Leituras, aposentados e reflexões arriscadas
Para pessoas de regular instrução, quando
curiosas — segundo psicólogos, sinal de inteligência —, a vantagem máxima da
aposentadoria estaria no maior tempo disponível à leitura instrutiva e reflexiva.
Além do prazer, em si, de conhecer o que se ignorava —, mesmo sabendo que o
proveito será menor porque a morte ronda —, dessas leituras podem surgir novos
enfoques, resultantes da conexão da experiência de vida com as velozes novidades
do mundo atual. Uma indispensável “liga” do novo com o velho porque a
civilização é o resultado de um encadeamento progressivo de ideias com raros “saltos
qualitativos”, bruscos, revolucionários — não necessariamente políticos.
Lamentavelmente, não é isso que geralmente
ocorre — o interesse pela leitura instrutiva —, apesar de existir um impressionante
universo de conhecimentos ao alcance de todos, via imprensa e internet. E boa
parte desse interessante material é fornecido gratuitamente.
Conversando com alguns idosos que conseguiram dominar
o “pavor do computador” — inacreditavelmente, alguns, até bem inteligentes,
temiam “não conseguir aprender”... —, constata-se que muitos deles empregam seu
vasto tempo livre em joguinhos eletrônicos, leitura de fofocas políticas — se
em poucas linhas... — e assuntos de baixo nível de dificuldade. Não querem mais
“quebrar a cabeça”.
“Meu tempo já passou...”, dizem, erroneamente,
porque até o momento da morte sempre pode-se extrair algo útil, e até mesmo
poderoso, desse milagre biológico chamado cérebro humano.
Sempre me intrigou a imensa diferença entre a
inteligência do homem e a dos mamíferos, mesmo os mais inteligentes dentre
eles. Um misterioso “privilégio” já bem explorado pelas religiões que apontam essa
diferença como sinal de nossa especial origem divina. Tão especial que chegam a
dizer que fomos feitos “à imagem e semelhança de Deus”, descabelado autoelogio
que o Criador, horrorizado, certamente considera como pura demagogia.
No
entanto, como justificar, cientificamente, que um bebê, nascido na selva mais
profunda, sem qualquer ascendente alfabetizado possa — em tese —, quando transferido
para um centro civilizado, se transformar eventualmente em um gênio capaz de
explicar o que ninguém antes foi capaz de compreender? Como entender, sem um
empurrão da Teologia, tanto desperdício de poder cerebral, dado de graça ao
nascer de seres humanos de qualquer cor? Por que não existem dezenas de “elos
perdidos” entre o homem e o chimpanzé? Realmente, ainda há muita coisa a ser esclarecida
sobre a origem do “homo sapiens” (ou “metido a sapiens”).
Voltando aos idosos, eles usualmente ocupam-se em
buscar netos nas escolas, viajar em
grupo, aprender a dançar tango —, com esforçados trançados de pernas bambas —, de
preferência com vigorosas jovens argentinas. Outros, mais decididos, engolem pílulas
capazes de proporcionar provisório vigor amoroso, acoplado, por vezes, a uma profunda
carência de romantismo: — “Um coicezinho final, físico e sentimental, antes de
esticar as canelas”, dizem alguns, com olhos tristes, carregados de dúvidas ou remorsos.
Outros, mais resolutos, esforçando-se para se convencer — e acabam mesmo se
convencendo —, de que têm esse direito, “digam o que digam as leis, os religiosos,
invejosos, juízes, delegados ou o diabo que os carreguem!”.
Nada a estranhar, sob o ângulo apenas psicológico,
quanto ao desejo de usufruir, na velhice, aquilo que gostariam de ter feito,
mas não fizeram quando moços, pressionados pela moral, pela lei, pelo medo do —
quem sabe? —, castigo divino. Medo, principalmente, do fuxico da vizinhança, do
rancor escandalizado dos filhos, das novas despesas com mulher bem mais jovem e
assanhada; ou das doenças relacionadas com o amor pago por tarefa. Medo ainda,
real, poderoso e algo contraditório, de magoar a antiga e honrada companheira
que — ele reconhece —, bem que mereceria um marido cem por cento, o que não foi
“humanamente” possível no seu caso, desculpe minha velha...”
O temido “comportamento ridículo” — como todos
os juízos, sempre fáceis, sobre a conduta alheia —, pode ser encarado com
alguma compreensão quando tal comportamento não implica — o que é raro —, em sofrimento
de terceiros. Geralmente “terceiras”, as esposas, ou companheiras, angustiadas com
a conclusão de que “Meu comportado marido endoidou! Que devo fazer? Temo a
solidão mas minhas amigas exigem uma atitude!”
Do lado
do marido extraviado, sua mente ensaia técnicas de defesas, inclusive chicanas
morais no tribunal da própria consciência: — “Para mim, não é nada ridículo. Sei
o que digo! Contenho-me há anos! Até agora só vivi para os outros! Afinal, o
impulso de preencher um vazio na área instintiva é fenômeno não só humano. É de
todo o reino animal. Tenho também meu lado animal, confesso, infelizmente. Se
há tanto empenho em proteger os “animais”, por que nenhuma ONG me protege? Só
porque tenho duas pernas? O canguru também tem e é protegido. A “quota” de
instintos, com que todos nascemos, está cobrando, agora. com atraso, “seus
direitos de expressão”, que considera imprescritíveis — essa terminologia
mental ocorre apenas nas mentes jurídicas —, não importa o branco dos meus
cabelos nem a curvatura da minha coluna e de outras partes”.
Quanto à psicologia das mulheres, na mesma
faixa etária, convém — quem não for mulher —, não arriscar conjeturas sobre o
que se passa no cérebro delas. Imagino que é uma alvoroçada assembleia de damas
revoltadas, gritando e argumentando. Não há dúvida, porém, de que elas, de modo
geral — e por enquanto —, são mais resignadas com as frustações que lhes
reservou o destino. Consideram injusto o trabalho dentro e fora do lar e a
maior vigilância social sobre seu comportamento. Suportam mais as decepções da longa
convivência marital. Enterraram, quase totalmente, os românticos “sonhos
loucos” da mocidade. Pensam quase só nos filhos e netos. Tornaram-se zelosas
guardiãs da família. Acostumaram-se com o peso da cruz .
Se sua “personal cruz” — barbuda, bigoduda ou
escanhoada —, sofrer um enfarte fulminante, elas podem sentir alguma falta do
falecido, companheiro, secretário, chofer, e zelador particular que fazia
pequenos consertos na casa. Querem apenas morrer com a consciência em paz.
Geralmente acreditam em outra vida, com, talvez — “quem me dera!” — alguma
recompensa pelas suas renúncias silenciosas: — “Não é possível que eu não
encontre justiça, nem mesmo depois de morta!”— é o grito silencioso delas.
Como conciliar o desejo de satisfação de tais
“quotas” instintivas e românticas, masculinas e femininas, com as regras legais
e morais é o grande problema que só será resolvido daqui a muitas décadas,
quando religiões, moral, ciência e lei chegarem a um acordo — realista — de
cavalheiros.
Isso acontecerá, inevitavelmente, porque a
humanidade sempre lutou contra a sensação de dor. Toda dor, física ou moral. A
dor física, aguda, só pelo fato de ser insuportável, já foi dominada pela medicina.
A dor moral da frustração, mais apaziguável, ainda não. E fujamos do perigoso assunto
porque vejo no horizonte a formação de nuvens ameaçadoras tomando a forma de
vultos femininos segurando formas cilíndricas que parecem rolos de macarrão. Esse
inocente instrumento de cozinha foi, em passado não distante, poderoso amaciador
de massas cerebrais masculinas, propensas às milenárias fraquezas e discutíveis
filosofias que as justificassem.
Incidentemente, ocorreu-me a ideia — mera
desconfiança, talvez maldosa — de que o Islamismo, permitindo a poligamia — em
variados graus quanto número de esposas —, incentivará adesões masculinas, em
todo o planeta, inclusive no mundo ocidental. A mera possibilidade de conciliar,
sem o menor drama moral, a religião com a moral e com o instinto natural da
poligamia, funcionará como um poderoso incentivo, para conversões de machos.
Obviamente, nenhum candidato ao islamismo mencionará que esse “bônus”, a
poligamia, pesou na decisão, mas se Freud fosse vivo, e consultado a respeito,
certamente diria que o subconsciente deve ter feito o seu trabalhinho.
Por outro lado, havendo maior difusão da instrução
e informação nos países islâmicos, não só árabes — via internet e imprensa
livre — a ideia da monogamia ganhará progressivo espaço. À mulher moderna
repugna dividir seu homem com quem quer que seja. O aumento da instrução nas
mulheres será um golpe mortal na tentação da poligamia. Teremos, cada vez mais,
mulheres nos parlamentos. Já que falamos antes em instinto e analogias, frise-se
que as leoas, na savana africana, mordem as leoas estranhas que se aproximam do
leão ainda em condições de lutar e procriar. Não admitem nem a troca de rugidos
cerimoniosos.
Se vier a prevalecer apenas a racionalidade, a monogamia legal,
mais democrática, triunfará em todo o planeta, com a mera consideração de que há um quase
empate estatístico no nascimento de homens e mulheres. Como, entretanto, o
homem tão cedo não mudará sua natureza, a poligamia continuará presente, embora
residual, furtiva, como ocorre com crimes e contravenções. Gostaria de estar
entre os vivos daqui a cem anos, para saber como a civilização — se ainda não
incinerada ou “radioativada” — resolveu esse problema.
(14-4-2011)
Nota: O presente artigo, com a data acima, é uma adaptação de artigo que fará parte do "Verdades que melindram", vol. II, que dentro de poucos meses estará para leitura on-line.