segunda-feira, 20 de julho de 2015

Ivan Sant’Anna seria ótimo no “Roda Viva”


Inicialmente, justifico porque sugiro que “Roda Viva”, o interessantíssimo programa de entrevistas da TV Cultura — às 22:00 horas, nas segundas-feiras —, convide o jornalista Ivan Sant’Anna para falar sobre seu último livro, “O Terceiro Templo. Os conflitos árabe-israelenses e os choques do petróleo”.

Para mim, esse “livro-síntese” foi bastante esclarecedor, ligando e explicando fatos políticos e econômicos que quase sempre são mencionados isoladamente nos jornais. O livro “encaixa as peças” de dois grandes quebra-cabeças oriundos do Oriente Médio. Poucas pessoas, mesmo bem informadas, conhecem os bastidores e sequenciamento da luta política e econômica na disputa do petróleo. Causas e efeitos. Subida e descida no preço da sopa negra e oleosa, de origem orgânica — cozida nas entranhas quentes do Planeta  — e por enquanto insubstituível, embora poluidora. Esse o principal mérito da obra, que também auxilia o entendimento do conflito israelo-árabe. Não há, na Terra, problema político igual, em termos de complexidade, porque ambos os lados têm razão. O problema é essencialmente físico: dois corpos — inteiros — não podem ocupar o mesmo espaço.

Há vários anos acompanho, pela imprensa, o que corre pelo mundo. Considerando que a televisão já nos fornece alguma informação sobre a política nacional, inicio a leitura do jornal pelas notícias internacionais. Mesmo assim, não tinha uma visão sequencial, resumível, do que aconteceu no Oriente Médio. Todo jornal, repito, é essencialmente fragmentário, mesmo porque o espaço para informar é curto. Aborda os assuntos do dia ou da semana, mas somente o livro, ou pelo menos o livreto, pode sintetizar o que ocorreu, no decurso de décadas. Resultado: nosso destino está sendo construído — ou destruído... —, sem que o saibamos, em áreas por vezes bem distantes. Se a humanidade estiver destinada a ser fritada, que pelo menos saiba depois porque isso aconteceu. Sempre restarão alguns sobreviventes esfarrapados que, sentados nos escombros, poderão ler algumas folhas que escaparam do grande incêndio.

Com a crescente globalização — a exigir algum aperfeiçoamento normativo mundial —, uma “guerrinha” aparentemente menor, “apenas mais uma”, iniciada no Oriente Médio, ou na Ucrânia, poderá se transformar em conflito nuclear. O risco atômico tem conseguido, paradoxalmente, desde o início da Guerra Fria, que o ar poluído que respiramos não seja também radioativo. Palmas, portanto, para esse lado imprevistamente virtuoso do medo atômico que inibiu tanto Stálin quanto os presidentes americanos de iniciarem uma Terceira Guerra Mundial, mal encerrada a anterior. Ocorre que esse efeito positivo do perigo nuclear só existe quando é recíproco o medo.

Quando duas ou mais nações se odeiam, cultivando velhos ressentimentos, e o poder nuclear está nas mãos de uma só, a prepotência cresce. A sensação de possuir uma força temível e irresistível estimula, até mesmo inconscientemente, o abuso. Isso ocorre tanto no reino animal quanto no meio-animal, como é o caso do bicho-homem. Leopardo não come leopardo. Come a frágil gazela mas nem tenta comer o rinoceronte, apesar de sua abundância proteica. Dentes e garras, peso, chifre e agressividade definem quem pode viver ou morrer. Os homens utilizam instrumentos mais sofisticados, chamados política e poder.

Vejam, por exemplo, o que ocorre com a Coreia do Norte, governada hoje por um jovem ditador, excêntrico e matador, que jamais seria eleito por cidadãos com um mínimo de  discernimento e liberdade de expressão. Ele é o produto de uma estranha forma de aristocracia: a comunista, o poder transmitido pelo sangue, um sistema arcaico de governança, supostamente rejeitado desde 1789, com a Revolução Francesa. O atual “líder” norte-coreano foi “ungido” presidente pelo pai, que governou ditatorialmente o país por décadas. No entanto, com todas as suas venetas e vendetas — o jovem “monarca” elimina os próprios ministros com total desenvoltura —, a comunidade internacional não se atreve a tomar medidas de força contra esse país, temendo o disparo de alguns foguetes com ogiva nuclear. Resumindo: quem tem a força atômica é sempre respeitado e temido. Não é à-toa que os cinco países com assento permanente e poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, são potências nucleares.

A menção do tema nuclear lembra naturalmente o que ocorre no Oriente Médio, onde o único país, na região, com poder atômico, Israel, “exige” que a comunidade internacional impeça que seu maior rival político, o Irã, desenvolva a tecnologia nuclear. “Exige” o privilégio com tanta autoconfiança que promete usar todos os “meios” — obviamente violentos, a seu exclusivo critério — para impedir qualquer atividade que permita ao Irã crescer na tecnologia nuclear de qualquer natureza, civil ou militar. Expressa-se duramente, mesmo após as grandes potências chegarem a um recente acordo, em Viena — trabalho de mais de dez anos —, permitindo ao Irã algum nível de evolução nessa tecnologia. Essa arrogância — desafiando até seu velho aliado, os EUA (pelo menos no governo de B. Obama) — é mais uma comprovação do embriagador efeito cerebral causado pela posse de armas nucleares.

O “livro-síntese” (uma forma de dizer) de Ivan Sant’Anna obrigou-me a retificar  um argumento  que venho repetindo, na internet, há vários, anos sobre Israel.

Essa retificação relaciona-se com a sinceridade, ou insinceridade, dos pronunciamentos do governo israelense quando justifica sua dura política contra o Irã, Síria e o Hamas. Explico melhor: Benjamin Netanyahu costuma justificar sua ojeriza e intransigência contra a criação de um Estado palestino vizinho alegando que os árabes não aceitam a existência de Israel, a ponto de prometerem “varrê-lo do mapa”. Não aceitando, os árabes, a existência de Israel, não haveria razão para conversar com os palestinos sobre qualquer forma de divisão da terra palestina. “Como ajudar a criar um país que pretende arrasá-lo?”

Sempre interpretei essa alegação israelense como sendo um pretexto, tirando proveito político de uma frase somente demagógica, proferida com frequência pelo então presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e outros inimigos fanáticos de Israel. Considerando o tamanho de Israel, com mais de oito milhões de habitantes, seria impensável, apenas bafo, nada sério, pretenderem os árabes um segundo Holocausto judeu, algo tão doentio quanto o primeiro.

Todavia, lendo a história abreviada da criação de Israel — conforme a explicação detalhada de Ivan Sant’Anna —, constatei que por duas ou três décadas, após a criação do Estado judeu, os países árabes tinham realmente a intenção, de destruir esse país. Não era demagogia da ala mais radical islâmica.

O livro de Sant’Anna descreve, com números — tanques, soldados, aviões, etc. —, o imenso esforço bélico de nações árabes decididas a destruir Israel, só não o conseguindo porque os judeus lutaram com rara determinação, habilidade e, convenhamos, com o socorro bélico e urgente dos americanos. Israel esteve, realmente, à beira do desaparecimento, chegando a pensar no uso da bomba atômica, talvez apenas uma ou duas, naquele momento. Impossível saber o número porque Israel é uma caixa-preta.

Segundo o mesmo livro, na página 132, na Guerra dos Seis dias, em 1967, o ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, angustiado com a inferioridade de forças, chegou a dizer, em uma reunião com a cúpula israelense: “Só nos resta o último recurso, preparar o show nuclear”. Golda Meir, porém, cabeça fria, de imediato respondeu: “Esqueça isso”. Esse fato comprova que desde 1967  Israel já dispunha de pelo menos uma bomba atômica. E pretende, mesmo agora, continuar com o privilégio da exclusividade nesse poder estrutivo.

São esses detalhes, entre outros, que tornam o livro de Ivan Sant’Anna especialmente didático. E também interessante, porque esse autor pinça traços de personalidades de pessoas que influíam na subida e descida do preço do petróleo, explicando o porquê das oscilações. O ex-ministro do petróleo da Arábia Saudita, Ahmed Zaki Yamani, que aparecia nas manchetes dos jornais todas as semanas, décadas atrás, é explicado nas suas táticas para manter o preço do petróleo no nível mais conveniente aos interesses de seu país e dos demais produtores. Era um homem muito inteligente e equilibrado, fazendo seu papel enquanto manteve sua influência junto ao rei da Arábia Saudita. Mudando o rei, mudou sua relação com a monarquia.

Voltando ao mantra árabe da “varredura” de Israel “do mapa” do Oriente Médio, cumpre, porém, lembrar aos árabes que se havia, inicialmente, algum grau de justificação moral na tentativa de impedir a “invasão” judaica, o passar do tempo tornou obsoleta essa pretensão. Israel cresceu, consolidou-se e tornou-se um fato consumado. Em termos civilizatórios, não tem sentido falar em sua destruição.

 A única solução, hoje, para a difícil convivência, será a criação de fronteiras estabelecidas pela comunidade internacional — caso as partes não cheguem a um acordo (porque não chegarão...) —, após ouvidas as reivindicações dos interessados. A decisão final do traçado será, inevitavelmente, de um “terceiro”, um tribunal internacional. Ou já existente, ou “ad hoc”, criado especialmente para o caso e com largos poderes de equidade, não apenas verificando “direitos”, tratados oriundos de pressões de todo tipo.

Quanto ao problema do retorno dos palestinos expulsos — morando precariamente em abrigos nos países vizinhos —, e do excesso de judeus querendo morar em “seu país”, a solução também deve vir de “de fora” de um órgão internacional. Não por decisão unilateral de qualquer das partes. Para isso a civilização concebeu um sistema de resolver problemas, o poder judiciário, que pode até não ser o ideal, na prática, mas sempre é melhor do que deixar prevalecer a força bruta, pura e simples, com sangue e ruínas por toda parte.

Inconformidades futuras contra a solução internacional poderão ser atendidas ou mitigadas com pagamento de indenizações aos prejudicados — talvez o gasto com elas seja inferior às despesas imensas e infindáveis com armamentos, mortes e outras consequências guerreiras — e/ou com a compra de áreas na África para instalação de comunidades judaicas e/ou palestinas, conforme for acordado ou decidido.

No começo do século XX foram oferecidas ao movimento sionista, grandes áreas, para instalação, provisória ou definitiva de uma pátria judaica. Terras no Congo, Uganda, Moçambique e outros locais foram propostas. Uganda, com um clima próximo do existente ao sul do Mediterrâneo, não muito quente, foi recusada pelos líderes sionistas por três motivos: a existência de muitos animais ferozes; a proximidade de tribo selvagem (não me lembro agora qual delas) e por razões religiosas, relacionadas com a “necessidade” de retorno a um lugar considerado sagrado. Segundo os sionistas, somente Jerusalém poderia sediar a nova nação. Havia um certo fundamento na recusa, tendo em vista a distância, clima africano, dificuldade de transporte e acesso..

 Agora, porém, são os leões, não os seres humanos, que precisam de proteção; as tribos africanas já usam mais celulares do que flechas e a maioria dos judeus é agnóstica. Considerando o tamanho da África e a tecnologia hoje disponível contra o calor excessivo em lojas, casas, fábricas e escritórios, tanto judeus quanto palestinos poderiam ajudar imensamente no progresso econômico deles mesmos e da África, que carece de investimento e mão de obra qualificada. O tamanho gigantesco da África, microscopicamente aproveitado hoje, é mais uma prova da estupidez política da humanidade como um todo.  

Ivan Sant’Anna, no final de seu livro, considera impossível uma solução pacífica para o conflito Israel- Palestinos, raciocinando apenas em termos de ocupação da Palestina. Quem sabe, se incluirmos a imensidão africana na solução do problema — , e também a opinião dos próprios africanos, que também teriam suas vantagens com o surgimento de empregos em larga escala —, o antigo conflito racial, político e cultural terá um fim.

 Os palestinos não são equiparáveis, culturalmente, aos antigos índios peles-vermelhas, expulsos pelos colonizadores ingleses e hoje reduzidos a alguns milhares de indivíduos morando em reservas. São muito mais instruídos que os índios do Velho Oeste, naquela época. Não esquecerão, jamais, a ofensa da expulsão e a mesquinharia com que foram tratados por Israel. Essa lembrança de injustiça sofrida fermenta na memória. Anseia por vingança, assim como os judeus europeus — espezinhados, espancados e assassinados em campos de extermínios —, anseiam por vingança, ou justiça, até hoje, sessenta nos depois, exigindo cadeia ou forca para velhos alemães, que cumpriam ordens nazistas, sabendo o que ocorria. Mesmo sabendo, quem se recusava cumprir ordens estaria em risco de vida.   

Os judeus, por sua vez, uma raça — ou comunidade — culta, poliglota, especializada em finanças — até mesmo por não terem outro caminho, impedidos de serem industriais e fazendeiros — precisam compreender, com muita tolerância, a reação violenta dos palestinos mais aguerridos à ocupação maciça de suas terras. Ocorresse o contrário, com palestinos chegando em ondas a Israel, os judeus locais reagiriam como reagiram os árabes à chegada dos judeus. Recorreriam também ao terrorismo, como realmente recorreram contra os ingleses, a ponto de dinamitar um hotel, em Jerusalém, em 1946, o  King David, que servia como moradia dos funcionários ingleses encarregados de administrar a Palestina, finda a Primeira Guerra Mundial.

Enfim, o livro de Ivan Sant’Anna é bastante informativo e explicativo, principalmente no item petróleo.

Segundo a mídia, está havendo um recrudescimento do antissemitismo na Europa. Isso corre em maior parte por causa do estilo truculento e arrogante de seu Primeiro Ministro que não quer “dar satisfação” à opinião pública internacional.

Netanyahu não explica nada, e nada concede. Só reage, “na bruta”, esmagando com seus aviões e tanques, os inimigos de Israel, muito inferiorizados em armas. Para cada israelense morto morrem dez ou vinte árabes. Quer representar apenas a força e talvez uma imaginária superioridade racial, esquecido que essa força não foi apenas a própria, teve o anterior apoio americano.

 Netanyahu considera-se — e é —, um patriota, mas no seu sentido mais estreito, primitivo, nunca tentando entender a motivação do adversário. Ama Israel, mas Hitler também amava a Alemanha. Só que “amava em excesso” e por isso teve um triste fim. Se Israel tratasse melhor a população palestina, compreendendo sua reação de “país invadido” e fornecendo a ela serviços básicos, saúde, educação, transporte e o usual para uma vida digna, essa conduta obviamente levaria a população árabe, paulatinamente, a diminuir sua animosidade. Não é com vinagre que se atrai abelhas. Não podemos esquecer que elas transportam mel mas também têm ferrão.

Fiquemos por aqui. Quem sabe assistiremos a entrevista de Ivan Sant’Anna. Não consultei o jornalista antes de redigir este texto.

(18-07-2015)