terça-feira, 9 de junho de 2009

O que fazer com Kim Jong-il? Nada.

A ambiciosa, inteligente e persuasiva indústria armamentista mundial deve estar excitadíssima com os desafios ou “desatinos” — como melhor classificar? — de Kim Jong-il, o ditador norte-coreano.

O cliente, em abstrato, adorado pela indústria bélica, é o medo. Sem ele, falência generalizada na indústria dos canhões. Pior do que a General Motors (“motores do general”?, involuntário trocadilho). Já o cliente reverenciado em carne e osso é qualquer chefe de estado ou de governo suficientemente inescrupuloso ou corajoso para resolver os problemas — principalmente econômicos — de seu país fugindo deles mediante excitações bélicas.

É bem o caso de Kim Jong-il, filho de outro ditador e provável pai de um terceiro. Isso só não acontecerá se o próprio filho recusar o cargo. Aí provavelmente um outro parente será nomeado “rei”. Um caso estranho de realeza, de sangue azul – no caso amarelo — em um tipo de regime cuja essência — o comunismo — reside na mais íntima identificação entre líderes e liderados. Como na Coréia do Norte não há eleições nem imprensa livres, a massa — magra, mas não por opção — apóia, sem análise, as ordens do “pai” incontrastável.

Considerando que não há qualquer sombra de democracia na Coréia do Norte e seu futuro — como o de toda a região — depende de um só homem, e este depende do que ocorre em seu cérebro, a melhor solução para o perigo atômico coreano está em aguardar, com paciência, a decisão biológica. No caso, sua saúde. Depois dele, ver-se-á o que fazer. Atacar a Coréia do Norte, só se ela atacar primeiro, mas concretamente. Nada de “ataques preventivos’, com conseqüências seríssimas em termos de destruição, mortes e contaminação radioativa.

Como não existe, ainda — isso precisa ser alterado com urgência — um governo mundial, ou quase isso, com poderes, aceitos por todos os países, de intervenção imediata para “confisco” ou “extração” — como se fosse um dente podre — de ditadores que estão pondo em variados risco outros países, e até mesmo os próprios governados — é o caso de Roberto Mugabe, no Zimbábue —, a solução mais sábia é não estimular a belicosidade de um chefe de estado que pode não estar em pleno juízo por causas físicas (AVC), ou psicológicas.

Quando Hitler, na década de 1930 — após armar a Alemanha com o maior máquina de guerra do planeta — ao exteriorizar suas intenções de dominar o mundo, tivesse sido “extraído” do poder por um governo mundial democrático, não teríamos a grande carnificina que foi a 2ª Guerra Mundial. Nem a sua conseqüência, a “Guerra Fria”, que por pouco não se transformou em atomicamente “quente’, em 1962, na “crise dos foguetes”. Só não ocorreu, então, um conflito nuclear porque Nikita Kruschev, um homem de modos simplórios — certa vez, em plena sessão da ONU tirou o sapato e começou a golpear a mesa, exigindo atenção — mas de grande visão, teve o bom senso e a coragem moral de voltar atrás, ordenando o retorno dos navios que transportavam mísseis nucleares destinados a Cuba.

Por sinal, esse gesto de corajosa prudência, se salvou a humanidade de uma guerra provavelmente nuclear, não salvou o prestígio do próprio Kruschev dentro da União Soviética. Os generais russos acharam que ele foi “mole” no incidente. Em vez de agradecerem a própria não-incineração, os estrelados “medalhentos” criticaram o recuo. Não compreenderam o alcance do gesto heróico justamente por não ser “heróico”, isto é, com rufar de tambores. Com isso Kruschev perdeu o poder em seu país. O “cartaz” internacional, com o retorno dos foguetes, ficou todo com John Kennedy. Mais um exemplo de que “dar uma de durão”, “vale mais” para o povão que agir com inteligência e prudência. É sabendo disso que os ditadores, em geral, apelam para exibições de força. E o povo é que se dana. Como foi o caso das Malvinas, uma guerrinha destinada a desviar a atenção dos problemas que então afligiam a Argentina.

Qualquer medida bélica — “outras opções”... — contra Kim Jong-il visando paralisação ou destruição de suas atividades atômicas será contraproducente. Medidas militares serão impensáveis, porque a Coréia do Norte tem um exército numeroso e poderoso. E, em situação extrema, pode lançar foguetes com ogivas nucleares. Aí será o caos. Não há garantias de que será esmagada antes de apertar os botões. E mesmo que isso ocorresse, com um fulminante e preciso ataque preventivo dos EUA, esse ataque preventivo seria um ato de covardia contra um povo que não tem culpa das asneiras de seu chefe, “dono” e arquiteto da opinião pública. Onde não há imprensa livre poucos pensam de modo diferente do chefe.

Também não funcionam “medidas econômicas duras”, aumentando a pobreza de países governados por ditadores se estes são apoiados pelo povo, certa ou erradamente. Sofrem apenas as camadas mais pobres. A comida e outros bens indispensáveis não faltarão na mesa dos governantes e seus apoiadores. E quando a fome ameaça, aumenta a proporção de “amigos do rei”, interessados em comer, mandamento primeiro embutido em todo ser vivo. A carência estomacal tem imensa força persuasiva.

Um argumento incontornável que reforça o apoio popular a Kim Jong-il tem, no entanto, um fundo de verdade: está havendo um tratamento desigual entre os países. O Conselho de Segurança da ONU exige que a Coréia do Norte encerre seu programa nuclear direcionado à produção de armas. O problema é que, para isso, teria que manter fiscais dentro das usinas, verificando constantemente se a atividade está direcionada apenas para fins pacíficos. Isso irrita o país vigiado.

Duvido, reação normal, que Israel permitisse inspetores internacionais, com sobrenome árabe, vasculhando suas instalações nucleares. No entanto, os cinco membros permanentes do referido Conselho — EUA, Reino Unido, Rússia, China e França — têm armas atômicas à vontade. Reunidas, podem destruir a Terra várias vezes. Além dos cinco referidos, Índia, Paquistão e Israel também seus arsenais nucleares, sem oposição por parte do Conselho de Segurança. Qual a conclusão que os norte-coreanos — e o mesmo ocorre com os iranianos —, extraem dessa desigualdade flagrante? Os norte-coreanos seriam de alguma forma “inferiores”, congenitamente desequilibrados? Teoricamente, os países não têm direitos iguais?

Um artigo — “Que tal a velha diplomacia?” — de Norman Dombey, Professor Emérito da física teórica da Universidade de Sussex, Grã-Bretanha, publicado no jornal “The Guardian” e reproduzido, em português, no jornal “O Estado de S.Paulo” de 31-5-09, no suplemento “Aliás”, J5, especifica algumas quebras das promessas do governo George W. Bush feitas a Kim Jong-il, desencadeando revides do ditador. A agressividade inculcada em Bush pelos conhecidos “falcões” que o cercavam contribuiu fortemente para as reações exageradas do presidente norte-coreano, um cidadão já exagerado por natureza. Ele concluiu que não dava para confiar “nos americanos”. Daí a conclusão do referido autor do artigo afirmando que Obama cometeu um “erro crasso com sanções e ameaças". Por questão de espaço, não é possível transcrever, aqui, os argumentos do artigo, mas pode ser lido no jornal. Vale a pena.

Um outro artigo, do mesmo jornal brasileiro, de 1º de junho de 2009, à pag. A12, desta vez de Seuma Milne, publicado antes no “The Guardian” — com o título de “Hipocrisia estimula proliferação” — também tece considerações sobre a hipocrisia e duplicidade de critérios, na área internacional, permitindo a alguns países fabricar armas atômicas e outros, não. Por outras palavras, os membros permanentes do Conselho de Segurança e alguns “amigos” – Israel, Índia e Paquistão — têm o “direito de ter medo”. Já a Coréia do Norte e o Irã não têm esse direito. Como explicar, “sem corar”, essa desigualdade em um planeta que reafirma a existência de algo que não existe, a igualdade? A explicação está no título do artigo mencionado: “Hipocrisia”.

Países com poder nuclear são geralmente mais respeitados que aqueles destituídos de igual poder. Isso, também, motiva Kim Jong-il. Como os EUA invadiram o Iraque, só na base da “desconfiança” — na verdade mais um pretexto — quanto às armas de destruição em massa, e Bush descumpriu acordos e afrontou a ONU, Kim considerou mais seguro garantir, com alto-falante, que tinha, mesmo, força nuclear, ainda que incipiente. Aparentemente, Kim tem medo e sabe que inimigos de países nuclearizados pensam mais antes de atacar.

É claro que quanto maior a proliferação nuclear, maior o perigo para toda a humanidade. A proliferação deve ser evitada a todo custo, mas não ao custo de uma guerra que pode se tornar nuclear. Seria uma contradição de propósitos.

Inúmeros países, mais cordatos, não se incomodam, diplomaticamente, com essa desigualdade. A Suécia, por exemplo, que já teria tecnologia para construir armas atômicas, decidiu explicitamente não construí-las. Talvez por saber que, como está, não se torna alvo de desconfianças e hostilidades. O Brasil, que poderia, dentro de poucos anos, construir tais armas, também preferiu o caminho mais pacífico. Mesmo porque não se sente ameaçado. Se nuclearizado, na área militar, isso provavelmente despertaria a rivalidade da Argentina. Já a Coréia do Norte e o Irã podem argumentar que sentem-se, sim, em possível perigo próximo, se continuarem “mais fracas” que seus vizinhos. Daí o casamento do medo com a arrogância e, no caso do Irã, a necessidade de impressionar os eleitores.

Resumindo: o que fazer para solução do impasse atual? A resposta parece simples: Obama e seus aliados trabalharem, diplomaticamente, para conquistar a confiança da Coréia do Norte, do Irã e de Israel, com assinatura urgente de um tratado garantindo que nenhum desses três países será atacado, a menos se considerados evidentes agressores por decisão majoritária do Conselho de Segurança, afastado, no caso, o direito de veto. Um tratado sem condicionantes, sem inspeções de qualquer natureza.

Por enquanto, considerando o estado de fato do mundo, não há como impedir a proliferação nuclear, fruto do medo e/ou arrogância. Entretanto, salvo manifestação de loucura, nenhum país, seja ele qual for, vai querer iniciar uma guerra nuclear, que acabaria calcinando também o próprio agressor. Assinado, esse tratado por Obama, a Coréia do Norte teria mais confiança em “pedaços de papel’. O novo presidente americano certamente não iria se desmoralizar passando por “tapeador internacional” e ainda por cima, “um molenga”.

Garantida a paz, embora provisória, o planeta cuidará, com vagar, do restante. Esse “restante” terá que ser uma nova ordem mundial, mais eficiente que a atual. Abolição total, hoje, das armas nucleares é ilusão. Os EUA têm medo do poder crescente da China, e vice-versa. Israel teme o Irã e também vice-versa. Mesmo que todos os países afirmem um tratado eliminando seus arsenais nucleares não haverá garantia de que algumas ogivas não estarão escondidinhas, “just in case”, ou “só por garantia...”. Mas uma nova estrutura mundial, que resolva o assunto em definitivo, é um tema que não cabe aqui.

(2-6-09)

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