Antes de mais nada, uma explicação: nada tenho, genericamente, contra “judeus”, sejam eles encarados como “raça” ou religião. Pelo contrário. Em escolas, como aluno, do ginásio à universidade, sempre senti uma natural afinidade intelectual com judeus, no geral bem humorados, valorizadores da cultura, afáveis e avessos à brutalidade. A humilhação, o sofrimento deles na Europa, vítimas de perseguições — e não só pelos nazistas — nunca me foi indiferente. Como tenho sobrenome de árvore, “Pinheiro’, e poderia se também “Carvalho” — se minha avó paterna não tivesse, com o casamento, adotado o sobrenome do marido —, cheguei a pensar, pela semelhança do temperamento, que talvez fosse descendente dos tais “cristãos novos”, que mudaram de religião só para escapar das perseguições religiosas.
Essa simpatia, no entanto, não me impede, pelo contrário, me obriga a criticar a política exterior de Israel, nas últimas décadas, no que se refere ao povo palestino e seus “desdobramentos”, um deles o Irã. Sim, desdobramento. O rancor do Irã contra Israel e a própria existência do terrorismo islâmico nutrem-se, em grande parte, do tratamento que Israel vem dispensado aos palestinos, expulsos (pelos romanos não pelos palestinos) das terras que ocupavam há quase dois mil anos. Se a questão palestino-israelense já tivesse sido resolvida — pela ONU, parece não haver alternativa, ampliando e fortalecendo a jurisdição internacional — Ahmadinejad não estaria repetindo a bobagem, sempre lembrada pelos seus inimigos, de “Varrer Israel do mapa”. Frase tola, visando a captação de votos em eleições, porque todos sabem, inclusive ele mesmo, que não mais tem sentido, no mundo moderno, “arrasar” um país, qualquer país, seja ele fraco ou forte. E Israel é fortíssimo na área militar, diplomática e de inteligência (espionagem, na nomenclatura antiga). Além disso, sua dimensão populacional não se limita a Israel. Aproximadamente 6 milhões moram em Israel, mas igual número, vive nos Estados Unidos. Segundo dados da Wikipédia, a população judia, no mundo todo, varia entre 12 milhões e 14 milhões. Entre os países europeus, está na França, terra do Sarkozy, a maior concentração de judeus.
Charles Proteus Steinmetz, um cientista judeu nascido na Alemanha mas que imigrou para os EUA — onde fez brilhante carreira na engenharia de eletricidade —, disse que “Haverá uma era de nações pequenas e independentes cuja primeira linha de defesa será o conhecimento”. Com isso profetizava a existência de Israel e sua preocupação com a chamada “inteligência”, a informação na área política, militar e até comercial. O Mossad, serviço secreto israelense, é provavelmente o mais eficiente do planeta.
Israel dispõe, em comparação com os países árabes, de enorme superioridade em armas convencionais, as mais modernas, além de um “plus” atômico de dimensões desconhecidas pelo resto do mundo porque ninguém — nem mesmo a Agência Internacional de Energia Atômica — se atreve a investigar qual o arsenal nuclear de que dispõe o país, sem ser incomodado pelas nações ocidentais. É uma desigualdade de tratamento, até mesmo de curiosidade, que revolta os iranianos. Estes podem sempre perguntar: “Se os israelenses têm o direito de ter medo de ataques árabes, e por isso estão autorizados a possuir armas nucleares, por que nós, iranianos não temos o direito de ter medo dos israelenses, que já as tem?”
O que o presidente iraniano precisa enfiar na sua cabeça teimosa é que se o “lema-choque”, varrer, pôde, anos atrás, lhe dar alguns milhões de votos, sua repetição, ou simples permanência, pode, hoje, significar a desgraça do país. A frase boba facilita, “autoriza”, um ataque contra suas instalações nucleares, tanto por israelenses quanto por forças internacionais comandadas pelos americanos. Há sinais, decepcionantes, de que Barack Obama, nesse item — espero estar enganado —, está fraquejando, incapaz de resistir a pressões do lobby israelense e de seu Secretário de Defesa, má-herança do governo W.Bush. Se bombardeado o Irã, sua população se unirá em apoio ao presidente, como é usual em todos os países. Teremos uma terceira guerra em curso, para felicidade da indústria bélica americana. Relembre-se que a indústria armamentista, em toda parte, só prospera em clima de guerra. A paz é sua penúria, sua falência, seu inferno. Em um mundo menos idiota a indústria armamentista não poderia, há muito, estar em mãos particulares, exceto no que se refere a armamento leve: revólveres, espingardas de caça e coisas assemelhadas.
Ocorrendo um ataque contras as instalações nucleares persas, e inevitavelmente em áreas vizinhas, qual o benefício que isso trará ao Irã? Nenhum. Só mais atraso e destruição. Em tudo, não só no desenvolvimento do conhecimento atômico. A energia nuclear, cedo ou tarde, será necessária ao Irã, que não dispõe de hidrelétricas suficientes. Será que o atual presidente não entende que a manutenção da frase tola só fornece argumentos e pretextos para Israel manter-se como força máxima, e em expansão, no Oriente Médio? Sob tal aspecto, seria útil, para o Irã, livrar-se de Ahmadinejad, assim como seria útil para Israel livrar-se de Benjamin Netanyahu e seu atual Ministro do Exterior, que um dia serão julgados pela História. Os “líderes”, quase sempre, é que desgraçam seus respectivos povos. Mesmo nas democracias. Isso porque a preocupação máxima deles é agradar “as massas”, que pouco se interessam, nem têm tempo para ler a enxurrada de notícias e análises conduzidas conforme o interesse de editores de jornais, revistas e televisões.
A respeito, especificamente, da possibilidade de uma série de “sanções duras’ — bombardeios contra as instalações nucleares iranianas? — analisemos o falso “perigo imediato” de que o Irã faça logo bombas atômicas e que as arremesse contra Israel.
O que será dito em seguida são informes colhidos em “O Estado de S. Paulo”, jornal que jamais poderá ser acusado de nutrir qualquer simpatia pelo Irã.
Diz o referido jornal, no dia 8-2-10, pág. A8: “O material radioativo iraniano é enriquecido entre 3% e 5%, taxa adequada para o uso civil. Ao ser processado novamente, este combustível pode chegar a 20% de enriquecimento — ideal para uso medicinal — ou até 90%, percentual requerido para a fabricação de uma arma atômica”. Um exagerado “pulo”, esse, de 5% para 90%. Em suma, o Irã ainda está muito longe de poder produzir bombas nucleares. Sua luta atual é conseguir chegar aos 20% de enriquecimento, bem distante dos 90%, necessários para produzir bombas. E na mesma notícia vem dito que os serviços de inteligência dos EUA e de países da Europa “calculam” — provavelmente exagerando — “que o Irã teria capacidade de produzir uma bomba nuclear dentro de menos de cinco anos”. Quando um notícia como essa diz “menos de cinco anos” pode o leitor estar certo que a previsão não é de um, dois ou três anos. É de quatro ou cinco, pelo menos. Portanto, a suposta “bomba iraniana” não é um assunto de importância tão imediata, que justifique bombardeios, agora, de qualquer país, desencadeando uma nova guerra.
Os falsos argumentos para, de imediato, “punir” o Irã, incluem também o fato do Irã mostrar-se relutante quanto à proposta ocidental de que o país deve enviar seu combustível nuclear para ser beneficiado na França. A desconfiança iraniana, no caso, se justifica. Qual a garantia de que a França e os países ocidentais — passado algum tempo e fortemente influenciados pela diplomacia israelense — não resolvam “reter”, “pensando melhor”, o combustível nuclear iraniano, alegando tal ou qual fundamento ou pretexto? O Irã, nesse caso, ficaria privado de um material que é seu, dependendo de uma enorme, lenta e ineficaz burocracia jurídica para pleitear, na justiça internacional, a devolução do seu combustível. E é sabido que as decisões da justiça internacional não são cumpridas automaticamente. Se a França se negasse e entregar o combustível — que não lhe pertence —, após anos de disputa judicial, e fosse condenada por isso na Corte Internacional de Justiça, o assunto passaria para exame do Conselho de Segurança, onde imperam as decisões com motivação apenas política. Além do mais, a França já deixou expresso que “...sua estatal nuclear, Areva, não teria condições de entregar combustíveis ao Irã antes de dois anos, por conta de compromissos anteriores de fornecimento” (mesma fonte jornalística).
Em suma, a França “enrola” nas suas propostas e contra-propostas. Diz o referido jornal, na edição de 10-2-10, pág. A12, que “Há cerca de um ano, Sarkozy declarou que havia duas opções: a bomba nuclear do Irã ou o bombardeio contra o Irã”. Em janeiro, o presidente francês alertou sobre a possibilidade de um ataque militar de Israel às instalações nucleares iranianas”. Sarkozy é filho de mãe judia, convertida ao catolicismo. Não é improvável que tal condição o incline para ver as coisas do modo bem parcial, em favor de Israel, que dispõe de arsenal nuclear — deixa isso sempre subentendido — ou finge ter, mas não permite gente de fora examinar.
Nesse assunto — sanções contra o Irã — nossa política externa está no bom caminho. Talvez não no “politicamente correto internacionalmente”, mas sob o aspecto moral, muito mais importante, a longo prazo, que a subserviência aos interesses dos mais espertos.
Na sua próxima viagem ao Oriente Médio o Presidente Lula será tremenda e sutilmente pressionado, pelo governo israelense, para aderir à quase unanimidade internacional que julga com extrema parcialidade — sem o menor pudor — um conflito capaz de desencadear guerra injusta contra uma nação relativamente fraca, o Irã. Esqueçam, por favor, a tola bravata do presidente iraniano. Pensem apenas no povo iraniano. O que o Irã pretende, no fundo, é criar um escudo que provoque algum respeito, ou mesmo medo, em um inimigo que se sabe poderoso e influente demais para ser contrariado em qualquer pretensão territorial. Se o medo for recíproco, há alguma esperança de acordo no conflito essencial, a questão palestina.
Espera-se que o governo brasileiro, embora educado nas suas manifestações durante as visitas, diga, evasivamente, que “vai pensar” nas sugestões e depois decida com a boa consciência, embora com voto vencido na ONU. Se outros países, por patetice, ou submissão vergonhosa, quiserem autorizar os bombardeios — sem o mínimo acanhamento pela desigualdade de tratamento dos países —, que o sangue das vítimas iranianas manche outras consciências, que não as nossas.
Resolva-se, com justiça, o conflito na Palestina — a decisão deve vir “de fora” — e inúmeros outros problemas estarão automaticamente resolvidos, ou quase isso.
(10-02-10)
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
domingo, 7 de fevereiro de 2010
A valiosa sinceridade do General
Tendo em vista a repercussão, na mídia, contra uma opinião manifestada pelo general de exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho — em depoimento no Senado — só nos cabe concluir que, em nosso país, a honestidade mental corre crescente perigo. Quem quiser ocupar posições de maior relevo, assumindo novas responsabilidades deve — é a triste realidade —, evitar, a todo custo, a sinceridade. É preciso treinar, em casa, antes da audiência, a técnica de mentir, agir como um ator. “Curvar-se à direção dos ventos”. Do contrário, será “boicotado” em suas legítimas aspirações. Deve responder às perguntas, não conforme sua opinião sincera — no caso acertada ou, no mínimo, muito sensata —, mas de acordo com o “politicamente correto”. Essa expressão, todos sabem, significa o oposto da verdadeira opinião.
Tudo isso vem a propósito da audiência, no Senado, em que o referido general foi sabatinado, como é de rigor, antes de ocupar uma vaga no STM – Superior Tribunal Militar.
Qual o suposto “absurdo”, proferido pelo referido general que talvez o impeça de ocupar um cargo no STM? Disse apenas que os homossexuais só deveriam ser aceitos pelas Forças Armadas “se mantivessem a opção sexual em segredo”. Vejam bem: ele não veta o ingresso, nas Forças Armadas, daquele homossexual discreto, que considera sua opção matéria de foro íntimo, não precisando ser espalhada. Não propõe que os interessados em servir na área das armas sejam obrigados a se submeter a um detector de mentiras para que não mintam sobre suas preferências sexuais. Nem pretende que, constatado que um militar é homossexual, seja ele expulso da corporação, só por isso. O ilustre oficial manifestou-se contrário à presença de homossexuais declarados nas Forças Armadas porque, como tais, não conseguirão comandar — subtende-se com a mesma aceitação —, a tropa. Essa é, porém, sua opinião, provavelmente compartilhada por grande número de experientes militares e mesmo civis. Apenas um dado da realidade social. Na controvertida declaração o ilustre general está preocupado é com a disciplina nos quartéis; não “ataca” os homossexuais por serem tais.
Realisticamente, é preciso lembrar que o nível cultural da tropa não é elevado. O preconceito popular ainda existe, é muito forte, e não anulável em curto espaço de tempo. A baixa escolaridade prepondera entre os soldados. É previsível um certo desrespeito do soldado, principalmente se iniciante, com relação ao superior que, todos sabem, sente atração pelo mesmo sexo. Isso não estimula a disciplina. Principalmente se o homossexual revela, com trejeitos, sua orientação sexual. Se, constatada uma infração disciplinar, o oficial gay deixou de punir um ou dois subordinados, com quem mantém relações especialmente cordiais, outros praças dirão — talvez injustamente —, que a benevolência explica-se pelos laços afetivos íntimos que dificultam a punição dos “queridinhos”.
A opinião do referido general não se reveste de inconstitucionalidade. Todos têm o direito de expressar seu pensamento, respondendo por eventuais abusos. No caso, depondo no Senado, o dever de dizer a verdade é especialmente exigível. Só merece elogios quem não mente em situação como essa, mesmo com o risco de não ser aprovado pela comissão que o sabatina. Não se vê abuso na opinião em exame. É apenas a visão franca, honesta, de um profissional que conhece, mais que os parlamentares, a mentalidade da tropa. Ele não está preocupado, na verdade, com a vida íntima dos soldados. Prevê e inquieta-se com a perspectiva de relaxamento em uma atividade essencialmente máscula e sóbria, que tem na hierarquia um dos seus pilares de sustentação.
No depoimento ele não se mostra hostil aos homossexuais, de modo geral. Frisa que existem outras inúmeras profissões em que podem se destacar. No mundo artístico, intelectual, empresarial, no jornalismo e nas profissões liberais há espaço de sobra para a criatividade, geralmente elevada, dos homossexuais. É questão apenas de colocar o homem certo na atividade mais de acordo com sua natureza. Se, por mero exemplo, analogicamente, um candidato à carreira diplomática tiver um gênio excessivamente irascível, violento — com antecedentes de esbofetear quem o contradiz — caso ele seja reprovado, por seu temperamento, no concurso de ingresso na carreira diplomática, nem por isso poderá alegar que foi negado o seu direito constitucional de acesso ao cargos públicos. Outros existirão, disponíveis. Não houve, no caso, “preconceito”. Houve apenas a preocupação de preenchimento de funções conforme a compatibilidade da personalidade do candidato com o cargo visado.
Quem já serviu o Exército presenciou que os locais para banho são amplos, coletivos, sem compartimentos individuais. Como todos os praças sabem que ali só há “homens”, na sua “orientação” tradicional, não há porque desconfiar do militar que está a seu lado, se ensaboando e, ocasionalmente, olhou para ele de um modo mais demorado. Se houver, porém, a certeza de que ao lado está um homossexual, surge o receio de que aquele olhar pode ter um especial significado, desagradável para quem foi criado num ambiente cultural em que os sexos devem ser distintamente definidos. Esse clima de constante desconfiança não é bom para a tropa. As piadas prosperam.
Quando a norma constitucional diz que todos devem ser tratados igualmente — não permitindo preconceitos contra deficientes físicos, raças e orientação sexual —, isso não quer dizer que todos, absolutamente todos, possam ocupar toda e qualquer função pública, sem restrições.
Já houve quem pensasse, por exemplo, que cegos poderiam ser juízes. Ocorre que o juiz — principalmente o de primeira instância —, precisa do sentido da visão. Precisa ler as petições; ler o que ele mesmo, ou alguém por ele, escreveu como despacho ou decisão; analisar a reação física da testemunha — que pode estar mentindo —; examinar a planta de um imóvel, etc. E não pode também ser nem surdo nem mudo, por razões óbvias. Para as petições e documentos serem vertidas para o código Braile seria oneroso demais. Mesmo nos tribunais superiores seria problemático admitir portadores de deficiências dos sentidos. É preciso ler petições, falar e ouvir as sustentações orais e opiniões dos colegas de julgamento. Assim, esse não-acesso de alguns à profissão de magistrado tem razão de ser. Não por “preconceito”, mas porque a natureza da função assim o exige. Cegos podem se tornar excelentes juristas, professores e conferencistas. Quem já ouviu alguma palestra do professor de direito Alberto do Amaral Júnior, que é cego, ficou certamente impressionado com o invulgar rigor lógico da exposição e profundidade de seus conhecimentos. Não podendo ler os livros, alguém faz isso por ele, lendo em voz alta.
Se houver amplo acesso de homossexuais declarados às Forças Armadas é previsível que profissão militar seja especialmente procurada por eles tendo em vista a carência afetiva dos homens que amam homens, e não mulheres. E ninguém pode negar que fatores sexuais influem nas opções profissionais. Um famoso ator inglês, Michael Caine, tornou-se ator apenas porque estava enamorado de uma bonita moça que estudava arte dramática em determinada escola. Ele mesmo é que disse isso, em entrevista. Seguindo-a algumas vezes na rua, viu que ela freqüentava aquela escola de atores. Para ter a oportunidade de, talvez, beijá-la em algum ensaio, matriculou-se no curso e acabou tornando-se um ator de sucesso. Igualmente, se houver um forte fluxo de homossexuais querendo ingressar nas Forças Armadas, á natural e previsível que, com o tempo. a proporção deles na carreira das armas seja muito maior que a existente em outras profissões. Isso porque o militar heterossexual, com freqüência — e por razões de serviço —, é obrigado a ficar longe da família, ou namorada; “vazio” sentimental que estimulará homossexuais a ocupar esse espaço.
Analogicamente, pelo mesmo motivo, não parece ser recomendável que lésbicas dêem preferência a trabalhar como carcereiras em presídios femininos
Duas décadas atrás, perguntei a um experiente cirurgião por que havia tão poucas mulheres exercendo essa especialidade. Ele me respondeu que, em parte, isso ocorria por uma questão de mera tradição, que estava desaparecendo aos poucos. Argumentou, porém, que, na sua opinião, as médicas, por temperamento — por serem mais delicadas —, preferem cuidar de problemas menos violentos, menos brutais, menos “sanguinolentos”. Explicou-me que, por vezes, o paciente que está na mesa de operação tem uma peculiaridade anatômica, uma artéria “fora do seu lugar”, isto é, não conforme o que consta nos compêndios de anatomia. Se, por acidente, a artéria é cortada pelo bisturi, o sangue inundando o campo operatório, é preciso muita presença de espírito, “vocação”, para lidar com o súbito problema. Nesse caso o cirurgião é obrigado a agir meio no escuro, porque o sangue jorra e cobre tudo. Ele entendia que o homem — embora nem todos — tem mais “sangue frio” nessas situações. Enfim, se uma jovem médica prefere clinicar em vez de operar, é seu “direito” não ser forçada a trabalhar, como empregada, amputando pernas, operando coração, etc. Reciprocamente, a administração pública, no caso as Forças Armadas, também têm o direito de prevenir o ingresso, em suas fileiras, de homens que vão favorecer, mesmo involuntariamente, uma maior indisciplina na tropa.
Se o ilustre general Cerqueira Filho for “reprovado” na sabatina, só porque não mentiu, porque deu sua opinião — equilibrada e aceitável —, todos os futuros sabatinados ficarão doravante conscientes de que no nosso país é imprescindível mentir para ocupar cargos mais elevados. Espera-se que não ocorra tal desmoralização.
(07-02-10)
Tudo isso vem a propósito da audiência, no Senado, em que o referido general foi sabatinado, como é de rigor, antes de ocupar uma vaga no STM – Superior Tribunal Militar.
Qual o suposto “absurdo”, proferido pelo referido general que talvez o impeça de ocupar um cargo no STM? Disse apenas que os homossexuais só deveriam ser aceitos pelas Forças Armadas “se mantivessem a opção sexual em segredo”. Vejam bem: ele não veta o ingresso, nas Forças Armadas, daquele homossexual discreto, que considera sua opção matéria de foro íntimo, não precisando ser espalhada. Não propõe que os interessados em servir na área das armas sejam obrigados a se submeter a um detector de mentiras para que não mintam sobre suas preferências sexuais. Nem pretende que, constatado que um militar é homossexual, seja ele expulso da corporação, só por isso. O ilustre oficial manifestou-se contrário à presença de homossexuais declarados nas Forças Armadas porque, como tais, não conseguirão comandar — subtende-se com a mesma aceitação —, a tropa. Essa é, porém, sua opinião, provavelmente compartilhada por grande número de experientes militares e mesmo civis. Apenas um dado da realidade social. Na controvertida declaração o ilustre general está preocupado é com a disciplina nos quartéis; não “ataca” os homossexuais por serem tais.
Realisticamente, é preciso lembrar que o nível cultural da tropa não é elevado. O preconceito popular ainda existe, é muito forte, e não anulável em curto espaço de tempo. A baixa escolaridade prepondera entre os soldados. É previsível um certo desrespeito do soldado, principalmente se iniciante, com relação ao superior que, todos sabem, sente atração pelo mesmo sexo. Isso não estimula a disciplina. Principalmente se o homossexual revela, com trejeitos, sua orientação sexual. Se, constatada uma infração disciplinar, o oficial gay deixou de punir um ou dois subordinados, com quem mantém relações especialmente cordiais, outros praças dirão — talvez injustamente —, que a benevolência explica-se pelos laços afetivos íntimos que dificultam a punição dos “queridinhos”.
A opinião do referido general não se reveste de inconstitucionalidade. Todos têm o direito de expressar seu pensamento, respondendo por eventuais abusos. No caso, depondo no Senado, o dever de dizer a verdade é especialmente exigível. Só merece elogios quem não mente em situação como essa, mesmo com o risco de não ser aprovado pela comissão que o sabatina. Não se vê abuso na opinião em exame. É apenas a visão franca, honesta, de um profissional que conhece, mais que os parlamentares, a mentalidade da tropa. Ele não está preocupado, na verdade, com a vida íntima dos soldados. Prevê e inquieta-se com a perspectiva de relaxamento em uma atividade essencialmente máscula e sóbria, que tem na hierarquia um dos seus pilares de sustentação.
No depoimento ele não se mostra hostil aos homossexuais, de modo geral. Frisa que existem outras inúmeras profissões em que podem se destacar. No mundo artístico, intelectual, empresarial, no jornalismo e nas profissões liberais há espaço de sobra para a criatividade, geralmente elevada, dos homossexuais. É questão apenas de colocar o homem certo na atividade mais de acordo com sua natureza. Se, por mero exemplo, analogicamente, um candidato à carreira diplomática tiver um gênio excessivamente irascível, violento — com antecedentes de esbofetear quem o contradiz — caso ele seja reprovado, por seu temperamento, no concurso de ingresso na carreira diplomática, nem por isso poderá alegar que foi negado o seu direito constitucional de acesso ao cargos públicos. Outros existirão, disponíveis. Não houve, no caso, “preconceito”. Houve apenas a preocupação de preenchimento de funções conforme a compatibilidade da personalidade do candidato com o cargo visado.
Quem já serviu o Exército presenciou que os locais para banho são amplos, coletivos, sem compartimentos individuais. Como todos os praças sabem que ali só há “homens”, na sua “orientação” tradicional, não há porque desconfiar do militar que está a seu lado, se ensaboando e, ocasionalmente, olhou para ele de um modo mais demorado. Se houver, porém, a certeza de que ao lado está um homossexual, surge o receio de que aquele olhar pode ter um especial significado, desagradável para quem foi criado num ambiente cultural em que os sexos devem ser distintamente definidos. Esse clima de constante desconfiança não é bom para a tropa. As piadas prosperam.
Quando a norma constitucional diz que todos devem ser tratados igualmente — não permitindo preconceitos contra deficientes físicos, raças e orientação sexual —, isso não quer dizer que todos, absolutamente todos, possam ocupar toda e qualquer função pública, sem restrições.
Já houve quem pensasse, por exemplo, que cegos poderiam ser juízes. Ocorre que o juiz — principalmente o de primeira instância —, precisa do sentido da visão. Precisa ler as petições; ler o que ele mesmo, ou alguém por ele, escreveu como despacho ou decisão; analisar a reação física da testemunha — que pode estar mentindo —; examinar a planta de um imóvel, etc. E não pode também ser nem surdo nem mudo, por razões óbvias. Para as petições e documentos serem vertidas para o código Braile seria oneroso demais. Mesmo nos tribunais superiores seria problemático admitir portadores de deficiências dos sentidos. É preciso ler petições, falar e ouvir as sustentações orais e opiniões dos colegas de julgamento. Assim, esse não-acesso de alguns à profissão de magistrado tem razão de ser. Não por “preconceito”, mas porque a natureza da função assim o exige. Cegos podem se tornar excelentes juristas, professores e conferencistas. Quem já ouviu alguma palestra do professor de direito Alberto do Amaral Júnior, que é cego, ficou certamente impressionado com o invulgar rigor lógico da exposição e profundidade de seus conhecimentos. Não podendo ler os livros, alguém faz isso por ele, lendo em voz alta.
Se houver amplo acesso de homossexuais declarados às Forças Armadas é previsível que profissão militar seja especialmente procurada por eles tendo em vista a carência afetiva dos homens que amam homens, e não mulheres. E ninguém pode negar que fatores sexuais influem nas opções profissionais. Um famoso ator inglês, Michael Caine, tornou-se ator apenas porque estava enamorado de uma bonita moça que estudava arte dramática em determinada escola. Ele mesmo é que disse isso, em entrevista. Seguindo-a algumas vezes na rua, viu que ela freqüentava aquela escola de atores. Para ter a oportunidade de, talvez, beijá-la em algum ensaio, matriculou-se no curso e acabou tornando-se um ator de sucesso. Igualmente, se houver um forte fluxo de homossexuais querendo ingressar nas Forças Armadas, á natural e previsível que, com o tempo. a proporção deles na carreira das armas seja muito maior que a existente em outras profissões. Isso porque o militar heterossexual, com freqüência — e por razões de serviço —, é obrigado a ficar longe da família, ou namorada; “vazio” sentimental que estimulará homossexuais a ocupar esse espaço.
Analogicamente, pelo mesmo motivo, não parece ser recomendável que lésbicas dêem preferência a trabalhar como carcereiras em presídios femininos
Duas décadas atrás, perguntei a um experiente cirurgião por que havia tão poucas mulheres exercendo essa especialidade. Ele me respondeu que, em parte, isso ocorria por uma questão de mera tradição, que estava desaparecendo aos poucos. Argumentou, porém, que, na sua opinião, as médicas, por temperamento — por serem mais delicadas —, preferem cuidar de problemas menos violentos, menos brutais, menos “sanguinolentos”. Explicou-me que, por vezes, o paciente que está na mesa de operação tem uma peculiaridade anatômica, uma artéria “fora do seu lugar”, isto é, não conforme o que consta nos compêndios de anatomia. Se, por acidente, a artéria é cortada pelo bisturi, o sangue inundando o campo operatório, é preciso muita presença de espírito, “vocação”, para lidar com o súbito problema. Nesse caso o cirurgião é obrigado a agir meio no escuro, porque o sangue jorra e cobre tudo. Ele entendia que o homem — embora nem todos — tem mais “sangue frio” nessas situações. Enfim, se uma jovem médica prefere clinicar em vez de operar, é seu “direito” não ser forçada a trabalhar, como empregada, amputando pernas, operando coração, etc. Reciprocamente, a administração pública, no caso as Forças Armadas, também têm o direito de prevenir o ingresso, em suas fileiras, de homens que vão favorecer, mesmo involuntariamente, uma maior indisciplina na tropa.
Se o ilustre general Cerqueira Filho for “reprovado” na sabatina, só porque não mentiu, porque deu sua opinião — equilibrada e aceitável —, todos os futuros sabatinados ficarão doravante conscientes de que no nosso país é imprescindível mentir para ocupar cargos mais elevados. Espera-se que não ocorra tal desmoralização.
(07-02-10)
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