quarta-feira, 11 de abril de 2012

Günter Grass merece um segundo Nobel, o da Paz

O romancista e poeta alemão, acima referido, ganhador do Prêmio Nobel de |Literatura de 1989, está sendo atacado, principalmente na Alemanha — e, claro, pelo governo israelense e suas ramificações mundiais —, porque publicou, em 4-4-12, em um jornal alemão, um poema com o título de “O que deve ser dito”. O inteiro teor do poema eu li no site de Luis Nassif e está em diversos jornais, tais como o “The New York Times”, “La Reppublica”(italiano) e “El País”(espanhol). Não o transcrevo aqui porque tem quase 3.000 caracteres e ocuparia muito espaço.

Depois de ler e reler o referido poema, que descreve a mais elementar verdade — mas descrito, erroneamente, na mídia, como ataque injusto e anti-semita —, decidi ler, para breve, o primeiro volume de seu romance “O Tambor” que, anos atrás, comprei em um “sebo”. Isso porque Günter Grass, apenas com seu poema, mereceria até um novo Prêmio Nobel, o da Paz. Seu caluniado poema é um alerta em favor da paz, nada mais. Quando ele diz que um “ataque preventivo” israelense — hiper-preventivo... — poderá ser o estopim de uma Terceira Guerra Mundial, só diz o óbvio. Um óbvio que, no entanto, que exigiu coragem da parte dele, pelos motivos que todos conhecem e discuto mais abaixo.

Mesmo que, eventualmente, o Irã consiga fabricar uma bomba nuclear, não iria tomar a iniciativa de atacar Israel. Por que não? Porque com isso mataria — na explosão, ou na radioatividade resultante — milhares de palestinos, tendo em vista a proximidade física entre as duas populações, a judia e a árabe. Além disso, um ataque arbitrário do Irã seria sua sentença de morte. Cidades inteiras seriam aniquiladas em dois dias, porque não só Israel revidaria com forças nuclear e convencional ilimitadas como teria o apoio incondicional dos EUA, obrigados (!?) a proteger Israel mesmo em suas ousadas pretensões.

Se em algumas coisas Ahmadinejad se mostra imaturo — a asneira eleitoreira de “varrer Israel do mapa” — uma bênção política para Netanyahu, que se agarra desesperadamente a essa frase desastrada para se manter no poder — não seria o presidente iraniano tão louco a ponto de provocar a destruição inevitável de seu próprio país, de sua família, e dele mesmo. Não esquecer — sobre essa tolice de jogar a bomba em Israel — que Ahmadinejad não decide tudo sozinho. Ele divide o poder com o aiatolá Ali Khamenei e o restante da maioria islâmica conservadora que não tem pressa em ser incinerada viva. Não há, portanto, tão cedo, o risco de um ataque nuclear contra Israel. Interessa, no entanto, repito, ao governo israelense, que prevaleça essa falsa noção, útil politicamente porque apoiada em um sentimento coletivo muito poderoso: o medo da volta a um passado já longínquo, quando os judeus eram realmente perseguidos em toda a Europa. Esse tipo de medo não mais existe mas pode tornar a existir se o governo de Israel persistir com bravatas e imposições.

O tal poema comprovou que Grass é um homem de coragem, algo que deve ser muito valorizado em um escritor. Se Grass, eventualmente, é anti-semita, preciso verificar isso nos romances, porque no poema em discussão ele não se revela nem anti-semita, nem injusto. Muito pelo contrário, no poema ele só diz verdades, bem evidentes para qualquer pessoa, politicamente isenta, que acompanhe a política internacional mesmo lendo apenas jornais. E se se der ao trabalho de ler também livros, mais a opinião dele, expressa, no poema fica confirmada. Por sinal, Günter Grass até demonstra, no poema, algum carinho por Israel, ao dizer que a esse país “... estou ligado e quero continuar a estar”.

Uma coisa é ser anti-semita — preconceituoso contra uma raça — e outra é ser contrário à atual política do governo de Israel, moralmente indefensável no tratamento que vem dando aos palestinos, principalmente na Faixa de Gaza. Günter Grass menciona essa evidente, inescondível desigualdade. A imprensa mundial, em boa parte influenciada por Israel, mostra-se sempre exigente no que se refere a direitos humanos, mas só de vez em quando descreve como são tratados os palestinos árabes, expulsos de suas terras, privados de quase tudo, sem elementares direitos humanos e impossibilitados de recorrer à justiça internacional porque não integram, tecnicamente, um Estado. E se depender do atual governo israelense, isso nunca vai acontecer (a criação de um Estado Palestino). Por que? Porque se forem fixadas as fronteiras haverá uma limitação de crescimento territorial de Israel, que não poderá mais receber milhares ou milhões de judeus que ainda vivem fora de Israel. Com fronteiras bem delimitadas, como progredir na ocupação da Cisjordânia?

Governos mudam, ora para a esquerda, ora para a direita, ora para o centro. Ora solidários com minorias e vizinhos mais fracos, ora tremendamente egoístas, agarrados como craca a um nacionalismo arrogante e ultrapassado, como é o caso, hoje, de Israel. Mas — fica aqui o convite — se Israel tiver a coragem moral de propor, seriamente, que o “eterno conflito” com os palestinos seja solucionado por um tribunal internacional — prometendo, de antemão, aceitar e cumprir a decisão — esse país, Israel, será lembrado, por décadas, como um genial inovador da Justiça Internacional. O próprio Netanyahu ficaria consagrado como um “desbravador de grande visão internacional”.

Evidentemente, para uma decisão dessa dimensão ser satisfatória, para ambas as partes, os juízes internacionais — que não poderão, no caso, ser nem árabes nem judeus — deverão estar expressamente autorizados a aplicar a equidade. Não só na delimitação de fronteiras, como no estabelecer compensações territoriais e financeiras que satisfaçam também os palestinos expulsos que ainda queiram retornar à Palestina. É possível que um certo percentual deles, já integrados à economia dos países que os abrigaram — Jordânia, por exemplo — prefira uma indenização razoável, em vez de “começar tudo de novo”, retornando à Palestina.

O que falta, hoje, no panorama da política e da justiça internacionais é um líder de excepcional discernimento, prestígio e capacidade de convencimento. Mas se nenhum nome nos vem, de pronto, à mente, será preciso “fabricá-lo”. E já. Há grandes juristas da área internacional que poderiam, intelectualmente, assumir esse papel, mas aparentemente têm receio do turbilhão, certamente virulento, em que se veriam envolvidos porque a soberania absoluta é ainda um vício que ataca as meninges. Preferem, tais juristas, a calma estudiosa e respeitada de seus gabinetes. Mas não é possível que em um planeta com quase sete bilhões de habitantes não exista um único, sequer, com autoridade e desejo de segurar, com mãos nuas, essa tocha — ou cacto — de um justiça internacional que realmente funcione. Isto é, que possa decidir os grandes conflitos e impor o cumprimento da sua decisão, sem delegar a “execução” da sentença para um Conselho de Segurança envenenado por dezenas de interesses econômicos, políticos e estratégicos dos países ali representados.

Barack Obama seria um nome inicialmente pensável para uma missão desse porte, mas vem decepcionando a opinião pública mais esclarecida porque tem-se mostrado incapaz de dizer um “não!” a qualquer pedido que lhe faça Benjamin Netanyahu. Obama está tremendamente preocupado com a hipótese de perder o apoio, financeiro e midiático, do poderoso lobby judaico na próxima eleição. Infelizmente, na democracia — qualquer democracia — o dinheiro pesa demais no resultado de toda eleição. É o caso de um descrente exclamar: — “Diabos!, até que ponto os cargos executivos são comprados, via campanha eleitoral?!”

Em um blog ou twitter “Billy Leew...e suas fábulas” — sou um tanto ignorante dessas tecnologias —, percorrendo, ao acaso a internet, assisti a filmagem de um grupo de judeus se manifestando, em inglês, contra o governo de Netanyahu. Estavam vestidos de preto, barbudos e autenticamente indignados com os rumos da política israelense. Revoltados com o tratamento imposto aos palestinos. Um deles, especificamente focalizado e ouvido, até gaguejava de emoção. Com muita objetividade e convincente sinceridade, insistia, em inglês, que é necessário distinguir entre Sionismo e Judaísmo, só este merecendo o apoio do povo judeu. Dizia que o Sionismos é um desvirtuamento do Judaísmo, do Torá, que rejeita a dominação de outros povos. Dizia que há muita gente em Israel contrária à política de Netanyahu mas o medo os impede de se manifestar contra o governo, porque haveria represálias. Essa distinção entre Sionismo e Judaísmo deve ser bem estudada e disseminada, para que o povo judeu não ser torne vítima de um engano de interpretação pelo resto do mundo. Assim como o povo alemão, ou a raça alemã não pode ser identificada com a doutrina nazista, nem o povo italiano com as idéias delirantes do “Duce” Benito Mussolini.

A mídia, depois do poema (“amaldiçoado”), passou a enfatizar o “passado tenebroso” de Günter Grass porque quando adolescente e até os 17 anos serviu ao exercito de seu país e até mesmo, no último ano da 2ª. Grande Guerra, integrou a Waffen-SS, uma espécie de guarda pessoal de Hitler. Além disso, teria ocultado esse fato por muitos anos.Data vênia, como dizem os juristas, isso é uma bobagem que não deveria ser mencionada por gente mais ilustrada (devem ser perdoados porque milagres acontecem...).

Antes de se julgar qualquer pessoa é preciso estudar as circunstâncias em que essa pessoa foi criada e educada; a época, o regime político do país em que vivia, e tudo o mais. No caso de Grass é preciso lembrar que ele nasceu em outubro de 1929. Viveu sua meninice, depois dos dez anos, em pleno regime nazista. Regime ditatorial, sem liberdade de imprensa, em que Hitler moldava a cabeça de um povo tremendamente ressentido com a derrota na 1ª. Grande Guerra, com a perda de territórios e com as pesadas indenizações de guerra impostas no Tratado de Versalhes. Foram tempos difíceis para os alemães, com inflação mirabolante, desemprego e uma máquina de propaganda nazista que usava e abusava do “direito” de mentir. Ninguém tinha condições de, sem risco de vida, dizer o contrário do que impunha a propaganda governamental.

Leiam algumas frases de Hitler, no tempo em que ele dominava a Alemanha e, moldava a cabeça de adultos, meninos e adolescentes: — “Se você disser uma mentira suficientemente grande e a disser frequentemente, ela será acreditada” — “Não é a verdade que interessa, mas a vitória” — “A força jaz não na defesa, mas no ataque” — “O sucesso é o único juiz terrestre do certo e do errado” — “A arte da liderança... consiste em consolidar a atenção do povo contra um único adversário” ( no caso o judeu, observação minha) “e tomar cuidado para que nada divida essa atenção” — “A grande massa da população é mais receptiva ao apelo da retórica do que a qualquer outra força” — “A grande força do estado totalitário é que ele força, aqueles que o temem, a imitá-lo” — “O líder de gênio deve ter a habilidade de fazer diferentes oponentes aparentarem como se eles pertencessem a uma única categoria” (judeus, Tratado de Versalhes, ingleses, americanos, russos,etc,) — “Aqueles que desejam viver, deixe-os lutar e aqueles que não querem lutar neste mundo de eterna luta não merecem viver”.

Penso que os pensamentos cima, com seu conteúdo nunca contrariados na imprensa, totalmente subjugada, explica porque Günter Grass e a quase totalidade de seus colegas de idade pensassem conforme o planejado pela propaganda hitlerista. Mesmo assim, não consta que esse autor tenha pessoalmente empurrado judeus para serem envenenados nas câmaras de gás.

Por que Grass só revelou esse passado desagradável — a culpa não era dele, mas da propaganda mentirosa e não contrastada — só alguns anos depois de receber o Prêmio Nobel? Porque sabia que seus inimigos e invejosos tirariam proveito disso. Agora, porém, neste mês de abril de 2012, disse o que disse, no discutido poema, porque sua consciência não suportava mais o silêncio ante o injusto tratamento dos palestinos. E disse outra “verdade verdadeira”: que é perniciosa, e perigosa para a paz do mundo, a ameaça do governo israelense de bombardear as instalações nucleares iranianas, só porque há um perigo — remoto perigo —, do Irã fabricar uma arma nuclear e utilizá-la contra Israel. É o caso do Irã argumentar que se Israel tem o direito de ter medo — do sempre idiota “varrer Israel do mapa” — o Irã também tem o direito de ter medo do excesso de força israelense, que tem armamentos convencionais e nucleares capazes de impor sua vontade em todo o Oriente Médio.

Para finalizar, uma palavra dirigida ao governo e ao povo alemão: É preciso acabar, já, com esse cuidadosamente cultivado sentimento de culpa pelo que ocorreu em uma Alemanha dominada por Hitler. O nazismo era uma doutrina homicida. Discursar em praça pública contra o regime significava espancamento, cadeia ou um tiro na cabeça, sem “firulas” jurídicas. O remorso deve ser cultivado não por nações inteiras, mas somente por aqueles indivíduos que, de livre vontade, ativamente — e tendo opções —, infligiram sofrimento aos seus semelhantes.

Creio que 80%, ou mais, dos alemães de hoje não viveram nem participaram, em nada, dos crimes nazistas. A guerra terminou em 1945. Não têm porque sentir remorso. Principalmente quando o culto vigilante a esse remorso possa ter finalidades políticas, de duvidosa justiça. Entre os 20% restantes alemães, apenas uns poucos milhares agiram com plena consciência — e talvez doentio prazer —, quando cometeram as atrocidades reveladas após o término da guerra. Estes, sim, necessitam do remorso para diminuir a carga de suas almas. O resto, não. Se o avô de alguém foi enforcado por ter sido um facínora, porque seu neto deve carregar um complexo de culpa?

Nos campos de concentração, alguns prisioneiros judeus, para não serem assassinados e comerem um pouco melhor, colaboravam com a administração. Eram os “kapos”, provavelmente com a consciência atormentada. Faziam isso para não morrerem, pelo menos de imediato. Sabiam que, recusando-se a tal abjeto trabalho, os prisioneiros seriam mortos, da mesma forma, e ele, colaborador, junto com eles. Seria um heroísmo inútil. Se conseguissem, pensavam, sair vivos do campo de concentração poderiam, pelo menos, tentar reunir suas famílias, ou os restos delas, espalhadas na Alemanha e pelo resto do mundo. Um judeu neto de algum desses “kapos” também não precisa cultivar o remorso. Reitero: complexo de culpa é assunto pessoal, individual. Países podem até sentirem-se melhor pagando indenizações, mas não são obrigadas e carregar eternamente um sentimento de culpa, endossando automaticamente políticas erradas dos descendentes das suas vítimas.

Enfim, resumindo, não há porque censurar, em Günter Grass, nem seu silêncio por ter silenciado sobre o que fez quando era menor de idade — numa época em que era praticamente impossível ter opinião própria — nem muito menos porque, em um poema, advertiu o mundo que um ataque meramente “preventivo” contra outro país, especialmente no Oriente Médio, aumentaria tremendamente os perigos de um conflito de imensas proporções, talvez mundiais. Nem porque ele lembrou a situação de injustiça sofrida pelos palestinos, nem porque ressaltou a desigualdade de um país, poderosamente armado com armas atômicas, se conceder o direito de bombardear outro só porque este poderá, um dia, quem sabe, produzir uma arma nuclear. A frase tola de “varrer Israel do mapa” é mero jogo (idiota) de cena. Não seria totalmente ilógico se um jornalista — meio louco —, levantasse a hipótese de que Ahmadinejad recebe uma pensão mensal de Netanyahu só para repetir, de vez em quando, essa frase irresponsável mas tão politicamente lucrativa, para seu vivíssimo adversário, quanto daninha ao próprio Irã que, com ela, perde o apoio internacional.

Finalmente, Grass merece elogios por sugerir, sabiamente, que compete à ONU decidir o que fazer no “conflito eterno”. De minha parte acrescento que será uma ONU jurídica, e não política — o Conselho de Segurança —, a mais recomendável para afastar, de vez, o perigo que ameaça todos nós, mesmo distantes dessa região que produziu três deuses. Deuses que, embora único, transformaram-se em três, mutuamente hostis, inimigos a partir de l948.

(9-4-2012)

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