. O veto da China e da Rússia, no Conselho de Segurança, foi um dos poucos exemplos de que o poder de veto também pode ser necessário em determinadas situações.

Putin também mostrou personalidade na questão de dar abrigo provisório, por um ano, a Edward Snowden — ex-prestador de serviço de uma agência de segurança americana — que está sendo procurado pelos EUA sob acusação de espionagem. O presidente russo até mostrou, inicialmente, má vontade, em acolher uma pessoa odiada por uma nação de enorme poder econômico e militar, com a qual pretende manter boas relações. Essa decisão não foi nem um pouco lucrativa, em qualquer sentido, para Putin ou para a Rússia, mas, moralmente era a única possível. Isso porque o “crime” de Snowden não foi, na verdade, um ato de má-fé, como todo delito. Foi um crime apenas de conveniência, que garante a permanência de algo moralmente errado: a hipocrisia dos governos. E quem, em sã consciência, pode elogiar e torcer pela manutenção da hipocrisia?

Snowden estava, há vários dias — antes da concessão do abrigo —, na área de trânsito de um aeroporto russo. Não poderia ficar nessa situação indefinidamente. Se saísse do aeroporto seria capturado por agentes americanos. Se Putin deportasse Snowden para os EUA ele seria julgado por traição. Talvez condenado à morte, apesar do governo americano dizer, mais recentemente, que não seria aplicada a pena capital. Ele receberia “apenas” a prisão perpétua. Essa promessa de Barack Obama teria valor relativo porque se a legislação americana diz que, nos casos de “traição”, a pena é de morte, o Judiciário poderia, em tese, condená-lo à morte, ignorando a proposta do presidente da república.

Parece-nos evidente que Snowden não cometeu um crime de “traição”, porque esta pressupõe a intenção dolosa de transferir determinados segredos aos inimigos do próprio país. E o corajoso ex-funcionário claramente não agiu com essa específica e traiçoeira intenção. Apenas mostrou, aos cidadãos do próprio país, e aos demais países — sem selecioná-los entre amigos ou inimigos —, que os EUA espiam todo o planeta, no âmbito público e privado, tirando proveito de sua superior tecnologia. Espionam até os governos amigos. Essa superioridade “espionática”, somada à superioridade bélica, inclusive nuclear, permite à sua nação um predomínio e controle quase absoluto sobre o resto da humanidade.  E o poder excessivo está sempre sob tentação do abuso.

Enfim, Snowden agiu como um idealista, um saneador enojado do que via. E nada lucrou com isso. Pelo contrário, tornou-se um pária internacional, correndo de lá pra cá, perseguido, até conseguiu chegar a um dos aeroportos de Moscou. onde passou a viver na área aberta ao público. Certamente sem poder sequer tomar banho normal, porque os banheiros dos aeroportos não dispõem dessas facilidades. Snowden, movido por um impulso ético, tornou-se um improvisado corregedor dos maus costumes políticos. Atitude desassombrada que certamente influirá para que a política, doravante, progressivamente, seja menos mentirosa, o que é algo bom para a humanidade. Um passo que se mostrará histórico, bem aceito pelas pessoas de bem que gostariam que os governos fossem menos falsos uns com os outros e com os próprios cidadãos.

Há quem diga, em análises medíocres de jornais, que Snowden errou, porque a espionagem é generalizada. Ele, portanto, não passaria de um “ingênuo”.

 Ora, o tráfico de entorpecentes, o desvio de dinheiro público, o assassinato por encomenda, o trabalho escravo, o estelionato, a propaganda enganosa, o tráfico de mulheres, a pornografia infantil e toda uma vasta gama de crimes também existe em todos os países e, no entanto, nenhum governo pensou em não combatê-los só porque isso é prática generalizada.

Putin também está certo ao solicitar à justiça providências legais contra chargistas russos que o desrespeitam e também ao seu primeiro-ministro, desenhando-os como mulheres em situações de carinho íntimo ou coisa assemelhada.

Qual o embasamento para meu apoio a Putin? A consideração de que o mesmo grau de respeito devido aos seres humanos, em geral, deve subsistir quando chefes de estado são criticados. Aquilo que não se tolera seja feito contra um coletor de lixo (“resíduos”,) não pode ser permitido contra um político, dentro ou fora do poder. Não é porque um cidadão se tornou chefe de estado, ou de governo, que poderá ser avacalhado sem qualquer restrição. Não me refiro à censura prévia. Refiro-me à permanência “residual” dos direitos humanos mesmo para os cidadãos em posição de mando.

Poucos anos atrás, um cidadão comum, no Brasil, moveu ação cível, ou trabalhista — não me lembro desse detalhe — pedindo danos morais de seu ex-patrão porque este o obrigava a dançar ridiculamente em cima de uma mesa, enquanto os demais empregados caçoavam.

Qual o motivo da punição patronal? O reclamante, participante da equipe de vendas, fora aquele que menos vendera em determinado período. O castigo, claro, não era físico. Era apenas moral, mas não menos doloroso. Visava desmoralizá-lo. O patrão, certamente, defendendo-se, argumentou que o vexame visava “estimulá-lo’. Mas a Justiça deu ganho de causa ao ex-empregado — ele pediu demissão ou foi demitido —, dando como fundamento o direito de todo ser humano de ser tratado com dignidade.

Se esse vendedor não conseguia vender tanto quanto seus colegas, a solução do patrão seria colocá-lo em outra função, ou dispensá-lo. E certamente ficou demonstrado nos autos — li a notícia em site jurídico — que a dança ridicularizante foi executada com perceptível constrangimento do empregado.  Se o empregado era um brincalhão ou palhaço nato, desses que até gostam de qualquer “palco”, não teria ele direito a qualquer indenização.

Foi uma decisão justa. Tão justa quanto seria se um diretor  de empresa, homem severo e exigente, fosse retratado, em jornalzinho interno dos empregados, em posições ridículas. Como, por exemplo, nu, agachado, fazendo, suas necessidades fisiológicas. ou dançando o cancã francês mostrando o traseiro empinado à plateia. Em suma: empregados e patrões, governados e governantes são portadores do mesmo direito humano de conservar sua dignidade. 

Outro exemplo admirável de “atitude” verificamos em Dwight Eisenhower, presidente dos EUA entre 1953 e 1961. Conta-se que, quando esse general, especialmente inteligente e organizador, comandava as forças aliadas na luta contra o nazismo, ficou sabendo que um seu general subordinado, George Patton — militar valoroso mas especialmente intolerante e agressivo —, havia ofendido e esbofeteado um soldado que encontrava-se em tratamento no hospital do exército. O soldado estava com a “síndrome de fadiga de combate”, ou exaustão nervosa. Patton não admitia tais “sensibilidades” e por isso, além de chama-lo de “covarde”, ordenou que fosse expulso do hospital.

Esse fato chegou aos ouvidos de Eisenhower. E o que ele fez? Exigiu que o Gen. Patton, na frente da tropa, solenemente, pedisse desculpa ao soldado esbofeteado. E assim foi feito. Nem todo chefe de operações faria isso, considerando o prestígio do Gen. Patton, muito admirado por ser um “linha dura” especialmente admirado pela coragem. Conta-se também que Eisenhower, competentíssimo militar, era inimigo declarado de todas as guerras e recusara oito vezes pedidos políticos para novas aventuras guerreiras.

Cito agora três exemplos de “personalidade”, desta vez de um general brasileiro, hoje e sempre desprezado pela mentalidade de esquerda. Trata-se do Gen. Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura militar.

Segundo noticiou um respeitado jornalista, Carlos Chagas, quando Castelo Branco morreu, em um acidente de aviação, deixou como bens um apartamento em Ipanema e algumas poucas ações de empresas públicas e privadas. Era um homem honesto. E demonstrava grande respeito pela Justiça do Brasil. A tal ponto que quando o então presidente do STF, Min. Ribeiro da Costa, o procurou, logo após instalada a Revolução de 1964, propondo que nas ações judiciais envolvendo reivindicações salariais de magistrados, tais ações não seriam mais julgadas por juízes, mas por senadores,   Castelo Branco afastou logo a sugestão, dizendo confiar na Justiça Brasileira.

Outra atitude corajosa, sua — porque desagradaria muitos colegas militares —, foi com relação a um juiz paulista, Dr. Antônio Carlos Alves Braga, que teve a audácia de contrariar uma ordem do Movimento Revolucionário, logo no seu início, quando todos temiam o poder ilimitado dos militares. O fato me foi contado pelo próprio juiz, e o resumo aqui: instaurada a Revolução, um oficial do exército, na cidade onde o Dr. Alves Braga era juiz, ordenou a apreensão, sem maiores formalidades, do gado de algumas fazendas da comarca. Um dos fazendeiros locais, não se conformou com essa forma sumária de perder o rebanho e entrou com um mandado de segurança contra a autoridade militar que ordenara o confisco.

  O Dr. Alves Braga — outro cidadão vocacionado para atitudes firmes —, deferiu a liminar, impedindo a apreensão do gado. Pouco depois, um oficial do exército foi ao fórum para falar com o juiz, pretendendo a revogação da liminar, encarecendo a necessidade de carne para os quarteis e os ilimitados poderes inerentes à situação revolucionária. Esforço inútil, porque o juiz disse ao oficial que, pelo que sabia, a legislação civil ainda estava em vigor e o gado só poderia ser apreendido com obediência aos procedimentos legais.

O oficial não gostou do que ouviu e retirou-se, obviamente ressentido, ou abertamente indignado. Na noite do mesmo dia o juiz chegou a confessar à esposa que ela precisaria se acostumar com a ideia de tornar-se a mulher de um ex-juiz desempregado, porque alguns magistrados estavam sendo “caçados” pela Revolução, sob suspeita de serem esquerdistas.

Qual não foi a surpresa do juiz quando, dias depois, recebeu uma carta, ou ofício, assinado pelo próprio Castelo Branco, elogiando sua atitude firme e dizendo que o oficial que o visitara no fórum havia sido punido.

Finalmente, mais uma passagem do Mal. Castelo Branco: quando ele estava na Itália, no fim da 2ª. Guerra Mundial, comandando os soldados brasileiros que lutavam contra os alemães, na véspera de um combate especialmente arriscado um oficial de baixa patente, ou sargento — não me lembro do detalhe — disse que não iria participar dessa batalha. Justificou-se dizendo que era pai de uma criança bem nova e que não queria que o menino ficasse órfão no dia seguinte.

Castelo Branco foi chamado para resolver o caso e depois de ouvir as razões do insubordinado, lhe disse — desabotoando o coldre e pondo a mão sobre o revolver —, que se ele fugisse ao seu dever de soldado o filho dele estaria órfão no dia seguinte. O aviso era bem claro e o subordinado achou mais prudente participar do combate. Resultado: esse militar recebeu uma das mais importantes condecorações de guerra, conferida por ato de bravura. Se ele tivesse fugido a seu dever certamente carregaria até o fim de seus dias, a etiqueta de “covarde”. Se o general, conforme insinuado, o mataria, ou não, caso persistisse na sua recusa, não dá para saber, mas essa ameaça fez um grande bem ao jovem militar que seria carimbado como medroso, apesar de não o ser. A própria recusa, inicial, de não combater, já era um sinal de sua valentia, depois confirmada com sua ação, reconhecida por medalha.

Ao buscar informações na internet, sobre nomes de militares, deparei com a informação de que todos — todos — os  cinco presidentes militares, de Castelo Branco a  João Figueiredo, foram homem honestos, que saíram de seus cargos sem qualquer acréscimo patrimonial. Saíram como entraram: classe média, bem média mesmo. Isso é raro, hoje em dia, e mostra que eram pessoas idealistas, convictos de que se a esquerda tomasse o poder o Brasil se tornaria uma Cuba ampliada, com baixa renda per capta.

Se houve — como realmente houve —, torturas e abusos contra direitos humanos, isso ocorreu muito mais em razão da presença de indivíduos sádicos nos escalões inferiores dos governos. Sádicos há em toda parte, até dando trotes cretinos em faculdades. E o sadismo — caso a esquerda, tomasse o poder —, também afloraria, igualmente na forma de torturas e largo uso do “paredón contra “terroristas de direita”. O ser humano é assim, quando em situação de desafio e conflito. Daí a necessidade da permanência do estado de direito e da democracia, com alternância do poder, mesmo com toda a carga de eventual ineficácia que a acompanha. Ocorre que a democracia frequentemente degringola, vitimada pelo próprio relaxamento. Por falta de “atitude” dos governantes.

Para escrever os dois parágrafos acima, confesso que precisei pedir emprestado uma boa dose da bravura, ou “atitude”, dos ilustres nomes acima mencionados. É tabu dizer a verdade, no Brasil, elogiando a honestidade de militares ex-presidentes quando os ventos sopram com quase unanimidade e preconceituosos, em sentido contrário. Agora, esconder esse fato relevante seria até mesmo falta de caráter.

Não sou saudoso da ditadura militar mas acho que alguns governadores e magistrados são excessivamente medrosos de agir com a energia que algum situações exigem. A anarquia das depredações, com vândalos de rosto coberto, tem sido tolerada em excesso. Se o manifestante está de rosto coberto está confessada a sua vontade de depredar ou atacar policiais. Se o motorista recusa o uso do bafômetro isso implicaria em confissão de que bebeu antes de dirigir. Caberia ao autuado, depois, na justiça, tentar, em ação ajuizada por ele, invalidar a punição, com o ônus da prova de que não estava embriagado, nem havia bebido antes de dirigir. Os professores, nas salas de aula devem mandar e ensinar, sem medo de apanhar dos alunos. Ainda falta muita “atitude” no nosso país. Espero que a excessiva tolerância com a anarquia não desperte crescentes saudades de tempos mais rígidos e militarizados.

(11-09-2013)

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