Há muita gente opinando, apaixonadamente, pró e contra, a concessão presidencial da graça (Constituição Federal, art.84, inciso XII) a um deputado federal, Daniel Silveira, que, indignado com algumas decisões da última instância brasileira, excedeu-se verbalmente na sua indignação, insultando e ameaçando os ministros que o condenaram a uma pena ilegal – na opinião de muitos juristas –, ignorando a inviolabilidade da expressão parlamentar, prevista na Constituição Federal, artigo 53.
Em brevíssimo lembrete, o deputado
indultado foi condenado a cumprir oito anos e nove meses de prisão, pelas
ofensas e ameaças, em regime fechado, e outras penas, acessórias, financeiras.
Tais acessórios, em torno de meio milhão de reais, relacionam-se, salvo melhor classificação,
com omissões ou recusas relacionadas com o funcionamento das tornozeleiras e
desobediência. Esteve preso durante cinco meses, depois foi solto, mas em
prisão domiciliar, com tornozeleira. Multado, foi proibido de se manifestar nas
redes sociais, teve sua conta bancária bloqueada e provavelmente ficará
impedido de disputar sua reeleição, em 2 de outubro de 2022 porque um ministro
da Corte – individualmente ofendido pelo parlamentar —, conduzirá o Tribunal Eleitoral
a partir de agosto de 2022.
O Presidente
da República, simpatizante da posição política do referido deputado, ao saber
da decisão do STF imediatamente lhe concedeu a graça – também chamada de
indulto individual –, prevista no artigo 84, inciso XII, da Constituição
Federal. Note-se que a graça existe no ordenamento jurídico do Brasil desde a
constituição de 1824.
Tal
concessão recebeu violentas críticas e apoios, com opiniões extraídas mais do
“fígado” do que do significado jurídico e filosófico desse tipo de extinção de
punibilidade mencionada na Constituição Federal Brasileira. A graça existe
também em 29 países, conforme impressionante e trabalhoso texto do Dr. Rodrigo
de Oliveira Ribeiro – “O INDULTO PRESIDENCIAL: ORIGENS, EVOLUÇÃO E
PERSPECTIVAS”, publicado em 2015 na Revista Brasileira de Ciências
Criminais 2015 RBCCRIM VOL. 117. Bem antes da graça aqui discutida.
Referido pesquisador salienta que “Em países
como Canadá, Estados Unidos e Suécia, o perdão pode ocorrer antes do trânsito
em julgado, ou mesmo antes da denúncia, sendo possível antes de qualquer
investigação. Um caso histórico de clemência foi o do presidente Gerald Ford
que perdoou Richard Nixon, antes de qualquer acusação ter sido apresentada”.
Não
deixe, leitor, de ler, na parte final deste artigo, a relação dos 29 países – a
maior parte do primeiro mundo –, comprovando que essa unanimidade planetária da
graça é uma espécie de “remédio heroico”, algo análogo ao habeas corpus,
hoje anulando, no Brasil – com argumentos inconvincentes –, detalhadas condenações
em duas ou três instâncias, jogando fora um gigantesco trabalho judicial
conhecido como operação Lava Jato.
Como
tarimbados magistrados – de qualquer país – podem, em circunstâncias especiais,
indignados com palavras duras demais, extrapolar juridicamente no “revide
solidário” contra o “ofensor”, violar a tradicional separação dos três poderes.
Isso ocorrendo, somente um poder externo — no caso brasileiro, as Forças
Armadas”, no Reino Unido o Rei —, poderia solucionar o impasse entre Poderes,
de igual hierarquia e independentes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Nesse impasse, um Tribunal Máximo, condenando um político ofensor, mas o Presidente da Republica cancelando a condenação — pode surgir até uma guerra civil, o caos, porque a Constituição Brasileira prevê as Forças Armadas como a "garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa destes, da lei e da ordem". Isso sem mencionar o perigo extra de políticos estimularem a discórdia entre os próprios militares. Daí a imensa utilidade da graça ou indulto individual. Com ela, que dispensa explicações do presidente — em matéria de Direito tudo se discute —, o impasse é resolvido sem a necessidade do uso da força, tiros e sangue derramado. Se houver ressentimento de um dos lados, com a concessão da graça, esse rancor seguirá apenas na forma verbal. E não se argumente que um Presidente da República , em qualquer país, vai ficar por aí, distribuindo graças como se fossem folhetos de propaganda. Agindo assim, seria logo interditado e suas mil graças canceladas porque o presidente estaria louco.
Um
engano jurídico bárbaro, que já assisti na televisão – e até em jornal, por pessoas formadas em
direito —, consiste em dizer que a graça concedida ao deputado brasileiro “não vale”
porque foi outorgada quando ainda estava pendente o prazo do recurso chamado
“embargos de declaração”, ou “embargos declaratórios”, previstos na legislação
processual civil e penal para correções de erros evidentes e contradições em
sentenças e acórdãos.
O
engano óbvio é que os “embargos de declaração” só se referem a processos
judiciais, e a graça em discussão não faz parte de nenhum processo que
correu na justiça, seja ele cível, pena, trabalhista, etc., que presumem
extensa discussão sobre fatos e provas em um processo com autor e réu. Não há
nem autor nem réu no indulto individual. É uma decisão de natureza
Constitucional e a constituição brasileira dispensa a menção do “porquê” do
presidente emitir seu perdão. Cada um pense o que quiser. A única restrição que
se faz à graça é que o indultado não tenha cometido crime hediondo, tráfico de
drogas ou tortura. Consulte, o leitor, a legislação e os dicionários jurídicos
e constatará que todos eles se referem a pedidos de esclarecimentos em processos
judiciais, o que não é o caso da graça.
Como
este texto já está ficando longo demais, transcrevo, abaixo, a meritória
pesquisa do Dr. Dr. Rodrigo de Oliveira Ribeiro, em que menciona os países que
preveem a graça, e o artigo da sua Constituição então vigente em 2015. Lendo o
seu artigo, em respeitada revista jurídica, dispensei-me de uma longa tarefa procurando confirmação de cada referência, até
2015, de um jurista que desconheço pessoalmente mas de impressionante
persistência. Ele tem aqui minha homenagem.
Lista
dos países que preveem a graça:
Afeganistão
(art. 75); Alemanha (art. 60, 2,3); Argentina (art. 99,5); Bélgica (art. 110);
Chile (art. 32, 16); Colômbia (art. 150, 17); Coréia do Sul (art. 78); Cuba
(art. 88); 18 Dinamarca (§24); Egito (parte III); Espanha (art. 62, i); Estados
Unidos (art. II, 2); Geórgia (art. 73); Holanda (art. 122); Hungria (art. XXXI,
1, 2, j, e 8,3,j); Índia (art. 72); Luxemburgo (art. 38); França (art. 17);
México (art. 89, XIV); Noruega (art. 20); Nova Guiné (art. 151); Paraguai (art.
238); Peru (art. 118,21); Portugal (art. 134, f); República Tcheca (art. 62);
Suécia (art. 13), Suíça (art. 173), Uruguai (art. 85); Uzbequistão (art. 93,
200).
Revista
Brasileira de Ciências Criminais 2015 RBCCRIM VOL. 117 (NOVEMBRO-DEZEMBRO 2015)
HISTÓRIA DO DIREITO PENAL 3. O INDULTO PRESIDENCIAL: ORIGENS, EVOLUÇÃO E
PERSPECTIVAS.
Encerro
este artigo agradecendo a tolerância dos leitores, interessados em questões
vitais de natureza política e jurídica. Como o texto foi escrito pensando em
ser lido na internet, permiti-me sublinhar algumas palavras mais importantes,
prática pouco elegante quando se escreve em processos judiciais, dos quais
estou afastado inúmeros anos.
Obrigado
a todos.
(29/05/2022)