Ou seria mais apropriado dizer “nos casos contra Lula?”
Na verdade, houve uma decisão afrontosa da legalidade, da
lei escrita, e esse evidente “equívoco” — forçando um termo educado — possibilitará
livrar da prisão não só o réu Aldemir Bendine como também o ex-presidente Lula e
mais de uma centena de condenados na Lava Jato, defendidos pela nata dos
advogados criminalistas.
Esses hábeis
profissionais sentiam-se, há anos, incomodados, profissionalmente — talvez não
moralmente, como cidadãos de bem, ou contribuintes —, com o fato de não
conseguirem soltar seus ricos clientes — enriquecidos com métodos nada cristãos
— condenados por Sérgio Moro, quando juiz.
De repente, tardia e estranhamente, após julgamentos da
2ª. instância, surgiu agora — Heureca! — uma “saída” imaginosa, psicodélica,
invocável sem qualquer limite temporal —, afirmando algo que nenhum defensor
pensara antes, porque, evidente, não consta na legislação: sustentar que “um réu
acusado por corréu, sempre tem o direito de se manifestar por último, nos 10 dias
previstos em lei para a apresentação de alegações finais, ou memoriais, contra
o corréu que o delatou”.
Como Bendine não recebeu, do juiz Moro, esse prazo especial
— e não consta que recorreu, tempestivamente, contra esse suposto “cerceamento”
— essa negativa serviu de fundamento para a 2ª. Turma do STF anular —
absurdamente — a condenação de Bendine, devendo os autos voltar à 1ª instância,
para nova sentença, recursos, etc., jogando fora tudo o que foi feito no
decorrer de não sei quantos meses ou anos de trabalho. Inclusive anulando, consequentemente,
todo o trabalho de julgamento da apelação, na 2ª. Instância. Voltando o caso
para a primeira instância talvez ocorra a prescrição.
A consequência mais perniciosa dessa inesperada decisão é
que o precedente será invocado por mais de cem condenados na Lava Jato, não
obstante o rito processual adotado por Sérgio Moro ser o que consta da lei em
vigor. O mais importante presidiário a ser beneficiado pelo monstrengo
decisório é o ex-presidente Lula.
Essa decisão da 2ª Turma será estimuladora do crime do
colarinho branco, que só foi combatido com eficácia, a partir do Mensalão. Por
mais que se critique a severidade de juízes como Sérgio Moro, quase diariamente
a mídia mostra que o crime organizado mostra não temer a lei. Se o Plenário do
STF não consertar o estrago, a marginalidade temerá ainda menos.
Essa súbita e tardia “luz no fim do túnel”, segundo a
lanterna dos acusados, contraria também o senso comum. Não é necessário invocar
regras morais, ou a indignação da maioria da população, para demonstrar que
essa decisão do STF é ilegal, como demonstraremos neste artigo. Um tiro no pé,
abalando, ainda mais, o prestígio de um Tribunal que, nesse item, balança na
2ª. Turma.
As pessoas que acompanham as notícias sobre o STF já
sabem, por intuição — ou melhor, por dedução —, qual será o voto do ministro
tal quando seu voto repercute no presidente que o colocou na cúpula do
Judiciário; ou quando o ministro já demonstrou, com inúmeros exemplos, que é
contra ou a favor da Lava Jato.
Repetindo, no caso Bendine, o processo contra ele, na
primeira instância, seguiu o Código de Processo Penal. Isto é, terminada a
instrução — colheita da prova —, segue-se um debate oral art. 404, com 20
minutos para o promotor e igual prazo para o réu. Havendo vários réus, cada um
terá um prazo próprio para suas alegações orais.
Já nos casos mais complexos, ou com muitos réus —
tornando a audiência infindável, noite a dentro —, a lei vigente prevê a
apresentação das “alegações finais” na forma escrita. A lei dá um prazo de dez
dias para apresentação dessas alegações feitas pelas “partes”, isto é, pelo
promotor público e depois pelo réu ou réus. Friso que a lei processual fala em
“partes”, isto é, a Justiça Pública (o promotor) e o réu, ou réus. O conflito
de interesse entre “réu delator” e réu “não delator” não os transforma, processualmente,
em “partes”, conforme a lei.
Considerando que em alguns crimes pode haver, em único
processo, dezenas ou centenas de réus — formação de quadrilha, por exemplo. Imaginemos
um processo com 40 réus, metade delatando e metade não delatando. Não teria
cabimento abrir, dentro dos autos “normais”, um outro volumoso e confuso
processo “contraditório”, interno, só entre réus e corréus, que trocam
acusações e defesas recíprocas, sem permissão legal de apresentação de provas
do que alegam. Seria o caos, um Deus-nos-acuda, se a lei permitisse que vinte
réus, delatados, pudessem tumultuar o processo “normal”, juntando documentos e
indicando testemunhas, para contra-atacar as acusações de um colega ou
ex-colega de crimes.
É comum, em processos
com vários réus, que muitos deles procurem salvar a própria pele, dizendo —
mentindo ou não —, que é inocente e que o culpado, em determinado fato, foi o
co-réu Fulano. Os acusados podem dizer o que bem quiserem nas alegações finais,
antes da sentença. Podem mutuamente se atacar, ou não.
O juiz, ao julgar,
examina tudo o que foi alegado pelos réus, tira suas conclusões e profere a
sentença, decide pela culpa ou inocência de cada acusado. Ou, na dúvida, impressionado
com um ou mais argumentos de réus, não redige logo a sentença. Converte o
julgamento em diligência, isto é, decide colher mais provas, que o ajudarão a
uma maior convicção das respectivas culpas. Após juntadas essas novas provas,
orais ou periciais, os réus têm o direito de se manifestar sobre elas. Só então
o juiz profere sua decisão, que pode ser criticada amplamente por todos os réus,
usando o recurso de apelação.
Apenas para esclarecer leitores sem formação jurídico dou
estas explicações elementares.
Como todos os réus podem apelar de suas respectivas
condenações, seus advogados podem, nos recursos de apelação discorrer
amplamente sobre eventuais mentiras de corréus, delatores de seus clientes.
Repito: considerando que nas alegações escritas finais os
réus podem se acusar mutuamente — sem o direito de provar o que alegam —, mas,
nas apelações podem argumentar contra delações de corréus e a segunda instância
já leu os autos, não tem razoabilidade jogar fora um imenso trabalho da justiça
em duas instâncias. No prazo comum dos 10 dias, cada réu escolheu o dia para
apresentar suas razões finais. Se estava curioso sobre o que disse um corréu
inimigo, que juntasse suas alegações no décimo dia.
A prevalecer a
nulidade, que vai abrir as portas da cadeia para muita gente, a impunidade
vencerá no Brasil assim como venceu na Itália de Berlusconi.
Os processos judiciais devem caminhar para a frente. Não
para atrás. E as nulidades devem ser logo mencionadas pela parte prejudicada.
Se houve algum cerceamento de defesa, o réu recorreu explicitamente contra ela?
Se não recorreu, o assunto é passado, houve preclusão. As nulidades processuais
não podem ficar “guardadinhas” para eventual uso futuro, em qualquer tempo.
Essa “nulidade” concebida pela 2ª. Turma foi, como já disse antes, apenas uma lamentável
e tardia invenção aproveitada por julgadores predispostos, claramente, a destruir
os efeitos da Lava Jato.
Diz o art. 563 do CPP que “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo
para a acusação ou para a defesa”.
(01/09/2019)